Informa-nos o Observatório do Direito à Comunicação (http://www.direitoacomunicacao.org.br/content.php?option=com_content&task=view&id=8416):
Senadores querem derrubar decisão do Conselho da EBC sobre programação religiosa
Jacson Segundo - Observatório do Direito à Comunicação
03.10.2011
A decisão do Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) de alterar a programação religiosa de seus veículos extrapolou definitivamente os muros da empresa. Depois da interferência da Justiça Federal anulando a resolução do Conselho e de entidades da sociedade civil terem se manifestado sobre o tema, foi a vez do Senado entrar na polêmica. Nesta quinta-feira (29), depois da realização de audiência pública sobre o assunto, os senadores Marcelo Crivella (PRB-RJ), Lindbergh Farias (PT-RJ) e Edison Lobão Filho (PMDB-MA) protocolaram na Casa um decreto legislativo para sustar a decisão do Conselho.
Os poucos senadores presentes na audiência do Senado criticaram bastante a decisão do Conselho, tomada em 24 de março deste ano. A argumentação dos parlamentares, boa parte ligada a grupos religiosos, é que o órgão foi além das suas atribuições. Também afirmaram que a retirada dos conteúdos religiosos presentes na grade atualmente seria um ato descriminatório. A resolução do Conselho foi para que as produções religiosas (A Santa Missa e Palavras de Vida, da igreja católica, e Reencontros, da evangélica igreja batista) fossem substituídas por faixa(s) horária(s) que promovam a pluralidade religiosa.
A 15ª Vara Federal do Distrito Federal já havia decidido que os programas, que somam 2h45 da programação semanal da TV Brasil e Rádio Nacional de Brasília, continuassem a ser exibidos. O setor jurídico da empresa recorreu da antecipação de tutela movida pelas igrejas. No entanto, é provável que o decreto seja aprovado antes dessa tramitação na Justiça e que a questão seja definida pelo Legislativo. O esforço da base governista será para que isso ocorra.
A presidenta da empresa também não fez questão de defender a legitimidade do órgão, que possui 15 de seus 22 membros representantes da sociedade civil. “O Conselho exorbita a sua competência. Ele tem descompromisso com as questões administrativas e políticas da empresa”, atacou Tereza Cruvinel, que defende uma revisão legal para que o papel do Conselho seja redefinido.
Decisão do conselho
Essa pauta chegou ao Conselho Curador da EBC em abril de 2010. Entre 4 de agosto e 19 de outubro daquele ano foi feita uma consulta pública, que contou com 141 contribuições de pessoas e organizações. No dia 24 de março deste ano foi aprovada a resolução que propõe a troca dos atuais programas por uma faixa na programação que promova a pluralidade de religiões. Portanto, o assunto está em discussão há mais de um ano e meio.
Para os conselheiros, manter dois programas católicos e um evangélico nas emissoras da empresa é um privilégio injustificado a esses grupos. A decisão levou em conta, entre outros fatores, a diretriz constitucional que proíbe entes públicos vinculados à União de estabelecer ou subvencionar cultos ou igrejas (art. 19), bem como na Lei 11.652/2008, que impõe à EBC a não-discriminação religiosa (art. 2º) e a vedação a qualquer proselitismo na programação (art. 3º).
A diretoria, por sua vez, apresentou em 18 de setembro uma proposta que cria lotes na programação: 26 minutos (slots fixos) para católicos, evangélicos e cultos afro-brasileiros e 13 minutos (slots rotativos) para programas de religiões minoritárias. Esse modelo ainda está em análise pelo Conselho.
Legitimidade
Na audiência de quinta-feira realizada pela Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática (CCT) do Senado, alguns parlamentares não se contiveram em apenas criticar a decisão do Conselho Curador, mas também questionaram sua legitimidade. O senador Lindbergh Farias foi quem mais bateu nessa tecla. Ele afirmou que irá apresentar um projeto de lei redefinindo o órgão. A realização de eleições para escolha dos conselheiros – que atualmente são designados pelo presidente da República - seria uma das mudanças. “Parece aquele velho esquerdismo. É um conselho de iluminados que está se achando”, criticou duramente o senador.
A presidenta da empresa também não fez questão de defender a legitimidade do órgão, que possui 15 de seus 22 membros representantes da sociedade civil. “O Conselho exorbita a sua competência. Ele tem descompromisso com as questões administrativas e políticas da empresa”, atacou Tereza Cruvinel, que defende uma revisão legal para que o papel do Conselho seja redefinido.
A integrante do Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social, Bia Barbosa, acredita que o questionamento à legitimidade do Conselho é grave. “É um órgão constituído legalmente, que passou pelo Senado inclusive”, ressaltou Bia. O Intervozes é uma das 31 entidades que assinaram um manifesto em apoio à decisão do Conselho Curador.
“Os senadores se colocam em um pedestal para questionarem espaços de construção democrática da sociedade civil”, diz Bia Barbosa, que também criticou a diretora Tereza Cruvinel por ter deslegitimado o papel do órgão. Segundo Bia, a lei da EBC determina prerrogativas ao Conselho que a direção deve cumprir. “Vamos construir uma reação”, promete a militante.
Antes de Suas Excelências (SIC), os senadores, tomarem esta decisão fundamentalista-religiosa, interferindo num órgão legítimo da TV Brasil, uma breve informação:
- A Santa Madre Igreja Católica possui, de forma direta e/ou indireta, 46 emissoras de televisão, tem 863 retransmissoras e nove grupos de mídia filiados. Só a Arquidiocese do Rio de Janeiro tem um órgão de mídia próprio, a Rádio Catedral. Além disso, ao contrário do que dizem, a Santa Missa continua sendo transmitida em todas as manhãs de domingo pela Rede Globo (ver http://redeglobo.globo.com/programacao.html). Então, para que diabos a Santa Madre Igreja Católica quer porque quer mais espaço na TV Brasil?
- As confissões evangélicas, nem se fala: quase todos tem espaços alugados em emissoras privadas, e não custa nada lembrar da Rede Record (propriedade da Igreja Universal do Reino de Deus) e da Nossa TV (canal de TV a cabo da Igreja Internacional da Graça de Deus). Então, para que diabos eles querem porque querem mais espaço na TV Brasil?
Se a ideia é dar espaço às religiões, que tal conceder espaço às que nunca o tiveram na mídia? Alguém já viu um programa de rádio ou TV das religiões afro? Os espíritas kardecistas tem um programa nas tardes de domingo na RedeTV!, o "Transição", e uma emissora de rádio no Rio de Janeiro, a Rádio Rio de Janeiro (http://www.radioriodejaneiro.am.br/RRJsiteCMS/), e só. Mais algum?
No mais, o Conselho Curador da EBC está certo: manter dois programas católicos e um evangélico nas emissoras da empresa é privilégio demais para ambos.
É certo que a Constituição Federal diz em seu Art. 5º:
"Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
(...)
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;"
No entanto, o Art. 19 é claro:
"Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;"
E a lei que criou a EBC também é clara:
"Art. 2o A prestação dos serviços de radiodifusão pública por órgãos do Poder Executivo ou mediante outorga a entidades de sua administração indireta deverá observar os seguintes princípios:
(...)
VI - não discriminação religiosa, político partidária, filosófica, étnica, de gênero ou de opção sexual;"
"Art. 3o- Constituem objetivos dos serviços de radiodifusão pública explorados pelo Poder Executivo ou mediante outorga a entidades de sua administração indireta:
(...)
Parágrafo único. É vedada qualquer forma de proselitismo na programação"
E a proposta apresentada pela diretoria da EBC - criar slots fixos de 26 minutos na programação para católicos, evangélicos e cultos afrobrasileiros, e slots rotativos de 13 minutos para religiões minoritárias - pode não ser o ideal, mas acho que atende às religiões, sem tirar da EBC a sua característica de órgão laico de um Estado laico.
Mas o que são a Constituição Federal e as leis do Estado laico para fundamentalistas de todas as religiões, que querem transformar o Brasil num Estado teocrático, regido pelos ditames da SUA religião? (O duro vai ser: qual destas religiões será a mandatária num Estado teocrático, a católica ou a evangélica? Os primeiros ainda sonham com a volta da situação dos tempos do Império e da Constituição de 1934, onde eram a religião oficial do Estado. Mas os segundos estão agindo de modo mais agressivo, e podem surpreender nesta disputa. Noites de São Bartolomeu à vista?)
Basta lembrar o Art. 241 do Estatuto da Criança ou Adolescente - cortesia de emenda do senador evangélico Magno Malta - que permite a qualquer juiz proibir qualquer obra artística, ao arrepio do Inciso IX, do Art. 5º da própria Constituição Federal, que é claro:
"IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;"
(Se alguém se lembrou do caso A Serbian Film - cortesia da ânsia de Cesar Maia e do DEM carioca em aparecer, mesmo na base do "falem mal mas falem de mim", acertou.)
E a proposta de um projeto de lei redefinindo o Conselho Curador da EBC, propondo a realização de eleições para escolha dos conselheiros (atualmente designados pelo presidente da República)? Seria boa, não fosse o contexto fundamentalista religioso em que se coloca. Basta um Silas Malafaia qualquer convocar seus fiéis fanatizados para "colocar homens de Deus e de Jesus (SIC)" no Conselho Curador da EBC e pronto: uma empresa de comunicação do Estado laico brasileiro passa a ser mais um feudo de proselitismo fanático a favor do Estado teocrático evangelicuzinho, nos moldes do Irã xiita.
O que mais me surpreende, contudo, são duas coisas:
1ª- A própria presidente da EBC, Tereza Cruvinel, ajudar a meter o malho no Conselho Curador da própria EBC que preside: "O Conselho exorbita a sua competência. Ele tem descompromisso com as questões administrativas e políticas da empresa". Por "exorbita", d. Tereza quer dizer: não deixa eu fazer o que bem quero à frente da presidência da EBC. Por isso não, D. Tereza: a senhora já faz muito por conta própria à frente da presidência da EBC - por exemplo, boicotar pessoas como Leopoldo Nunes, Leandro Saraiva e outros que batalharam por uma empresa pública de comunicação, até fazê-los sair, e assim poder tentar transformar a EBC numa empresa estatal. Só espero que a presidenta Dilma Rousseff esteja suficientemente p... da vida para não reconduzi-la ao cargo, já que seu mandato acaba no final do mês. Informa-nos o Observatório do Direito à Comunicação: "A polêmica também pode influenciar no processo de sucessão da direção da empresa. O episódio pode dificultar a permanência da jornalista Tereza Cruvinel à frente da EBC, já que a presidenta Dilma teria atribuído parte do imbróglio à falta de habilidade de Cruvinel de conduzir a questão." Ou seja, d. Tereza, eu e o Conselho Curador da EBC desejamos: se é por falta de adeus, au revoir, madame.
2ª- Quem participa desta lambança fundamentalista. Que o senador da Igreja Universal Marcelo Crivella (PRB-RJ) entre nisso é compreensível. Mas um homem que eu achava de esquerda como Lindbergh Farofa, digo, Farias (e do PT, pombas!) entrar nisso? Que decepção!... Já sei em quem eu não vou votar mais...
P.S: ainda sobre este assunto, ler artigo de Dioclécio Luz, O que mais quer a igreja católica?, para o Observatório da Imprensa.
07 outubro, 2011
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