13 setembro, 2013

MILLÔR E OS PORTUGUESES MANDAM LEMBRANÇAS 3 - A REVANCHE (ou: A INCÔMODA MANDIOCA)

Mais uma vez, recebo longo email de Joaquim Camarão. É, aquele mesmo que, em post anterior, avisou a nós, do formigueiro da cultura de Niterói, sobre os planos dos tamanduás-executivos do Grupo Executivo do Caminho Niemeyer, a respeito do Centro Petrobras de Cinema.
Desta vez, o assunto dele é outro. Ou melhor, são dois: a Conferência Municipal de Cultura, que ocorreu no início de agosto; e o processo eleitoral para o Conselho Municipal de Cultura, que ocorrerá em outubro.
(Antes que me perguntem quem é Joaquim Camarão, já respondo logo: NÃO SEI. Não o conheço pessoalmente. Tanto que, embora eu tenha participado da Conferência - e, pela autoridade com que ele fala, também deve ter participado -, não saberia reconhecê-lo - não só pelo grande número de pessoas que dela participaram ,mas porque ele, sabe-se lá por que, prefere se manter incógnito.)
Bem, lá vai. Paciência, que o texto (com direito a uma epígrafe meio safadinha, porém ilustre) é longo.

----- Mensagem encaminhada -----
De: Joaquim Camarão 
Para: Antonio Paiva Filho 
Enviada: Quinta-feira, 12 de Setembro de 2013 10:09
Assunto: A INCÔMODA MANDIOCA QUE NOS DERAM



Só vejo um remédio para me moralizar – cortar a incômoda mandioca que Deus me deu!
(Oswald de Andrade – Serafim Ponte Grande, 1933)

Recordar é viver, já dizia vovó. Ainda mais quando recordamos História.
Quem estudou História do Brasil lembra-se da "planejada mudança" (leia-se fuga desabalada) da corte portuguesa para o Brasil, em 1808, para fugir de Napoleão Bonaparte. (O próprio general corso diria mais tarde, em suas memórias, que D. João VI foi o único dos soberanos europeus que lhe passou a perna.)
Aqui, D. João foi coroado rei do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, em 1816. E aqui ficaria pelo resto de seu reinado, se os portugueses lá de Portugal não se encrespassem e fizessem a Revolução Liberal do Porto, em 1820, exigindo a sua volta para Lisboa, reabrindo as Cortes (o parlamento) e preparando uma Constituição. Para isso – e para legislar dentro da monarquia constitucional que Portugal se tornaria – foram convocadas eleições para os novos deputados das Cortes – inclusive no Brasil..
Eleição direta? Não, porque isso metia medo nas elites aristocráticas locais, historicamente com medo da "patuléia", da "choldra", da "canalha", do "zé povinho"...
A eleição dos deputados foi assim, de modo indireto:

ELEIÇÕES GERAIS NO BRASIL EM 1821 (*)
(*) Para as Cortes Constituintes, em Lisboa – Brasil ainda era parte do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves)




POVO
(inclusive os analfabetos)












1º grau





































COMPROMISSÁRIOS












2º grau





































ELEITORES DE PARÓQUIA












3º grau





































ELEITORES DE COMARCA
(reúnem-se na capital da província)












4º grau





































DEPUTADOS
(1 para cada 30 mil habitantes)


(Fonte: ALENCAR, Francisco; CARPI, Lúcia; e RIBEIRO, Marcus Venício. História da Sociedade Brasileira. Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico, 1979, pág. 102.)

Passou-se um tempinho – tempinho bem agitado, com as Cortes portuguesas querendo a todo custo recolonizar o Brasil (e como diria o Ancelmo Gois da época: "Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves é o cacete!") – e o Brasil se tornou independente, como monarquia constitucional (o Império) e o príncipe D. Pedro aclamado como D. Pedro I, Imperador do Brasil.
E, para variar um pouquinho, a elite agrária brasileira continua com medo e nojo do populacho e de sua participação na política – área que, segundo eles, só as pessoas "de bem", "preparadas" (leia-se: a elite agrária), poderiam exercer.
Daí, a proposta de Constituição para o Império, com (adivinhem só!) eleições indiretas, pelo voto censitário – isto é, só votam e são votados quem recebe certa renda anual – conhecida como a Constituição da Mandioca:


DO PROJETO DE CONSTITUIÇÃO PARA O IMPÉRIO DO BRASIL
(Dita Constituição da Mandioca) - 1823

VOTO CENSITÁRIO
(não-universal e de acordo com a renda do eleitor)

















ELEITOR DE 1º GRAU
Precisaria ter renda líquida anual correspondente ao valor de 150 alqueires de mandioca, "provenientes de bens de raiz, comércio, indústrias ou artes".


















ELEITOR DE 2º GRAU
Precisaria ter renda líquida anual correspondente ao valor de 250 alqueires de mandioca.
























DEPUTADO
Precisaria ter renda líquida anual correspondente ao valor de 500 alqueires de mandioca



SENADOR
Precisaria ter renda líquida anual correspondente ao valor de 1000 alqueires de mandioca

(Fonte: ALENCAR, Francisco; CARPI, Lúcia; e RIBEIRO, Marcus Venício. História da Sociedade Brasileira. Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico, 1979)

O problema é que D.Pedro I não gostou dos outros detalhes do projeto constitucional. Não porque queria uma Constitucional "digna do Brasil e de si" – o que foi invenção de José Bonifácio, depois que foi demitido do Ministério:


No dia 3 de maio de 1823, a Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil iniciou sua legislatura com o intento de realizar a primeira Constituição Política do país. No mesmo dia, D. Pedro I discursou para os deputados reunidos, deixando clara a razão de ter afirmado durante sua coroação no final do ano anterior que a Constituição deveria ser digna do Brasil e de si (frase esta que fora ideia de José Bonifácio e não do Imperador):

"Como Imperador Constitucional, e mui especialmente como Defensor Perpétuo deste Império, disse ao povo no dia 1 de dezembro do ano próximo passado, em que fui coroado e sagrado – que com a minha espada defenderia a Pátria, Nação e a Constituição, se fosse digna do Brasil e de mim…, uma Constituição em que os três poderes sejam bem divididos… uma Constituição que, pondo barreiras inacessíveis ao despotismo quer real, aristocrático, quer democrático, afugente a anarquia e plante a árvore da liberdade a cuja sombra deve crescer a união, tranquilidade e independência deste Império, que será o assombro do mundo novo e velho.
Todas as Constituições, que à maneira de 1791 e 1792 têm estabelecido suas bases, e se têm querido organizar, a experiência nos tem mostrado que são totalmente teóricas e metafísicas, e por isso inexequíveis: assim o prova a França, a Espanha e, ultimamente, Portugal. Elas não tem feito, como deviam, a felicidade geral, mas sim, depois de uma licenciosa liberdade, vemos que em uns países já aparecem, e em outros ainda não tarda a aparecer, o despotismo em um, depois de ter sido exercido por muitos, sendo consequência necessária ficarem os povos reduzidos à triste situação de presenciarem e sofrerem todos os horrores da anarquia."

D. Pedro lembrou aos deputados em seu discurso que a Constituição deveria impedir eventuais abusos não somente por parte do monarca, mas também por parte da classe política e da própria população. Para tanto, seria necessário evitar implantar no país leis que na prática seriam desrespeitadas. A Assembleia num primeiro momento se prontificou a aceitar o pedido do Imperador, mas alguns deputados se sentiram incomodados com o discurso de D. Pedro.
Um deles, o deputado por Pernambuco Andrade de Lima, manifestou claramente seu descontentamento, alegando que a frase do monarca fora por demais ambígua. Os deputados que se encontravam na Constituinte eram em sua grande maioria liberais moderados, reunindo "o que havia de melhor e de mais representativo no Brasil". Foram eleitos de maneira indireta e por voto censitário e não pertenciam a partidos, que ainda não existiam no país.
(Da Wikipedia – verbete sobre D. Pedro I do Brasil e D. Pedro IV de Portugal - http://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_I_do_Brasil)


O pau comeu entre o Imperador e a Assembleia, que acabou sendo dissolvida, na chamada Noite da Agonia, em 12 de novembro de 1823. Depois disso, D. Pedro I encarregou o Conselho de Estado – um "conselho de notáveis" formado por juristas renomados, sendo todos brasileiros natos – de redigir um novo projeto de Constituição, que seria outorgada em 25 de março de 1824 aquela mesmo, em que o Imperador, monarca constitucional, tinha um poder acima dos três poderes conhecidos (Legislativo, Executivo e Judiciário): o Poder Moderador, com o qual o monarca, na prática, reinava, governava e administrava.
Mais uma vez, o elitismo se fez presente no processo eleitoral, com voto censitário e tudo. Mas desta vez, a mandioca ficou de fora.

DA CONSTITUIÇÃO IMPERIAL
(Outorgada por D.Pedro I) - 1824

VOTO CENSITÁRIO
(não-universal e de acordo com a renda do eleitor)

















ELEITOR DE 1º GRAU
Precisaria ter renda líquida anual de 100$000, "provenientes de bens de raiz, comércio, indústrias ou artes".


















ELEITOR DE 2º GRAU
Precisaria ter renda líquida anual de 200$000.
























DEPUTADO
Precisaria ter renda líquida anual de 400$000.



SENADOR
(Vitalício – nomeado pelo Imperador)
Precisaria ter renda líquida anual de 800$000

(Fonte: ALENCAR, Francisco; CARPI, Lúcia; e RIBEIRO, Marcus Venício. História da Sociedade Brasileira. Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico, 1979)

Foi esta a Constituição que vigorou durante o Império. E foi contra ela que os republicanos se voltaram, nas últimas décadas do século XIX. Quando a República foi instalada, em 1889 (melhor dizendo, a primeira das Repúblicas brasileiras), a nova Constituição republicana, promulgada em 1891, finalmente instaurou o voto direto universal.
Claro, esse voto ainda era masculino e, na Primeira República (dita "República dos fazendeiros" ou "República Velha" – 1891 a 1930) passou por coronéis, cabrestos ,e Comissões de Verificação de Poderes... Mas era um voto universal, que não se limitava a meia-dúzia-de-três-ou-quatro privilegiados. (Não é a toa que Laurentino Gomes, autor de 1808, 1822 e 1889, disse em entrevista à revista História Viva que a República foi verdadeiramente proclamada em 1984, anos das Diretas Já.)
Claro, você vai me perguntar: por que essa longa aula de História? E o que isto tem a ver com a eleição do novo conselho Municipal de Cultura?
Simples. É que, até hoje, sempre tem gente que ainda acha que só uma minoria privilegiada, "preparada" (SIC) ou mesmo "predestinada" (SIC, de novo) pode tomar decisões pelo conjunto de uma sociedade, sem precisar consulta-la ou convencê-la. Os tucanos, que o digam. O atual governador do Rio de Janeiro, em fim de mandato e abusando da truculência policial, idem.
E a Comissão Eleitoral, encarregada do processo de eleição do novo Conselho Municipal de Cultura – ou melhor, dizendo, uma parte dela – também.
Explica-se: no último dia 6 de setembro, foi publicado o decreto com as regras para a eleição dos novos conselheiros. Observem as regras, e vocês verão que o espírito da mandioca elitista e restritiva dos Bonifácios baixou nele:


Inscrições:

ELEITOR
Maiores de 18 anos que:
- nasceram; e/ou
- trabalham; e/ou
- morem; e/ou
- estudem
na cidade de Niterói.



ELEITOR CANDIDATO
Maiores de 18 anos que:



- nasceram e/ou

na cidade de Niterói



- trabalham e/ou



- morem e/ou



- estudem e/ou









que apresentem:


- Currículo
da área (ou que comprove atuação na área) relacionada à Câmara Setorial pretendida






- Documento de estudante






- Diploma ou registro profissional






- Documento expedido por entidade cultural ou associação de moradores






- Carteira de filiação ou documento expedido por grupo / movimento cultural






















Em cada Câmara Setorial:













ELEITORES e ELEITORES CANDIDATOS
(Desde que homologados / aceitos pela Comissão Eleitoral, que atuará sem limitações)
































elegem 40 MEMBROS































que elegem entre eles
20 MEMBROS TITULARES e 20 MEMBROS SUPLENTES




























que elegem entre eles
1 CONSELHEIRO TITULAR e 1 SUPLENTE DE CONSELHEIRO


(Fonte: blog do site da Secretaria Municipal de Cultura)

Aí, vocês se perguntarão quais as justificativas deste funil neomonárquico para a eleição dos conselheiros da sociedade no Conselho Municipal de Cultura?
Depende. Você quer as razões oficiais ou as que achamos que são verdadeiras? Ah, as duas? Então lá vai.
Primeiro, as oficiais – embora, com um pouco de tempo para raciocinar, não se sustentem muito:

- Razão 1 – "Como são as Câmaras Setoriais que elegem os conselheiros, é muito importante (aliás, obrigatório) que elas adotem a mesma metodologia de eleição do Conselho Nacional de Política Cultural."

Bom. Vamos ver a estrutura do Conselho Nacional de Política Cultural. Ele se compõe de:

I – Plenário, composto por:

a) O Ministro da Cultura;
b) dezesseis representantes do poder público sendo:

- seis representantes do MinC;
- um representante da Casa Civil da Presidência da República;
- um representante do Ministério da Ciência e Tecnologia;
- um representante membro do Ministério das Cidades;
- um representante do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome;
- um representante do Ministério da Educação;
- um representante do Ministério do Meio Ambiente;
- um representante do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão;
- um representante do Ministério do Turismo;
- um representante da Secretaria-Geral da Presidência da República;
- um representante do Ministério das Comunicações;
- um representante do Ministério do Trabalho e Emprego;
- um representante do Ministério das Relações Exteriores; e
- um representante da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República da República

c) quatro representantes do Poder Público dos Estados e Distrito Federal, sendo três indicados pelo Fórum Nacional de Secretários Estaduais de Cultura e um pelo Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Cultura;
d) quatro representantes do Poder Público municipal, indicados, dentre dirigentes da área de cultura, respectivamente, pela Associação Brasileira de Municípios, Confederação Nacional de Municípios, Frente Nacional dos Prefeitos e Fórum dos Secretários das Capitais;
e) um representante do Fórum Nacional do Sistema S (SESI, SENAI, SESC, SENAC etc.);
f) um representante das entidades ou das organizações não-governamentais que desenvolvem projetos de inclusão social por intermédio da cultura; e
g) – treze representantes das áreas técnico-artísticas, indicados pelos membros da sociedade civil nos colegiados setoriais afins ou, na ausência destes, por escolha do Ministro de Estado da Cultura, nos termos do Decreto 5.520/2005, nas seguintes áreas:

- artes visuais;
- música popular;
- música erudita;
- teatro;
- dança;
- circo;
- audiovisual;
- literatura, livro e leitura;
- arte digital;
- arquitetura e urbanismo;
- design;
- artesanato; e
- moda (área que causou tanta celeuma recentemente, ao ganhar do MinC incentivo de R$ 2,8 milhões para dois estilistas realizarem desfiles... em Paris... Mas isso é outro assunto).

h) – sete representantes da área de patrimônio cultural, indicados pelos membros da sociedade civil, nos colegiados setoriais afins ou, na ausência destes, por escolha do Ministro de Estado da Cultura, nos termos do Decreto 5.520/2005, sendo:

- culturas afro-brasileiras;
- culturas de povos indígenas;
- culturas populares;
- arquivos;
- museus;
- patrimônio material;
- patrimônio imaterial.

i) três personalidades com comprovado notório saber na área cultural, de livre escolha do Ministro de Estado da Cultura;
j) um representante de entidades de pesquisa na área de cultura, a ser definido em sistema de rodízio ou sorteio, pelas associações nacionais de antropologia, ciências sociais, comunicação, filosofia, literatura comparada e história;
k) um representante do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas – GIFE;
l) um representante da Associação Nacional das Entidades Culturais Não-Lucrativas – ANEC;
m) um representante da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior – ANDIFES;
n) um representante do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro – IHGB; e
o) um representante da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC.

Ou seja, dos 55 membros do CNPC com direito a voto, apenas 20 são eleitos pelos colegiados setoriais da sociedade civil. E se esses não se mexerem, acabam indicados pelo caprichoso dedo do(a) Ministro(a) da Cultura.

II - Comitê de Integração de Políticas Culturais, composto pelos titulares das secretarias, das autarquias e das fundações vinculadas ao Ministério da Cultura;
III - Colegiados Setoriais, compostos por:

a) cinco representantes do Poder Público, escolhidos dentre técnicos e especialistas indicados pelo Ministério da Cultura e/ou pelos órgãos estaduais, distritais e municipais relacionados ao setor; e
b) quinze representantes da sociedade civil organizada.

sendo que, de acordo com o Regimento Interno;

§ 1º As indicações e escolhas dos representantes citados nos incisos I e II deste artigo observarão, quando couber, normas publicadas pelo Ministério da Cultura

e

§ 2º A representação da sociedade civil deverá contemplar as cinco macrorregiões administrativas e os segmentos artísticos e culturais definidos nos Regimentos Internos dos respectivos Colegiados Setoriais.

IV -Comissões temáticas e grupos de trabalho; e
V - Conferência Nacional de Cultura, "constituída por representantes da sociedade civil, indicados em Conferências Estaduais, na Conferência Distrital, em Conferências Municipais ou Intermunicipais de Cultura e em Pré-Conferências Setoriais de Cultura, e por representantes do Poder Público dos entes federados, em observância ao disposto no regimento próprio da Conferência, a ser aprovado pelo Plenário do CNPC."

Agora, vamos ao Regimento Interno da Conferência Nacional de CulturaDiz o dito cujo:

"Art. 21 A realização das Conferências Municipais e/ou Intermunicipais é condição indispensável para participação de delegados na Conferência Estadual e/ou Regional."
(...)
Art. 22 Cada Conferência Municipal ou Intermunicipal terá direito ao máximo de 25
(vinte e cinco) delegados para a Conferência Regional/Territorial ou Estadual.
Art. 23 Para que a Conferência Municipal ou Intermunicipal seja válida para a etapa regional, estadual e perante a 3ª Conferência Nacional de Cultura será necessária a comprovação de quorum mínimo de 25 (vinte e cinco) participantes, com representação da sociedade civil e da área governamental.
(...)
Art. 27 As Conferências Estaduais poderão ser realizadas em uma única etapa - com a realização da Plenária Estadual - ou em duas etapas – com a realização de Conferências Regionais/Territoriais e a Plenária Estadual constituída por delegados eleitos nessas Conferências.
(...)
§ 6º Nas Conferências Regionais/Territoriais será considerado, para efeito de validação em cada uma delas, o quorum mínimo de 25 (vinte e cinco) participantes, com representação da sociedade civil e da área governamental.
§ 7º A eleição dos delegados nas Conferências Regionais/Territoriais para a Conferência Estadual deverá seguir os critérios de proporcionalidade estabelecidos pelo Poder Executivo Estadual e indicados no Regimento da Conferência Estadual.
§ 8º Nas Conferências Regionais/Territoriais, o número total de delegados natos não poderá ser superior a 15% do total de delegados eleitos.
§ 9º Nos Estados em que se realizarem Conferências Regionais/Territoriais será considerada a soma total dos delegados participantes dessas Conferências para a definição do número de delegados a serem eleitos na Conferência Estadual para a Plenária da 3ª Conferência Nacional de Cultura.
(...)
Art. 31 A realização da Conferência Estadual de Cultura e do Distrito Federal é condição indispensável para a participação de delegados estaduais e distritais na Plenária da 3ª Conferência Nacional de Cultura.
(...)
Art. 35 Cada Estado e o Distrito Federal terão direito ao máximo de 50 (cinquenta) delegados para a 3ª Conferência Nacional, devendo ser respeitada a proporcionalidade e a representatividade dispostas no §3º do art. 18 deste Regimento.
Art. 36 Para que as Conferências Estaduais e a do Distrito Federal sejam válidas para a 3ª Conferência Nacional de Cultura, será necessária a comprovação de quorum mínimo de 50 (cinquenta) delegados, representantes da Sociedade Civil e da área governamental, eleitos nas conferências municipais, intermunicipais e/ou regionais/territoriais.

§ 1º Com o objetivo de uniformizar os critérios para a eleição de delegados nas conferências estaduais para a Plenária da 3ª Conferência Nacional, é obrigatória a aplicação do percentual indicado no anexo III.

Esse aqui:

Conferência Municipal/Intermunicipal

Quantitativo de Participantes
Número de Delegados para a Conferência Estadual
De 25 a 500
5% do número de participantes
Acima de 500
25 Delegados

§ 2º Nas Conferências Estaduais, o número total de delegados natos não poderá ser superior a 15% do total de delegados eleitos.
(...)
Art. 40 Serão delegados setoriais os membros titulares, representantes das linguagens e expressões culturais constituídas em Colegiados Setoriais, integrantes da estrutura do Conselho Nacional de Política Cultural – CNPC.
Art. 41 Cada Colegiado Setorial constituído, conforme o §4º do art. 18, terá assegurado a participação de até 20 (vinte) delegados no Plenário da 3ª Conferência Nacional de Cultura, respeitada a representatividade das cinco regiões do País, sendo até 15 (quinze)
representantes da sociedade civil e até 5 (cinco) do poder público.

Até aí, tudo bem. Entende-se que os delegados de uma Conferência Nacional de Cultura e os representantes da sociedade civil de um Conselho Nacional de Política Cultural sejam escolhidos por esta peneira – afinal, é um Conselho NACIONAL (assim mesmo sr. revisor, em caixa alta – obrigado) de Cultura do Brasil – país de 8.515.767,049 km² e mais de 200 milhões de habitantes.
O problema é que estamos elegendo um Conselho MUNICIPAL (assim mesmo sr. revisor, em caixa alta de novo – obrigado), de uma cidade de 129,3 km² e 487 327 habitantes, chamada Niterói. Mais especificamente, os representantes da sociedade civil.
Sim, por que o Conselho Municipal de Cultura de Niterói se compõe assim:

5º - O Conselho compõe-se de 16 (dezesseis) membros, conforme a seguir relacionados:

I - O Secretário ou Secretária Municipal de Cultura, membro nato;
II - 01 (uma ou um) representante da Secretaria Municipal de Cultura, indicada(o) pelo titular da pasta;
III - 01 (uma ou um) representante da Secretaria Municipal de Educação, indicada(o) pelo titular da pasta;
IV - 01 (uma ou um) representante da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, indicada(o) pelo titular da pasta;
V - 01 (uma ou um) representante da Câmara Municipal de Niterói, indicada(o) por sua Comissão de Educação e Cultura;
VI - 01 (uma ou um) representante dos produtores culturais, eleita(o) em encontro convocado para este fim;
VII - 01 (uma ou um) representante das Instituições de Ensino superior sediadas em Niterói, eleita(o) em encontro convocado para este fim;
VIII - 01 (uma ou um) representante dos serviços de radiodifusão, regulares e comunitários, sediados no município, eleita(o) em encontro convocado para este fim;
IX - 01 (uma ou um) representante do setor empresarial cultural e dos equipamentos locais de cultura, eleita(o) em encontro convocado para este fim;
X - 01 (uma ou um) representante dos movimentos sociais, eleita(o) em encontro convocado para este fim;
XI - 01 (uma ou um) representante do segmento cultural de Artes Cênicas, eleita(o) em encontro convocado para este fim;
XII - 01 (uma ou um) representante do segmento cultural de Artes Plásticas, eleita(o) em encontro convocado para este fim;
XIII - 01 (uma ou um) representante do segmento cultural de Cinema e Vídeo, eleita(o) em encontro convocado para este fim;
XIV - 01 (uma ou um) representante do segmento cultural de Dança, eleita(o) em encontro convocado para este fim;
XV - 01 (uma ou um) representante do segmento cultural de Livro e Leitura, eleita(o) em encontro convocado para este fim;
XVI - 01 (uma ou um) representante do segmento cultural de Música, eleita(o) em encontro convocado para este fim;

Parágrafo único - Os representantes listados nos itens VI ao XVI são obrigatoriamente, oriundos das respectivas Câmaras Setoriais. (O grifo é meu.)

Ponto.
Nada, na Lei do Conselho Municipal de Cultura, nem no Regimento Interno do Conselho, diz que a escolha dos conselheiros tem de ser assim, com esse funil. E uma tentativa de "qualificar" a escolha dos conselheiros foi derrubada na Conferência. Por uma razão simples: a desculpa que o processo eleitoral deve se adequar à formula nacional / estadual não se sustenta. Os delegados setoriais naquelas instâncias reúnem representantes eleitos em Conferências municipais /estaduais. Nos municípios, devem fazer parte todos os que, de fato, fazem cultura.
E este funil para eleger os membros de um Conselho MUNICIPAL (assim mesmo sr. revisor, em caixa alta mais uma vez – obrigado) de Cultura é, no mínimo, excessivamente bur(r)ocrático. Os critérios para ser eleitor e candidato, por si só, deveriam ser suficientes, não é?
A menos que a ideia seja afastar o máximo possível de pessoas interessadas em participar das decisões sobre a cultura em Niterói.
Será isso?

- Razão 2 – "As normas adotadas evitam que candidatos a conselheiro se elejam com o voto de cabresto de dezenas de pessoas levadas só para votar."

Isto faz sentido, dado o indignado testemunho do jornalista Fernando Paulino sobre a Conferência Municipal de Cultura, no Liceu Nilo Peçanha: dezenas de pessoas chegando de vans para se credenciar e participar. A seguir, trecho da esculhambação de Fernando Paulino:

Já na manhã do sábado, dia 3, ativistas culturais tradicionais da cidade se surpreenderam com a movimentação de vans à porta do Liceu Nilo Peçanha, local do evento, despejando dezenas de pessoas oriundas de uma mesma região de Niterói, para o credenciamento.
Um jornalista de A Tribuna chegou minutos após às 14h e foi impedido de se credenciar, já que o horário final de credenciamento estabelecia precisamente às 14h. Chateado com a situação, olhou ao redor e observou que algumas pessoas estavam chegando e conseguiram o crachá de delegados. Indignado, aguçou seu faro jornalístico e foi conversar com as pessoas:
- A van atrasou; só deu pra chegar agora. Mas a gente tá aqui pela vereadora; não tem problema. É 50 pratas por cabeça, resumiu um delegado da conferência, que chegou de van depois das 14h.

Depois, mudanças de ordem de pauta no último dia da Conferência.
Para quem não se lembra, seria assim:

1- Discussão e aprovação dos relatórios dos Grupos Setoriais;
2- Discussão e aprovação dos relatórios dos Eixos Temáticos; e
3- Eleição dos delegados para a Conferência Estadual e da Comissão Eleitoral para o Conselho Municipal de Cultura.

O que aconteceu foi exatamente o contrário:

1- Eleição dos delegados para a Conferência Estadual e da Comissão Eleitoral para o Conselho Municipal de Cultura – cortesia, segundo o indignado Fernando Paulino, de " um conchavo que envolvia os grupos de dois vereadores e a cúpula da Secretaria Municipal de Cultura";
2- Discussão e aprovação dos relatórios dos Eixos Temáticos – cortesia de proposta insistente de um dos atuais membros da Comissão Eleitoral, que insistia porque insistia que era mais importante mandar as propostas para a Conferência Estadual e para Brasília; e
3- Discussão e aprovação dos relatórios dos Grupos Setoriais – que NÃO HOUVE, POR FALTA DE TEMPO, que foi gasto justamente nos Eixos Temáticos.

E pronto: surgiu mais um argumento para a adoção desta regulação afunilada.
O único problema é que é uma emenda pior do que o soneto. Não se sabe se isso realmente vai barrar os rebanhos de votos de cabresto para a eleição. Mas, com certeza, bate a porta na cara de quem gosta e se interessa por cultura e está começando a militar na área ligeiramente chata da política cultural (porque está consciente de que não quer que decidam por ele), mas não tem a... como é mesmo a palavra da moda na cultura de Niterói? expertise devida.

O que nos leva à terceira razão oficial:

- Razão 3 – "Com as normas e requisitos adotados, só poderão ser eleitos para as Câmaras Setoriais e para o Conselho pessoas verdadeiramente qualificadas e com verdadeira expertise na área cultural, para decidir uma legítima política cultural para a cidade de Niterói."

Bem, os requisitos para concorrer ao Conselho parecem bem amplos. Para ser eleitor e candidato, o cidadão precisa de:

- Currículo que comprove que tenha atuação com a área relacionada à Câmara Setorial pleiteada.
- Documento que comprove que é estudante de área relacionada à Câmara Setorial pleiteada.
- Diploma ou registro profissional que comprove que tenha atuação com a área relacionada à Câmara Setorial pleiteada.
- Documento expedido por entidade cultural ou associação de moradores que comprove que tenha atuação com a área relacionada à Câmara Setorial pleiteada.
- Carteira de filiação ou documento expedido por grupo/movimento cultural que comprove que tenha atuação com a área relacionada à Câmara Setorial pleiteada.

Na prática, ficam algumas perguntas que não quer calar.
Quem efetivamente milita na cultura, quer participar das decisões sobre ela em Niterói, e não tem nenhuma das exigências acima?
E quem tem atuação que todo mundo sabe que existe, mas não tem currículo, nem registro profissional, porque nunca precisou de nenhuma das duas coisas?
E quem é estudante de uma área cultural, mas a escola ou faculdade não quiser dar um documento que comprove isso?
E se o cidadão efetivamente atua com cultura em seu bairro ou comunidade, mas não é ligado ou filiado a nenhuma entidade cultural (tipo assim, o Campus Avançado), e não é muito bem quisto pelos dirigentes da associação de moradores, que por isso mesmo, pode lhe negar um documento?
Eles que se ESADOF (leia de trás pra diante)?
Mesmo quem tem um ou mais destes requisitos, tem de passar pelos plenos poderes da Comissão Eleitoral. Leia

Art.7° - A Comissão Eleitoral se reunirá para: validar as inscrições dos eleitores e dos eleitores candidatos ao processo eleitoral do Conselho Municipal de Cultura de Niterói; e julgar os eventuais posteriores recursos.

Ou seja: tal qual a antiga Comissão de Verificação de Poderes do Congresso Nacional, nos tempos da República Velha – que tinha todos os poderes para reconhecer a eleição de um deputado ou senador... ou recusar o reconhecimento, se fosse de oposição (ou de interesse do governo em que certos parlamentares não fossem empossados), a Comissão Eleitoral tem todos os poderes para aceitar a inscrição de um eleitor ou eleitor candidato... ou recusá-la, se decidir que ele não tem... como é mesmo a palavrinha?... expertise necessária... ou for do interesse desta que tal (tais) eleitor(es) candidato(s) não participem do processo eleitoral.
Olha, para fim de conversa, como diria o ilustre jornalista Ancelmo Gois: expertise é o cacete!
A palavra que querem adotar, mas não querem para não parecer o que são – elitizados – é: dotados de "notório saber" na cultura – uma expressão que vale muito na academia, mas sem sentido fora dela. Pois fora dela, quer dizer isso: quem pertence ao grupo dominante (ou que quer ser dominante), é que tem "notório saber. Assim como a elite agrária do tempo imperial, que era "o que há de melhor e de mais representativosó por ter terras, escravos e dinheiro.
E, por grupo dominante, entenda-se: o grupo que atualmente está lá na Secretaria Municipal de Cultura de Niterói – um grupo que se propunha a fazer algo diferente das gestões anteriores na área cultural, mas que acabou fazendo igual – deixando de fora quem não pertence ao seu grupinho. Tipo assim, ONGs inoperantes, ligadas ao grupo dos atuais dirigentes da Cultura em Niterói. (Sabia que uma delas, até hoje, comete o raro esquecimento de fazer algo muito desimportante para ela – prestar contas dos recursos que recebeu do poder público para atividades de difusão, como cursos... que até hoje não se sabe se os realizaram?)
Pior: compondo-se com quem fez as gestões anteriores.
Tipo assim, o presidente da FAN, que já foi Secretário de Cultura, e que entre suas façanhas, encontra-se a entrega da Cantareira ao grupo privado da Barcas S.A., para fazer um hotel. (Pensa que, com a mudança de controle acionário para CCR, eles desistiram? Não: o antigo grupo controlador teve a esperteza de passar a Cantareira para eles, tirando-o da CCR Barcas S.A.).
Tipo assim, o atual presidente do Grupo Executivo do Caminho Niemeyer, obcecado em implantar em Niterói um restaurante panorâmico (dos bem caros, para a elite), e quer uma nova chance de fazer isso com a privatização do Centro Petrobras de Cinema.
Para manter esse estado de coisas, pra que abrir o acesso de todos os que se interessam por Cultura ao Conselho Municipal de Cultura, se o melhor é adotar a mandioca restritiva dos Bonifácios de Andrada, para que só seja eleito "o que há de melhor e de mais representativo" na Cultura em Niterói – isto é, eles e seus apaniguados?
E o que faremos, caro amigo?
Viramos para a parede, para que não plantem em nós esta incômoda mandioca?
Ou cortamos fora esta incômoda mandioca que querem nos dar?

Abraços,
JOAQUIM CAMARÃO 


Caramba!... Além de falar mais do que papagaio na areia quente, Joaquim está, como diria vovó, cuspindo marimbondos...
"E você, Antonio? Concorda ou discorda do que ele diz?", me perguntará você.
E eu responderei bem assim:
"Eu? Por enquanto, me inclua fora dessa..."
Pelo menos, até tentar entender uma ou duas coisas.
Por exemplo: que história é essa de "ONGs inoperantes, ligadas ao grupo dos atuais dirigentes da Cultura em Niterói", que "cometem o raro esquecimento de prestar contas dos recursos que recebeu do poder público para atividades de difusão, que até hoje não se sabe se os realizaram?"
Tive de escrever novamente para Joaquim, pedindo que desse nomes aos bois.
A resposta:

----- Mensagem encaminhada -----
De: Joaquim Camarão 
Para: Antonio Paiva Filho 
Enviada: Quinta-feira, 12 de Setembro de 2013 10:09
Assunto: Re: Re: A INCÔMODA MANDIOCA QUE NOS DERAM


Ora, Antonio... faça-me o favor: procure bem e procure direito, que eu não sou a pomba Baca para dar assim a minha cara à tapa, como você fez quando saiu um certo concurso de roteiros que você questionou, e que por isso passou os quatro anos seguintes sendo aterrorizado pelo seu empresário criador com esculhambações e ameaças de processos judiciais. Lembra-se?

(A pomba Baca - note que trocadilho bem sugestivo - é um personagem do livro de humor A história de Cândido Urbano Urubu, de Carlos Eduardo Novaes - que, aliás anda sumido; o que será que ele está fazendo da vida?)

Lembrei. Tá legal, não está mais aqui quem perguntou.
Mas como não tenho meios para apurar isso, deixo para quem quiser comentar e verificar.