Desta vez, o assunto dele é outro. Ou melhor, são dois: a Conferência Municipal de Cultura, que ocorreu no início de agosto; e o processo eleitoral para o Conselho Municipal de Cultura, que ocorrerá em outubro.
(Antes que me perguntem quem é Joaquim Camarão, já respondo logo: NÃO SEI. Não o conheço pessoalmente. Tanto que, embora eu tenha participado da Conferência - e, pela autoridade com que ele fala, também deve ter participado -, não saberia reconhecê-lo - não só pelo grande número de pessoas que dela participaram ,mas porque ele, sabe-se lá por que, prefere se manter incógnito.)
Bem, lá vai. Paciência, que o texto (com direito a uma epígrafe meio safadinha, porém ilustre) é longo.
----- Mensagem encaminhada -----
De: Joaquim Camarão
Para: Antonio Paiva Filho
Enviada: Quinta-feira, 12 de Setembro de 2013 10:09
Assunto: A INCÔMODA MANDIOCA QUE NOS DERAM
Só vejo um remédio para me moralizar –
cortar a incômoda mandioca que Deus me deu!
(Oswald de Andrade – Serafim Ponte Grande, 1933)
Recordar é viver, já dizia vovó.
Ainda mais quando recordamos História.
Quem estudou História do Brasil
lembra-se da "planejada mudança" (leia-se fuga desabalada) da corte
portuguesa para o Brasil, em 1808, para fugir de Napoleão Bonaparte. (O próprio
general corso diria mais tarde, em suas memórias, que D. João VI foi o único
dos soberanos europeus que lhe passou a perna.)
Aqui, D. João foi coroado rei do Reino
Unido de Portugal, Brasil e Algarves, em 1816. E aqui ficaria pelo resto de seu
reinado, se os portugueses lá de Portugal não se encrespassem e fizessem a
Revolução Liberal do Porto, em 1820, exigindo a sua
volta para Lisboa, reabrindo as Cortes (o parlamento) e preparando uma
Constituição. Para isso – e para legislar dentro da monarquia constitucional
que Portugal se tornaria – foram convocadas eleições para os novos deputados
das Cortes – inclusive no Brasil..
Eleição direta?
Não, porque isso metia medo nas elites aristocráticas locais, historicamente
com medo da "patuléia", da "choldra", da
"canalha", do "zé povinho"...
A eleição dos
deputados foi assim, de modo indireto:
ELEIÇÕES GERAIS NO BRASIL
EM 1821 (*)
(*) Para as Cortes
Constituintes, em Lisboa – Brasil ainda era parte do Reino Unido de Portugal,
Brasil e Algarves)
POVO
(inclusive
os analfabetos)
|
|||||||||
1º
grau
|
|||||||||
COMPROMISSÁRIOS
|
|||||||||
2º
grau
|
|||||||||
ELEITORES
DE PARÓQUIA
|
|||||||||
3º
grau
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|||||||||
ELEITORES
DE COMARCA
(reúnem-se
na capital da província)
|
|||||||||
4º
grau
|
|||||||||
DEPUTADOS
(1
para cada 30 mil habitantes)
|
(Fonte:
ALENCAR, Francisco; CARPI, Lúcia; e RIBEIRO, Marcus Venício. História da Sociedade Brasileira. Rio de
Janeiro, Ao Livro Técnico, 1979, pág. 102.)
Passou-se um tempinho – tempinho
bem agitado, com as Cortes portuguesas querendo a todo custo recolonizar o
Brasil (e como diria o Ancelmo Gois da época: "Reino Unido de Portugal,
Brasil e Algarves é o cacete!") – e o Brasil se tornou independente, como
monarquia constitucional (o Império) e o príncipe D. Pedro aclamado como D.
Pedro I, Imperador do Brasil.
E, para variar um pouquinho, a
elite agrária brasileira continua com medo e nojo do populacho e de sua
participação na política – área que, segundo eles, só as pessoas "de
bem", "preparadas" (leia-se: a elite agrária), poderiam exercer.
Daí, a proposta de Constituição
para o Império, com (adivinhem só!) eleições indiretas, pelo voto censitário –
isto é, só votam e são votados quem recebe certa renda anual – conhecida como a
Constituição da Mandioca:
DO PROJETO DE CONSTITUIÇÃO
PARA O IMPÉRIO DO BRASIL
(Dita Constituição da Mandioca) - 1823
VOTO CENSITÁRIO
(não-universal e de acordo
com a renda do eleitor)
ELEITOR
DE 1º GRAU
Precisaria
ter renda líquida anual correspondente ao valor de 150 alqueires de mandioca,
"provenientes de bens de raiz, comércio, indústrias ou artes".
|
|||||||
ELEITOR
DE 2º GRAU
Precisaria
ter renda líquida anual correspondente ao valor de 250 alqueires de mandioca.
|
|||||||
DEPUTADO
Precisaria
ter renda líquida anual correspondente ao valor de 500 alqueires de mandioca
|
SENADOR
Precisaria
ter renda líquida anual correspondente ao valor de 1000 alqueires de mandioca
|
(Fonte: ALENCAR, Francisco; CARPI, Lúcia; e RIBEIRO, Marcus Venício. História da Sociedade Brasileira. Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico, 1979)
O problema é que D.Pedro I não
gostou dos outros detalhes do projeto constitucional. Não porque queria uma
Constitucional "digna do Brasil e de si" – o que foi invenção de José
Bonifácio, depois que foi demitido do Ministério:
No dia 3 de maio de 1823, a Assembleia
Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil iniciou sua legislatura
com o intento de realizar a primeira Constituição Política do país. No mesmo
dia, D. Pedro I discursou para os deputados reunidos, deixando clara a razão de
ter afirmado durante sua coroação no final do ano anterior que a Constituição
deveria ser digna do Brasil e de si (frase esta que fora ideia de José
Bonifácio e não do Imperador):
"Como Imperador Constitucional, e mui
especialmente como Defensor Perpétuo deste Império, disse ao povo no dia 1 de
dezembro do ano próximo passado, em que fui coroado e sagrado – que com a minha
espada defenderia a Pátria, Nação e a Constituição, se fosse digna do Brasil e
de mim…, uma Constituição em que os três poderes sejam bem divididos… uma
Constituição que, pondo barreiras inacessíveis ao despotismo quer real,
aristocrático, quer democrático, afugente a anarquia e plante a árvore da
liberdade a cuja sombra deve crescer a união, tranquilidade e independência
deste Império, que será o assombro do mundo novo e velho.
Todas as Constituições, que à maneira de 1791
e 1792 têm estabelecido suas bases, e se têm querido organizar, a experiência
nos tem mostrado que são totalmente teóricas e metafísicas, e por isso
inexequíveis: assim o prova a França, a Espanha e, ultimamente, Portugal.
Elas não tem feito, como deviam, a felicidade geral, mas sim, depois de uma
licenciosa liberdade, vemos que em uns países já aparecem, e em outros ainda
não tarda a aparecer, o despotismo em um, depois de ter sido exercido por
muitos, sendo consequência necessária ficarem os povos reduzidos à triste
situação de presenciarem e sofrerem todos os horrores da anarquia."
D. Pedro lembrou aos deputados em
seu discurso que a Constituição deveria impedir eventuais abusos não somente
por parte do monarca, mas também por parte da classe política e da própria
população. Para tanto, seria necessário evitar implantar no país leis que na prática
seriam desrespeitadas. A Assembleia num primeiro momento se prontificou a
aceitar o pedido do Imperador, mas alguns deputados se sentiram
incomodados com o discurso de D. Pedro.
Um deles, o
deputado por Pernambuco Andrade
de Lima, manifestou claramente seu descontentamento,
alegando que a frase do monarca fora por demais ambígua. Os deputados que se
encontravam na Constituinte eram em sua grande maioria liberais moderados, reunindo
"o que havia de melhor e de mais representativo no Brasil". Foram eleitos de maneira indireta e por
voto censitário e não pertenciam a partidos,
que ainda não existiam no país.
(Da Wikipedia – verbete sobre D. Pedro I do Brasil e D. Pedro IV de Portugal
- http://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_I_do_Brasil)
O pau comeu entre o Imperador e a
Assembleia, que acabou sendo dissolvida, na chamada Noite da Agonia, em 12 de
novembro de 1823. Depois disso, D. Pedro I encarregou o
Conselho de Estado – um "conselho
de notáveis" formado por juristas renomados, sendo todos
brasileiros natos – de redigir um novo projeto de Constituição, que seria
outorgada em 25 de março de 1824 aquela mesmo, em que o Imperador, monarca
constitucional, tinha um poder acima dos três poderes conhecidos (Legislativo,
Executivo e Judiciário): o Poder Moderador, com o qual o monarca, na prática,
reinava, governava e administrava.
Mais uma vez, o elitismo se fez
presente no processo eleitoral, com voto censitário e tudo. Mas desta vez, a
mandioca ficou de fora.
DA CONSTITUIÇÃO IMPERIAL
(Outorgada por D.Pedro I) -
1824
VOTO CENSITÁRIO
(não-universal e de acordo
com a renda do eleitor)
ELEITOR
DE 1º GRAU
Precisaria
ter renda líquida anual de 100$000, "provenientes de bens de raiz,
comércio, indústrias ou artes".
|
|||||||
ELEITOR
DE 2º GRAU
Precisaria
ter renda líquida anual de 200$000.
|
|||||||
DEPUTADO
Precisaria
ter renda líquida anual de 400$000.
|
SENADOR
(Vitalício
– nomeado pelo Imperador)
Precisaria
ter renda líquida anual de 800$000
|
(Fonte: ALENCAR, Francisco; CARPI, Lúcia; e RIBEIRO, Marcus Venício. História da Sociedade Brasileira. Rio de Janeiro, Ao Livro Técnico, 1979)
Foi esta a Constituição que
vigorou durante o Império. E foi contra ela que os republicanos se voltaram,
nas últimas décadas do século XIX. Quando a República foi instalada, em 1889
(melhor dizendo, a primeira das Repúblicas brasileiras), a nova Constituição
republicana, promulgada em 1891, finalmente instaurou o voto direto universal.
Claro, esse voto ainda era masculino
e, na Primeira República (dita "República dos fazendeiros" ou
"República Velha" – 1891 a 1930) passou por coronéis, cabrestos ,e
Comissões de Verificação de Poderes... Mas era um voto universal, que não se
limitava a meia-dúzia-de-três-ou-quatro privilegiados. (Não é a toa que
Laurentino Gomes, autor de 1808, 1822 e 1889, disse em entrevista à revista História Viva que a República foi verdadeiramente proclamada em
1984, anos das Diretas Já.)
Claro, você vai me perguntar: por
que essa longa aula de História? E o que isto tem a ver com a eleição do novo
conselho Municipal de Cultura?
Simples. É que, até hoje, sempre
tem gente que ainda acha que só uma minoria privilegiada, "preparada"
(SIC) ou mesmo "predestinada" (SIC, de novo) pode tomar decisões pelo
conjunto de uma sociedade, sem precisar consulta-la ou convencê-la. Os tucanos,
que o digam. O atual governador do Rio de Janeiro, em fim de mandato e abusando
da truculência policial, idem.
E a Comissão Eleitoral,
encarregada do processo de eleição do novo Conselho Municipal de Cultura – ou
melhor, dizendo, uma parte dela – também.
Explica-se: no último dia 6 de
setembro, foi publicado o decreto com as regras para a eleição dos novos
conselheiros. Observem as regras, e vocês verão que o espírito da mandioca
elitista e restritiva dos Bonifácios baixou nele:
(Fonte: blog do site da Secretaria Municipal de Cultura)
Inscrições:
ELEITOR
Maiores de 18 anos que:
- nasceram; e/ou
- trabalham; e/ou
- morem; e/ou
- estudem
na cidade de Niterói.
|
ELEITOR CANDIDATO
Maiores de 18 anos que:
|
|||||||||||
- nasceram e/ou
|
na cidade de Niterói
|
|||||||||||
- trabalham e/ou
|
||||||||||||
- morem e/ou
|
||||||||||||
- estudem e/ou
|
||||||||||||
que apresentem:
|
||||||||||||
- Currículo
|
da área (ou que comprove atuação na
área) relacionada à Câmara Setorial pretendida
|
|||||||||||
- Documento de estudante
|
||||||||||||
- Diploma ou registro profissional
|
||||||||||||
- Documento expedido por entidade
cultural ou associação de moradores
|
||||||||||||
- Carteira de filiação ou documento
expedido por grupo / movimento cultural
|
||||||||||||
Em cada Câmara Setorial:
|
||||||||||||
ELEITORES
e ELEITORES CANDIDATOS
(Desde
que homologados / aceitos pela Comissão Eleitoral, que atuará sem limitações)
|
||||||||||||
elegem
40 MEMBROS
|
||||||||||||
que
elegem entre eles
20 MEMBROS TITULARES e 20 MEMBROS
SUPLENTES
|
||||||||||||
que
elegem entre eles
1
CONSELHEIRO TITULAR e 1 SUPLENTE DE CONSELHEIRO
|
(Fonte: blog do site da Secretaria Municipal de Cultura)
Aí, vocês se perguntarão quais as
justificativas deste funil neomonárquico para a eleição dos conselheiros da
sociedade no Conselho Municipal de Cultura?
Depende. Você quer as razões
oficiais ou as que achamos que são verdadeiras? Ah, as duas? Então lá vai.
Primeiro, as oficiais – embora,
com um pouco de tempo para raciocinar, não se sustentem muito:
- Razão 1 – "Como são
as Câmaras Setoriais que elegem os conselheiros, é muito importante (aliás,
obrigatório) que elas adotem a mesma metodologia de eleição do Conselho
Nacional de Política Cultural."
Bom. Vamos ver a estrutura do Conselho Nacional de Política Cultural.
Ele se compõe de:
I – Plenário, composto por:
a) O Ministro da Cultura;
b) dezesseis representantes do
poder público sendo:
- seis representantes do MinC;
- um representante da Casa Civil
da Presidência da República;
- um representante do Ministério
da Ciência e Tecnologia;
- um representante membro do
Ministério das Cidades;
- um representante do Ministério
do Desenvolvimento Social e Combate à Fome;
- um representante do Ministério
da Educação;
- um representante do Ministério
do Meio Ambiente;
- um representante do Ministério
do Planejamento, Orçamento e Gestão;
- um representante do Ministério
do Turismo;
- um representante da
Secretaria-Geral da Presidência da República;
- um representante do Ministério
das Comunicações;
- um representante do Ministério
do Trabalho e Emprego;
- um representante do Ministério
das Relações Exteriores; e
- um representante da Secretaria
de Comunicação Social da Presidência da República da República
c) quatro representantes do Poder
Público dos Estados e Distrito Federal, sendo três indicados pelo Fórum
Nacional de Secretários Estaduais de Cultura e um pelo Fórum Nacional dos
Conselhos Estaduais de Cultura;
d) quatro representantes do Poder
Público municipal, indicados, dentre dirigentes da área de cultura,
respectivamente, pela Associação Brasileira de Municípios, Confederação
Nacional de Municípios, Frente Nacional dos Prefeitos e Fórum dos Secretários
das Capitais;
e) um representante do Fórum
Nacional do Sistema S (SESI, SENAI, SESC, SENAC etc.);
f) um representante das entidades
ou das organizações não-governamentais que desenvolvem projetos de inclusão
social por intermédio da cultura; e
g) – treze representantes das
áreas técnico-artísticas, indicados pelos membros da sociedade civil
nos colegiados setoriais afins ou, na ausência destes, por escolha do
Ministro de Estado da Cultura, nos termos do Decreto 5.520/2005, nas seguintes
áreas:
- artes visuais;
- música popular;
- música erudita;
- teatro;
- dança;
- circo;
- audiovisual;
- literatura, livro e leitura;
- arte digital;
- arquitetura e urbanismo;
- design;
- artesanato; e
- moda (área que causou tanta celeuma recentemente, ao ganhar do MinC
incentivo de R$ 2,8 milhões para dois estilistas realizarem desfiles... em
Paris... Mas isso é outro assunto).
h) – sete representantes da área
de patrimônio cultural, indicados pelos membros da sociedade civil,
nos colegiados setoriais afins ou, na ausência destes, por escolha do
Ministro de Estado da Cultura, nos termos do Decreto 5.520/2005, sendo:
- culturas afro-brasileiras;
- culturas de povos indígenas;
- culturas populares;
- arquivos;
- museus;
- patrimônio material;
- patrimônio imaterial.
i) três personalidades com
comprovado notório saber na área cultural, de livre escolha do Ministro de
Estado da Cultura;
j) um representante de entidades
de pesquisa na área de cultura, a ser definido em sistema de rodízio ou
sorteio, pelas associações nacionais de antropologia, ciências sociais,
comunicação, filosofia, literatura comparada e história;
k) um representante do Grupo de
Institutos, Fundações e Empresas – GIFE;
l) um representante da Associação
Nacional das Entidades Culturais Não-Lucrativas – ANEC;
m) um representante da Associação
Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior – ANDIFES;
n) um representante do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro – IHGB; e
o) um representante da Sociedade
Brasileira para o Progresso da Ciência – SBPC.
Ou seja, dos 55 membros do CNPC
com direito a voto, apenas 20 são eleitos pelos colegiados setoriais da
sociedade civil. E se esses não se mexerem, acabam indicados pelo caprichoso
dedo do(a) Ministro(a) da Cultura.
II - Comitê de Integração de
Políticas Culturais, composto pelos titulares das secretarias, das autarquias e
das fundações vinculadas ao Ministério da Cultura;
III - Colegiados Setoriais, compostos
por:
a) cinco representantes do Poder
Público, escolhidos dentre técnicos e especialistas indicados pelo Ministério
da Cultura e/ou pelos órgãos estaduais, distritais e municipais relacionados ao
setor; e
b) quinze representantes da
sociedade civil organizada.
sendo que, de acordo com o
Regimento Interno;
§ 1º As indicações e escolhas dos representantes citados nos incisos I
e II deste artigo observarão, quando couber, normas publicadas pelo Ministério
da Cultura
e
§ 2º A representação da sociedade civil deverá contemplar as cinco
macrorregiões administrativas e os segmentos artísticos e culturais definidos
nos Regimentos Internos dos respectivos Colegiados Setoriais.
IV -Comissões temáticas e grupos
de trabalho; e
V - Conferência Nacional de
Cultura, "constituída por
representantes da sociedade civil, indicados em Conferências Estaduais, na
Conferência Distrital, em Conferências Municipais ou Intermunicipais de Cultura
e em Pré-Conferências Setoriais de Cultura, e por representantes do Poder
Público dos entes federados, em observância ao disposto no regimento próprio da
Conferência, a ser aprovado pelo Plenário do CNPC."
Agora, vamos ao Regimento Interno da Conferência Nacional de Cultura. Diz o dito cujo:
"Art. 21 A realização das Conferências Municipais e/ou
Intermunicipais é condição indispensável para participação de delegados na
Conferência Estadual e/ou Regional."
(...)
Art. 22 Cada Conferência Municipal ou Intermunicipal terá direito ao
máximo de 25
(vinte e cinco) delegados para a Conferência Regional/Territorial ou
Estadual.
Art. 23 Para que a Conferência Municipal ou Intermunicipal seja válida
para a etapa regional, estadual e perante a 3ª Conferência Nacional de Cultura
será necessária a comprovação de quorum mínimo de 25 (vinte e cinco)
participantes, com representação da sociedade civil e da área governamental.
(...)
Art. 27 As Conferências Estaduais poderão ser realizadas em uma única
etapa - com a realização da Plenária Estadual - ou em duas etapas – com a
realização de Conferências Regionais/Territoriais e a Plenária Estadual
constituída por delegados eleitos nessas Conferências.
(...)
§ 6º Nas Conferências Regionais/Territoriais será considerado, para
efeito de validação em cada uma delas, o quorum mínimo de 25 (vinte e cinco)
participantes, com representação da sociedade civil e da área governamental.
§ 7º A eleição dos delegados nas Conferências Regionais/Territoriais
para a Conferência Estadual deverá seguir os critérios de proporcionalidade estabelecidos
pelo Poder Executivo Estadual e indicados no Regimento da Conferência Estadual.
§ 8º Nas Conferências Regionais/Territoriais, o número total de
delegados natos não poderá ser superior a 15% do total de delegados eleitos.
§ 9º Nos Estados em que se realizarem Conferências
Regionais/Territoriais será considerada a soma total dos delegados
participantes dessas Conferências para a definição do número de delegados a
serem eleitos na Conferência Estadual para a Plenária da 3ª Conferência
Nacional de Cultura.
(...)
Art. 31 A realização da Conferência Estadual de Cultura e do Distrito
Federal é condição indispensável para a participação de delegados estaduais e
distritais na Plenária da 3ª Conferência Nacional de Cultura.
(...)
Art. 35 Cada Estado e o Distrito Federal terão direito ao máximo de 50
(cinquenta) delegados para a 3ª Conferência Nacional, devendo ser respeitada a
proporcionalidade e a representatividade dispostas no §3º do art. 18 deste
Regimento.
Art. 36 Para que as Conferências Estaduais e a do Distrito Federal
sejam válidas para a 3ª Conferência Nacional de Cultura, será necessária a
comprovação de quorum mínimo de 50 (cinquenta) delegados, representantes da
Sociedade Civil e da área governamental, eleitos nas conferências municipais, intermunicipais
e/ou regionais/territoriais.
§ 1º Com o objetivo de uniformizar os critérios para a eleição de
delegados nas conferências estaduais para a Plenária da 3ª Conferência
Nacional, é obrigatória a aplicação do percentual indicado no anexo III.
Esse aqui:
Conferência
Municipal/Intermunicipal
Quantitativo de Participantes
|
Número de Delegados para a Conferência
Estadual
|
De 25 a 500
|
5% do número de
participantes
|
Acima de 500
|
25 Delegados
|
§ 2º Nas Conferências
Estaduais, o número total de delegados natos não poderá ser superior a 15% do
total de delegados eleitos.
(...)
Art. 40 Serão
delegados setoriais os membros titulares, representantes das linguagens e
expressões culturais constituídas em Colegiados Setoriais, integrantes da
estrutura do Conselho Nacional de Política Cultural – CNPC.
Art. 41 Cada Colegiado
Setorial constituído, conforme o §4º do art. 18, terá assegurado a participação
de até 20 (vinte) delegados no Plenário da 3ª Conferência Nacional de Cultura,
respeitada a representatividade das cinco regiões do País, sendo até 15
(quinze)
representantes da
sociedade civil e até 5 (cinco) do poder público.
Até aí, tudo bem. Entende-se que
os delegados de uma Conferência Nacional de Cultura e os representantes da
sociedade civil de um Conselho Nacional de Política Cultural sejam escolhidos
por esta peneira – afinal, é um Conselho NACIONAL (assim mesmo sr. revisor, em
caixa alta – obrigado) de Cultura do Brasil – país de 8.515.767,049
km² e mais de 200 milhões de habitantes.
O problema é que estamos elegendo
um Conselho MUNICIPAL (assim mesmo sr. revisor, em caixa alta de novo –
obrigado), de uma cidade de 129,3 km²
e 487 327 habitantes,
chamada Niterói. Mais especificamente, os representantes da sociedade civil.
Sim, por que o Conselho Municipal
de Cultura de Niterói se compõe assim:
5º - O Conselho compõe-se de 16 (dezesseis) membros, conforme a seguir
relacionados:
I - O Secretário ou Secretária Municipal de Cultura, membro nato;
II - 01 (uma ou um) representante da Secretaria Municipal de Cultura,
indicada(o) pelo titular da pasta;
III - 01 (uma ou um) representante da Secretaria Municipal de Educação,
indicada(o) pelo titular da pasta;
IV - 01 (uma ou um) representante da Secretaria Municipal de Meio
Ambiente e Recursos Hídricos, indicada(o) pelo titular da pasta;
V - 01 (uma ou um) representante da Câmara Municipal de Niterói,
indicada(o) por sua Comissão de Educação e Cultura;
VI - 01 (uma ou um) representante dos produtores culturais, eleita(o)
em encontro convocado para este fim;
VII - 01 (uma ou um) representante das Instituições de Ensino superior
sediadas em Niterói, eleita(o) em encontro convocado para este fim;
VIII - 01 (uma ou um) representante dos serviços de radiodifusão,
regulares e comunitários, sediados no município, eleita(o) em encontro
convocado para este fim;
IX - 01 (uma ou um) representante do setor empresarial cultural e dos
equipamentos locais de cultura, eleita(o) em encontro convocado para este fim;
X - 01 (uma ou um) representante dos movimentos sociais, eleita(o) em
encontro convocado para este fim;
XI - 01 (uma ou um) representante do segmento cultural de Artes
Cênicas, eleita(o) em encontro convocado para este fim;
XII - 01 (uma ou um) representante do segmento cultural de Artes
Plásticas, eleita(o) em encontro convocado para este fim;
XIII - 01 (uma ou um) representante do segmento cultural de Cinema e
Vídeo, eleita(o) em encontro convocado para este fim;
XIV - 01 (uma ou um) representante do segmento cultural de Dança,
eleita(o) em encontro convocado para este fim;
XV - 01 (uma ou um) representante do segmento cultural de Livro e
Leitura, eleita(o) em encontro convocado para este fim;
XVI - 01 (uma ou um) representante do segmento cultural de Música,
eleita(o) em encontro convocado para este fim;
Parágrafo único - Os
representantes listados nos itens VI ao XVI são obrigatoriamente, oriundos das
respectivas Câmaras Setoriais. (O grifo é meu.)
Ponto.
Nada, na Lei do Conselho
Municipal de Cultura, nem no Regimento Interno do Conselho, diz que a escolha
dos conselheiros tem de ser assim, com esse funil. E uma tentativa de "qualificar" a
escolha dos conselheiros foi derrubada na Conferência. Por uma razão simples: a
desculpa que o processo eleitoral deve se adequar à formula nacional /
estadual não se sustenta. Os delegados setoriais naquelas instâncias reúnem
representantes eleitos em Conferências municipais /estaduais. Nos municípios, devem
fazer parte todos os que, de fato, fazem cultura.
E este funil para eleger os
membros de um Conselho MUNICIPAL (assim mesmo sr. revisor, em caixa alta mais
uma vez – obrigado) de Cultura é, no mínimo, excessivamente bur(r)ocrático. Os
critérios para ser eleitor e candidato, por si só, deveriam ser suficientes,
não é?
A menos que a ideia seja afastar
o máximo possível de pessoas interessadas em participar das decisões sobre a
cultura em Niterói.
Será isso?
- Razão 2 – "As normas
adotadas evitam que candidatos a conselheiro se elejam com o voto de cabresto
de dezenas de pessoas levadas só para votar."
Isto faz sentido, dado o
indignado testemunho do jornalista Fernando Paulino sobre a Conferência
Municipal de Cultura, no Liceu Nilo Peçanha: dezenas de pessoas chegando de
vans para se credenciar e participar. A seguir, trecho da esculhambação de
Fernando Paulino:
Já na manhã do sábado, dia 3, ativistas culturais
tradicionais da cidade se surpreenderam com a movimentação de vans à porta do
Liceu Nilo Peçanha, local do evento, despejando dezenas de pessoas oriundas de
uma mesma região de Niterói, para o credenciamento.
Um jornalista de A
Tribuna chegou minutos após às 14h e foi impedido de se credenciar, já que
o horário final de credenciamento estabelecia precisamente às 14h. Chateado com
a situação, olhou ao redor e observou que algumas pessoas estavam chegando e
conseguiram o crachá de delegados. Indignado, aguçou seu faro jornalístico e
foi conversar com as pessoas:
- A van atrasou; só deu pra chegar agora. Mas a gente tá
aqui pela vereadora; não tem problema. É 50 pratas por cabeça, resumiu um
delegado da conferência, que chegou de van depois das 14h.
Depois, mudanças de ordem de
pauta no último dia da Conferência.
Para quem não se lembra, seria assim:
1- Discussão e aprovação dos relatórios dos Grupos
Setoriais;
2- Discussão e aprovação dos relatórios dos Eixos
Temáticos; e
3- Eleição dos delegados para a Conferência
Estadual e da Comissão Eleitoral para o Conselho Municipal de Cultura.
O que aconteceu foi exatamente o contrário:
1- Eleição dos delegados para a Conferência
Estadual e da Comissão Eleitoral para o Conselho Municipal de Cultura –
cortesia, segundo o indignado Fernando Paulino, de " um conchavo que
envolvia os grupos de dois vereadores e a cúpula da Secretaria Municipal de
Cultura";
2- Discussão e aprovação dos relatórios dos Eixos
Temáticos – cortesia de proposta insistente de um dos atuais membros da
Comissão Eleitoral, que insistia porque insistia que era mais importante mandar
as propostas para a Conferência Estadual e para Brasília; e
3- Discussão e aprovação dos relatórios dos Grupos
Setoriais – que NÃO HOUVE, POR FALTA DE TEMPO, que foi gasto justamente nos
Eixos Temáticos.
E pronto: surgiu mais um
argumento para a adoção desta regulação afunilada.
O único problema é que é uma
emenda pior do que o soneto. Não se sabe se isso realmente vai barrar os
rebanhos de votos de cabresto para a eleição. Mas, com certeza, bate a porta na
cara de quem gosta e se interessa por cultura e está começando a militar na
área ligeiramente chata da política cultural (porque está consciente de que não
quer que decidam por ele), mas não tem a... como é mesmo a palavra da moda na
cultura de Niterói? expertise devida.
O que nos leva à terceira razão
oficial:
- Razão 3 – "Com as
normas e requisitos adotados, só poderão ser eleitos para as Câmaras Setoriais
e para o Conselho pessoas verdadeiramente qualificadas e com verdadeira expertise na área cultural, para decidir
uma legítima política cultural para a cidade de Niterói."
Bem, os requisitos para concorrer
ao Conselho parecem bem amplos. Para ser eleitor e candidato, o cidadão precisa
de:
-
Currículo que comprove que tenha atuação com a área relacionada à Câmara
Setorial pleiteada.
-
Documento que comprove que é estudante de área relacionada à Câmara Setorial
pleiteada.
-
Diploma ou registro profissional que comprove que tenha atuação com a área
relacionada à Câmara Setorial pleiteada.
-
Documento expedido por entidade cultural ou associação de moradores que
comprove que tenha atuação com a área relacionada à Câmara Setorial pleiteada.
-
Carteira de filiação ou documento expedido por grupo/movimento cultural que
comprove que tenha atuação com a área relacionada à Câmara Setorial pleiteada.
Na prática, ficam algumas
perguntas que não quer calar.
Quem efetivamente milita na
cultura, quer participar das decisões sobre ela em Niterói, e não tem nenhuma
das exigências acima?
E quem tem atuação que todo mundo
sabe que existe, mas não tem currículo, nem registro profissional, porque nunca
precisou de nenhuma das duas coisas?
E quem é estudante de uma área
cultural, mas a escola ou faculdade não quiser dar um documento que comprove
isso?
E se o cidadão efetivamente atua
com cultura em seu bairro ou comunidade, mas não é ligado ou filiado a nenhuma
entidade cultural (tipo assim, o Campus Avançado), e não é muito bem quisto
pelos dirigentes da associação de moradores, que por isso mesmo, pode lhe negar
um documento?
Eles que se ESADOF (leia de trás pra diante)?
Mesmo quem tem um ou mais destes
requisitos, tem de passar pelos plenos poderes da Comissão Eleitoral. Leia
Art.7° - A Comissão Eleitoral se reunirá para: validar as
inscrições dos eleitores e dos eleitores candidatos ao processo eleitoral do
Conselho Municipal de Cultura de Niterói; e julgar os eventuais posteriores
recursos.
Ou seja: tal qual a antiga
Comissão de Verificação de Poderes do Congresso Nacional, nos tempos da
República Velha – que tinha todos os poderes para reconhecer a eleição de um
deputado ou senador... ou recusar o reconhecimento, se fosse de oposição (ou de
interesse do governo em que certos parlamentares não fossem empossados), a
Comissão Eleitoral tem todos os poderes para aceitar a inscrição de um eleitor
ou eleitor candidato... ou recusá-la, se decidir que ele não tem... como é
mesmo a palavrinha?... expertise
necessária... ou for do interesse desta que tal (tais) eleitor(es) candidato(s)
não participem do processo eleitoral.
Olha, para fim de conversa, como
diria o ilustre jornalista Ancelmo Gois: expertise
é o cacete!
A palavra que querem adotar, mas
não querem para não parecer o que são – elitizados – é: dotados de "notório
saber" na cultura – uma expressão que vale muito na academia, mas sem
sentido fora dela. Pois fora dela, quer dizer isso: quem pertence ao grupo dominante
(ou que quer ser dominante), é que tem "notório saber. Assim como a elite
agrária do tempo imperial, que era "o que há de melhor e de mais representativo" só por ter terras,
escravos e dinheiro.
E, por grupo dominante,
entenda-se: o grupo que atualmente está lá na Secretaria Municipal de Cultura
de Niterói – um grupo que se propunha a fazer algo diferente das gestões anteriores na área cultural, mas que acabou fazendo igual – deixando de fora quem
não pertence ao seu grupinho. Tipo assim, ONGs inoperantes, ligadas ao
grupo dos atuais dirigentes da Cultura em Niterói. (Sabia que uma delas, até
hoje, comete o raro esquecimento de fazer algo muito desimportante para ela –
prestar contas dos recursos que recebeu do poder público para atividades de
difusão, como cursos... que até hoje não se sabe se os realizaram?)
Pior: compondo-se com quem fez as
gestões anteriores.
Tipo assim, o presidente da FAN, que
já foi Secretário de Cultura, e que entre suas façanhas, encontra-se a entrega
da Cantareira ao grupo privado da Barcas S.A., para fazer um hotel. (Pensa que,
com a mudança de controle acionário para CCR, eles desistiram? Não: o antigo
grupo controlador teve a esperteza de passar a Cantareira para eles, tirando-o
da CCR Barcas S.A.).
Tipo assim, o atual presidente do
Grupo Executivo do Caminho Niemeyer, obcecado em implantar em Niterói um
restaurante panorâmico (dos bem caros, para a elite), e quer uma nova chance de
fazer isso com a privatização do Centro Petrobras de Cinema.
Para manter esse estado de coisas,
pra que abrir o acesso de todos os que se interessam por Cultura ao Conselho
Municipal de Cultura, se o melhor é adotar a mandioca restritiva dos Bonifácios
de Andrada, para que só seja eleito "o que há de melhor e de mais representativo"
na Cultura em Niterói – isto é, eles e seus apaniguados?
E o que faremos, caro amigo?
Viramos para a parede, para que
não plantem em nós esta incômoda mandioca?
Ou cortamos fora esta incômoda
mandioca que querem nos dar?
"E você, Antonio? Concorda ou discorda do que ele diz?", me perguntará você.
E eu responderei bem assim:
"Eu? Por enquanto, me inclua fora dessa..."
Pelo menos, até tentar entender uma ou duas coisas.
Por exemplo: que história é essa de "ONGs inoperantes, ligadas ao grupo dos atuais dirigentes da Cultura em Niterói", que "cometem o raro esquecimento de prestar contas dos recursos que recebeu do poder público para atividades de difusão, que até hoje não se sabe se os realizaram?"
Tive de escrever novamente para Joaquim, pedindo que desse nomes aos bois.
A resposta:
----- Mensagem encaminhada -----
De: Joaquim Camarão
Para: Antonio Paiva Filho
Enviada: Quinta-feira, 12 de Setembro de 2013 10:09
Assunto: Re: Re: A INCÔMODA MANDIOCA QUE NOS DERAM