01 agosto, 2013

A PROPÓSITO DA MOSTRA "OSCAR MICHEAUX: O CINEMA NEGRO E A SEGREGAÇÃO RACIAL"

Para registro de quem ainda não sabe (isto é, para quem voltou de Marte ontem, depois de meio século de residência no planeta vermelho):
Está em cartaz nos dois CCBBs deste Sul Maravilha (no CCBB de São Paulo, desde 24 de julho, e vai até 4 de agosto; no CCBB do Rio, estreou no último dia 31 de julho, e vai até 19 de agosto) uma mostra de cinema muito interessante e importante, porque, sem querer querendo (o copyright tinha de ser do Chaves, mesmo...), nos leva a pensar sobre a questão racial - não só nos Estados Unidos, mas aqui mesmo.
A mostra se chama Oscar Micheaux: O cinema negro e a segregação racial, e é uma mostra dos chamados race pictures produzidos e dirigidos por um cidadão chamado Oscar Micheaux (1884-1951 - a sua história está na boa e velha Wikipedia. Antes, uma perguntinha: do you read english?).
Ué, mas eu nem sabia que existia esse cineasta.
Pois é. E aposto que você não sabia que existiam estes race pictures, não é?
Pois é, de novo.
Do final da Guerra Civil americana (1861-1865) até os anos 1960, quando começou a luta pelos direitos civis dos afro americanos, praticamente existiram duas sociedades americanas: a sociedade dos brancos WASP (White Anglo-Saxon Persons), poderosa e dominante, e a sociedade negra, subalternizada e discriminada - mesmo nos estados industrializados do Norte, que iniciaram o movimento pela abolição da escravatura, mas principalmente nos estados agrícolas do Sul. E para cada uma destas sociedades, serviços diferenciados. E indústrias culturais diferenciadas também.
Já ouviu falar dos race records - discos gravados por artistas negros (alguns do quilate de Bessie Smith e Louis Armstrong), destinados somente aos negros?
Pois é, mais uma vez. Então não deveria lhe surpreender que existissem filmes só para negros.
Mas como eu não sou uma das pessoas que conheça a fundo a história de Oscar Micheaux e dos race pictures (e desde já, adiscurpem a minha ingrinorança...), permitam-me que eu transcreva um trecho da introdução de um trabalho acadêmico sobre o tema:

Na História oficial do cinema, exaltam-se as invenções técnicas e narrativas de D. W. Griffith em O Nascimento de Uma Nação (1915), ao mesmo tempo em que se minimiza o racismo patológico com que o filme humilha violentamente os afroamericanos. Não há, contudo, porque separá-los, visto que a indústria cinematográfica dominante, dos brancos, nasceu e se fundamentou a partir do controle das representações sobre a negritude.
O término da Guerra Civil e a Emancipação não trouxeram os Direitos Civis para os escravos libertos, mas sim as leis Jim Crow, que institucionalizam a segregação racial. Assim, desde o fim do século XIX, os negros migraram do Sul rural para o Norte industrial e urbano (e para as fronteiras virgens do Oeste), não apenas para fugir dos linchamentos, dos assassinatos e dos estupros, como também em busca de melhores empregos, de mais liberdades políticas e sociais e de novos espaços públicos e privados de diversão.
Contra o movimento de afro-americanos para os grandes centros urbanos, que ameaçava a hierarquia racial do país e os lugares tradicionalmente restritos aos brancos, o cinema, meio de comunicação de comunicação de massa por excelência do século XX, reagiu. Aproveitando, segundo Jacqueline Najuma Stewart em Migrating to the Movies: Cinema and Black Urban Modernity (2005), as imagens e as personagens racistas já difundidas no meio cultural – pelo show de menestréis, pelo vaudeville, pela literatura, pela propaganda, pelos quadrinhos –, o cinema reforçou os estereótipos e as caricaturas de que os afro-americanos seriam preguiçosos, sujos, ladrões de galinha, naturalmente musicais, bestiais, lascivos e estupradores. O épico de Griffith, portanto, não seria o início, mas a síntese de, pelo menos, noventa anos de representações virulentas contra os negros (já que a personagem Jim Crow surgiu em 1828).
Os afro-americanos, porém, utilizaram a arma dos opressores para contar sua própria versão da História. Em 1913, William Foster lançou o primeiro “race picture”, The Railroad Porter”, em Chicago. Seguiram-se os irmãos Noble e George P. Johnson com os dramas sérios e respeitáveis da Lincoln Motion Picture Company, que visavam a “enobrecer a raça”, e, a partir de 1919, Oscar Micheaux (com The Homesteader), que nos próximos trinta anos, produziu, escreveu, dirigiu e distribuiu mais de quarenta longas-metragens.
Os “race pictures” existiram à margem de Hollywood – ou, melhor, nos subterrâneos da indústria: orçamentos paupérrimos, exibições restritas às salas de cinema segregadas, total desconhecimento do público branco. Devido ao pequeno número de cópias que e à censura que sofriam em cada estado da federação (às vezes, em cada cidade), a maioria dos filmes, seja de Micheaux ou dos outros produtores, não sobreviveram ao tempo. Perderam-se. (...)

Este é um trecho da introdução de A Realização da Ambição do Negro: Oscar Micheaux, Race Pictures e a Grande Migração, monografia de Paulo Ricardo Gonçalves de Almeida, para a sua conclusão do curso de Cinema na UFF. O texto completo da monografia pode ser encontrado na mais recente edição da revista eletrônica Rascunhocriada em 2008 pelos professores do Departamento de Cinema e Vídeo da Universidade Federal Fluminense para divulgar os melhores trabalhos de conclusão de curso dos alunos de graduação. 
Isso não dispensa o amigo leitor de ver os filmes de Oscar Micheaux e de outros cineastas negros ou que, em certas ocasiões, lidaram com a temática do negro em seus filmes.
A programação (no CCBB-RJ) vai abaixo:

Quarta, 31 de julho
15h30 – O Símbolo do Inconquistado (The Symbol of the Unconquered, EUA, 1921) de Oscar Micheaux (P&B, 65 min, 14 anos)
17h30 – Almas do Pecado (Souls of Sin, EUA, 1949), de Powell Lindsay (P&B, 65 min, 14 anos)
19h30 – Milagre no Harlem (Miracle in Harlem, EUA, 1948), de Jack Kemp (P&B, 70 min, 14 anos)

Quinta, 1º de agosto
15h30 – Dentro de Nossas Portas (Within Our Gates, EUA, 1920), de Oscar Micheaux (P&B, 78 min, 16 anos)
17h30 – Sombra da Meia-Noite (Midnight Shadow, EUA, 1939), de George Randol (P&B, 54 min, 14 anos)
19h30 – A Garota no Quarto 20 (A The Girl in Room 20, EUA, 1946) , de Spencer Williams (P&B, 65 min, 14 anos)

Sexta, 2 de agosto
15h30 – Na Sombra de Hollywood: 'Race Movies' e o Nascimento do Cinema Negro (In The Shadow of Hollywood: Race Movies and the Birth of Black Cinema, EUA, 2007), de Brad Osborne (Cor, 59 min, 12 anos)
17h30 – O Exílio (The Exile, EUA, 1931), de Oscar Micheaux (P&B, 93 min, 14 anos)
19h30 – Marchando! (Where's My Man To-Nite? / Marching On!, EUA, 1943), de Spencer Williams (P&B, 83 min, 14 anos)

Sábado, 3 de agosto
15h30 – A Garota de Chicago (The Girl from Chicago, EUA, 1932), de Oscar Micheaux (P&B, 70 min, 14 anos)
17h30 – Milagre no Harlem (Miracle in Harlem, EUA, 1948), de Jack Kemp (P&B, 70 min, 14 anos)
19h30 – Assassinato no Harlem (Murder in Harlem/Lem Hawkins' Confession, EUA, 1935), de Oscar Micheaux (P&B, 94 min, 14 anos)

Domingo, 4 de agosto
15h30 – Submundo (Underworld, EUA, 1937), de Oscar Micheaux (P&B, 95 min, 14 anos)
17h30 – A Garota no Quarto 20 (A The Girl in Room 20, EUA, 1946), de Spencer Williams (P&B, 65 min, 14 anos)
19h30 – Almas do Pecado (Souls of Sin, EUA, 1949), de Powell Lindsay (P&B, 65 min, 14 anos)

Segunda, 5 de agosto
15h30 – Swing! (Swing!, EUA, 1938), de Oscar Micheaux (P&B, 70 min, 14 anos)
17h30 – Marchando! (Where's My Man To-Nite? / Marching On!, EUA, 1943), de Spencer Williams (P&B, 83 min, 14 anos)
19h30 – Sombra da Meia-Noite (Midnight Shadow, EUA, 1939), de George Randol (P&B, 54 min, 14 anos)

Quarta, 7 de agosto (7)
15h30 – Corpo e Alma (Body and Soul, EUA, 1925), de Oscar Micheaux (P&B, 86 min, 16 anos)
17h30 – O Sangue de Jesus (The Blood of Jesus, EUA, 1941), de Spencer Williams (P&B, 65 min, 12 anos)
19h30 – Palestra com Jacqueline Stewart, pesquisadora de cinema, literatura e cultura afro-americanas.

Quinta, 8 de agosto (8)
15h30 – A Garota de Chicago (The Girl from Chicago, EUA, 1932), de Oscar Micheaux (P&B, 70 min, 14 anos)
17h30 – Lua Sobre o Harlem (Moon Over Harlem, EUA, 1939), de Edgar G. Ulmer (P&B, 69 min, 16 anos)
19h30 – Gertie Indecente do Harlem (Dirty Gertie from Harlem, EUA, 1946), de Spencer Williams (P&B, 65 min, 14 anos)

Sexta, 9 de agosto
15h30 – O Símbolo do Inconquistado (The Symbol of the Unconquered, EUA, 1921), de Oscar Micheaux (P&B, 65 min, 14 anos)
17h30 – Os Filhos Adotivos de Deus (God's Step Children, EUA, 1937), de Oscar Micheaux (P&B, 75 min, 16 anos)
19h30 – Imitação da Vida (Imitation of life, EUA, 1934), de John M. Stahl P&B, 111 min, 14 anos)

Sábado, 10 de agosto
15h30 – Swing! (Swing!, EUA, 1938), de Oscar Micheaux (P&B, 70 min, 14 anos)
17h30 – Corpo e Alma (Body and Soul, EUA, 1925), de Oscar Micheaux (P&B, 86 min, 16 anos)
19h30 – Magnólia (Show Boat, EUA, 1936), de James Whale (P&B, 113 min, livre)

Domingo, 11 de agosto
15h30 – Lua Sobre o Harlem (Moon Over Harlem, EUA, 1939), de Edgar G. Ulmer (P&B, 69 min, 16 anos)
17h30 – Os Filhos Adotivos de Deus (God's Step Children, EUA, 1937), de Oscar Micheaux (P&B, 75 min, 16 anos)
19h30 – O Sangue de Jesus (The Blood of Jesus, EUA, 1941), de Spencer Williams (P&B, 65 min, 12 anos)

Segunda, 12 de agosto
15h30 – Gertie Indecente do Harlem (Dirty Gertie from Harlem, EUA, 1946), de Spencer Williams (P&B, 65 min, 14 anos)
17h30 – Assassinato no Harlem (Murder in Harlem/Lem Hawkins' Confession, EUA, 1935), de Oscar Micheaux (P&B, 94 min, 14 anos)
19h30 – Imitação da Vida (Imitation of life, EUA, 1934), de John M. Stahl P&B, 111 min, 14 anos)

Quarta, 14 de agosto
15h30 – Dez Minutos para Viver (Ten Minutes to Live, EUA, 1932), de Oscar Micheaux (P&B, 58 min, 14 anos)
17h30 – Desce, Morte! (Go Down, Death!, EUA, 1944), de Spencer Williams (P&B, 65 min, 14 anos)
19h30 – Aleluia! (Hallelujah!, EUA, 1929), de King Vidor (P&B, 109 min, 14 anos)

Quinta, 15 de agosto
15h30 – Submundo (Underworld, EUA, 1937), de Oscar Micheaux (P&B, 95 min, 14 anos)
17h30 – Juke Joint (Juke Joint, EUA, 1947), de Spencer Williams (P&B, 60 min, 14 anos)
19h30 – Uma Cabana no Céu (Cabin in the Sky, EUA, 1943), de Vincente Minnelli (P&B, 98 min, 14 anos)

Sexta, 16 de agosto
15h30 – O Nascimento de Uma Nação (The Birth of a Nation, EUA, 1915), de D. W. Griffith (P&B, 165 min, 16 anos)
19h30 – Dentro de Nossas Portas (Within Our Gates, EUA, 1920), de Oscar Micheaux (P&B, 78 min, 16 anos)

Sábado, 17 de agosto
15h30 – A Garota de Chicago (The Girl from Chicago, EUA, 1932), de Oscar Micheaux (P&B, 70 min, 14 anos)
17h30 – O Cantor de Jazz (The Jazz Singer, EUA, 1927), de Alan Crosland (P&B, 88 min, 16 anos)
19h30 – Desce, Morte! (Go Down, Death!, EUA, 1944), de Spencer Williams (P&B, 65 min, 14 anos)

Domingo, 18 de agosto
15h30 – Swing! (Swing!, EUA, 1938), de Oscar Micheaux (P&B, 70 min, 14 anos)
17h30 – Dez Minutos para Viver (Ten Minutes to Live, EUA, 1932), de Oscar Micheaux (P&B, 58 min, 14 anos)
19h30 – Uma Cabana no Céu (Cabin in the Sky, EUA, 1943), de Vincente Minnelli (P&B, 98 min, 14 anos)

Segunda, 19 de agosto
15h30 – O Cantor de Jazz (The Jazz Singer, EUA, 1927), de Alan Crosland (P&B, 88 min, 16 anos)
17h30 – Juke Joint (Juke Joint, EUA, 1947), de Spencer Williams (P&B, 60 min, 14 anos)
19h30 – Aleluia! (Hallelujah!, EUA, 1929), de King Vidor (P&B, 109 min, 14 anos)

Serviço
"Oscar Micheaux: O cinema negro e a segregação racial"
Quando: de 31 de julho a 19 de agosto de 2013.
Onde: CCBB Rio - Cinema I - Rua Primeiro de Março, 66 - Centro.
Quanto: R$6 (inteira) e R$3 (meia).