16 abril, 2012

PAULO CESAR SARACENI (1933 -2012)




A única vez que falei com Paulo Cesar Saraceni cara a cara foi numa sessão especial de um de seus filmes, Natal da Portela (1988) - finalmente pronto depois de burudungas binacionais - do Brasil, via Embrafilme em decadência, que não cumpriu sua parte na coprodução Brasil-França e não compareceu com os aimorés (segundo Ivan Lessa - até hoje em Londres - era essa a moeda oficial brasileira, a quem chamava - não sei se ainda chama... - de Bananão); da França, que reteve o negativo até que chegassem os sabarás (segundo Ivan Lessa 2, a Missão, também era esse o nome do vil metal bananês). Na saída, ele me perguntou o que achei do filme. Fui sincero com o diretor: disse que, apesar do fato de que as vicissitudes de produção terem prejudicado um pouco sua finalização, eu adorei o filme, pelo retrato generoso de um dos personagens mais carismáticos da história do G.R.E.S. Portela - Natalino José do Nascimento, o Natal da Portela (1905-1975) - banqueiro de bicho, com muita honra, e portelense convicto. (Digo "com muita honra" porque Natal era um banqueiro de bicho do tempo em que "valia o que estava escrito" e que banqueiros de bicho não se envolviam tanto com atividades hídricas...)
Como é público e notório, Natal da Portela nunca foi lançado nos cinemas - antes disso, aquelle caçador de maracujás e seu dragão da maldade (muso inspirador da economista cabeça-de-planilha que hoje exerce a presidente da República...) acabaram com a Embrafilme e com as leis de proteção ao cinema brasileiro. Às vezes, a TV Brasil programa o filme em suas sessões de cinema, assim como costuma programar também O viajante (1998) e, salvo engano, os documentários Bahia de todos os sambas (1996) e Banda de Ipanema - Folia de Albino (2003).
Minha sugestão à TV Brasil: escolha os filmes, digamos, mais alegres de Saraceni, seja Banda de Ipanema - Folia de Albino, seja Bahia de todos os sambas, seja mesmo Natal da Portela. Até para seguir a tradição carioca de se fazer um gurufim (velório, na antiga gíria dos morros). Sarra, como chamavam os amigos, merece um gurufim de respeito.

************

Ainda sobre Natal da Portela: é o único filme do tipo "pague um e leve dois" que eu conheço. Isso porque, além de falar de Natal, o filme também fala de Paulo Benjamin de Oliveira, o Paulo da Portela (1901-1949). É verdade que a escolha do salgueirense Almir Guineto, cantor e compositor de responsa, parece brincadagem do Sarra. Mas não é que ele dá conta do recado?

***********************************
Filmografia de Paulo Cesar Saraceni:


1960 - Arraial do Cabo (curtametragem – documentário)
Documentário sobre a vida dos pescadores e trabalhadores das jazidas de sal de Arraial do Cabo (RJ).
 
1962 - Porto das Caixas (longa-metragem)

Direção - Paulo Cesar Saraceni
Roteiro - Lúcio Cardoso e Paulo Cesar Saraceni
Elenco - Irma Alvarez, Reginaldo Farias, Paulo Padilha, Henrique Bello, Margarida Rey, Joseph Guerreiro, Sergio Sanz
Sinopse - Uma mulher muito pobre, maltratada por um marido ignorante e bruto, resolve assassiná-lo, e para conseguir quem faça isso, utiliza seus encantos femininos.
1964 - Integração Racial (documentário)
1965 - O Desafio
Direção - Paulo Cesar SaraceniRoteiro - Paulo Cesar Saraceni e Oduvaldo Vianna Filho.
Elenco - Oduvaldo Vianna Filho (Marcelo), Isabella (Ada), Joel Barcellos, Sérgio Britto, Hugo Carvana, Couto Filho, Marilu Fiorani, Renata Graça, Zé Keti, Luiz Linhares, Gianina Singulani, Maria Bethânia (A própria), Nara Leão (A própria), João do Vale (Ele mesmo), Elis Regina (A própria).
Sinopse – Por tratar do romance entre um estudante de esquerda, Marcelo (Vianinha) e a mulher de um rico industrial, Ada (Isabella) foi entendido pela censura do regime militar como apologia do amor entre as classes... Na verdade o que diretor quis foi investigar as razões do Golpe Militar de 1964 (especialmente a traição da burguesia industrial, que não se mostrou progressista) e seu impacto psicológico sobre os intelectuais.[
 
1968 - Capitu
Direção - Paulo Cesar Saraceni
Roteiro - Paulo Cesar Saraceni, Paulo Emílio Sales Gomes e Lygia Fagundes Telles, baseado no romance Dom Casmurro, de Machado de Assis
Elenco - Isabella, Othon Bastos, Raul Cortez, Rodolfo Arena, Nelson Dantas, Marilia Carneiro, Maria Morais, Wagner Lancetta, Patrícia Templer, Lídia Podorolska.
1970 – A casa assassinada
Direção - Paulo Cesar Saraceni
Roteiro - Paulo Cesar Saraceni, a partir de romance homônimo de Lúcio Cardoso.
Elenco - Norma Bengell (Nina), Carlos Kroeber (Timóteo), Nelson Dantas, Leina Krespi, Tetê Medina, Augusto Rodrigues Lourenço, Nuno Veloso, Rubens Araújo, Joseph Guerreiro.
  
1973 - Amor, Carnaval e Sonhos
Direção - Paulo Cesar Saraceni.
Roteiro - Paulo Cesar Saraceni.
Elenco - Arduíno Colassanti, Leila Diniz, Hugo Carvana, Ana María Miranda, Isabel Ribeiro, Paulo Cesar Saraceni.
Sinopse – Misto de documentário e ficção que se passa no carnaval carioca. O filme marca a última aparição de Leila Diniz no cinema.

1977 - Anchieta, José do Brasil
Direção - Paulo Cesar Saraceni.
Roteiro - Paulo Cesar Saraceni e Marcos Konder Reis.
Elenco - Ney Latorraca (Anchieta), Luiz Linhares, Maurício do Valle, Joel Barcellos, Hugo Carvana, Maria Gladys, Vera Barreto Leite, Paulo César Peréio, Ana Maria Magalhães, Roberto Bonfim, Dedé Veloso, Manfredo Colassanti, Carlos Kroeber, Wilson Grey, Antonio Carnera
Sinopse – Olhar pessoal de Saraceni sobre a vida do padre José de Anchieta.

1982 - Ao Sul do Meu Corpo
Direção - Paulo Cesar Saraceni.Roteiro - Paulo Cesar Saraceni, a partir do episódio Duas vezes com Helena, do romance Três mulheres com três PPPês, de Paulo Emílio Salles Gomes
Elenco - Nuno Leal Maia (Policarpo), Paulo César Peréio (Alberto), Ana Maria Nascimento e Silva (Helena), Othon Bastos (Padre Paulo), Cissa Guimarães, Jalusa Barcelos, Maria Pompeu.
Sinopse - Um jovem, Policarpo (Nuno Leal Maia) se envolve com Helena (Ana Maria Nascimento e Silva), a mulher de seu professor e orientador, Alberto (Paulo César Peréio), ao visitá-los em Campos do Jordão.


1988 - Natal da Portela
Direção - Paulo Cesar Saraceni.
Roteiro - Paulo Cesar Saraceni.
Elenco - Milton Gonçalves (Natal da Portela), Almir Guineto (Paulo da Portela), Grande Otelo (Seu Napoleão), Zezé Motta (Maria Elisa), Paulo César Pereio, Ana Maria Nascimento e Silva, Zózimo Bulbul, Maurício do Valle, Maria Gladys, Jacqueline Laurence, Zezé Macedo, Tony Tornado.
Sinopse – Olhar pessoal de Saraceni sobre a vida de Natalino José do Nascimento, o Natal da Portela.

1996 - Bahia de Todos os Sambas
Direção - Paulo Cesar Saraceni.
Documentário sobre um espetáculo musical ocorrido entre 23 e 31 de agosto de 1983, no Circo Massimo, nas Termas de Caracalla, em Roma. A Bahia, sede espiritual da nação cultural brasileira, baixou em Roma. Dorival Caymmi, João Gilberto, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Nana Caymmi, Moraes Moreira, Naná Vasconcellos, Tomzé, Paulinho Boca de Cantor, Walter Queiroz, o trio elétrico de Armandinho, Dodô e Osmar e Batatinha, lenda viva do samba baiano, juntamente com cento e cinquenta músicos, ritmistas, dançarinas, capoeiristas, se apresentaram durante nove noites sucessivas para um platéia de aproximadamente cento e cinquenta mil espectadores.

1999 - O Viajante
Direção - Paulo Cesar Saraceni.
Roteiro - Paulo Cesar Saraceni, a partir do romance homônimo e inacabado de Lúcio Cardoso.
Elenco - Marília Pêra (Donana), Leandra Leal (Sinhá), Jairo Mattos (Rafael), Paulo Cesar Pereio (Chico Herrera), Irma Álvarez (Rosália), Ricardo Graça Mello (Zeca), Ana Maria Nascimento e Silva (Anita), Nelson Dantas (Mestre Juca), Myriam Pérsia (Isaura), André Valli (Zé Almino), Roberto Bonfim, Priscila Camargo, Leina Krespi, Milton Nascimento, Fausto Wolff, Adele Fátima, José Loyola, Hileana Meneses, Heloisa Helena Silvano Mendes, Maria Pompeu, Esperança Motta, Marcela Moura, Geraldo Magalhães, Celia & Celma.
Sinopse – A sorte leva quatro seres humanos para a última fronteira da paixão. Lá, onde o amor torna-se quase desumano e divino. Como se fosse um cometa, Rafael (Jairo Mattos), o viajante, aparece na festa para o santo padroeiro , em uma pequena cidade no interior de Minas Gerais. Ele é o único que traz paixão e crime, desaparecendo depois, deixando um sentimento poético no ar, que é sempre mortal para os que ficam. D. Ana de Lara, ou Donana (Marília Pera), uma orgulhosa viúva rica, e Sinhá (Leandra Leal), ainda uma criança, cuja beleza e inocência são como o Tiê-Sangue, um pássaro vermelho, são as vítimas viajantes. Há também Mestre Juca do Vale (Nelson Dantas), um criminoso, cuja paixão o torna incrivelmente humano nesta história de amor, morte, perdão e ressurreição.

2003 - Banda de Ipanema - Folia de Albino
Direção - Paulo Cesar Saraceni.
Documentário. Albino Pinheiro e a Banda Ipanema – sua obra-prima – a partir de depoimentos de amigos e imagens do desfile da banda, em 2002.

2012 - O Gerente (ainda inédito).
Direção - Paulo Cesar Saraceni.
Roteiro - Paulo Cesar Saraceni, a partir de novela homônima de Carlos Drummond de Andrade.






15 abril, 2012

DA SÉRIA SÉRIE "FILMES QUE JAIR BESTEIRARO ET CATERVA A-DO-RA-RI-AM..." (XXV)

Parece provocação minha. E até é, mesmo.
Mas os fiscais de fiofó (vulgo Frente Parlamentar Evangélica) continuam com seus planos de instalar uma república teocrática evangélica no país - com a devida omissão de Dilma Pontes (ou seria Ipojuca Rousseff?), que abre as pernas para todas as suas chantagens.
Claro que tem gente reagindo contra isso.
Uma destas pessoas, aliás, mandou este vídeo, e estou colocando para vocês:


(Qualquer semelhança...)

E alguém postou isto no Facebook, e não resisti à tentação de mostrar isto para os fiscais de fiofó de todo o país (se eles lerem esta revista e o seu blog, é claro).
Lá vai:


Breve tradução para quien no habla portunhol:

"Se você não gosta do casamento gay, não se case com gays. Se você não gosta do aborto, não aborte. Se você não gosta de drogas, não use. Se você não gosta de sexo, não faça. Se você não gosta de pornografia, não olhe. Se você não gosta de álcool, não beba. Se você não gosta que tirem os seus direitos, simples, não tire os dos outros."

************************
Feita a breve aula de direitos aos fiscais de fiofó, vamos à nossa indicação de hoje em nossa séria série: Un mondo d'amore, de Aurelio Grimaldi (Itália, 2002)
E não é por acaso. Já que falamos em luta contra a hipocrisia, o filme trata de um episódio da vida de alguém que sempre encarou estes "utensílios" ultrapassados: Pier Paolo Pasolini (1922-1975).
Itália, 1949. Nests época, Pasolini era apenas um pacato e introvertido professor de literatura de 27 anos em um pequeno vilarejo, e sonhava em escrever seu primeiro livro.
Vamos à sinopse, contida no catálogo do 11º Festival Mix Brasil, onde foi exibido com o nome de Um mundo de amor:
"Intoxicado pela livre expressão da sexualidade que encontra na literatura dos gregos antigos e dos franceses modernos, Pasolini fica bêbado junto com três jovens rapazes em uma festa do vilarejo e acaba tendo um espontâneo, eufórico e inocente encontro sexual com eles. Isso acaba vazando e logo Pasolini se encontra sob investigação por 'corrupção de menores'."
Resultado: foi expulso pela secção de Udine do Partido Comunista e perdeu o emprego de professor que tinha obtido no ano anterior em Valvasone (o vilarejo).
A partir daí, sua vida e obra foram um combate sem tréguas contra o falso moralismo e a hipocrisia. Uma frase de Pasolini define tudo:

Eu me sinto muito bem no mundo, acho-o maravilhoso, sinto-me atrelado à vida como um gato. É a sociedade burguesa que não me agrada. É a degeneração da vida no mundo. Hitler foi o típico produto da pequena-burguesia. Também Stalin foi um produto pequeno-burguês. Eu sou pela moral contra o moralismo burguês. Qual é a diferença? O moralista diz o não aos outros, o homem moral o diz apenas a si próprio.
(Entrevista a La Stampa, 12 de julho de 1968)


Claro que os hipócritas – à direita e à esquerda, religiosos ou não – devem ter se incomodado com este pensador muito livre – livre até demais - e tomaram suas providências.
Em novembro de 1975, o corpo de Pier Paolo Pasolini foi encontrado no hidro-aeródromo de Óstia, em Roma, com o rosto desfigurado e várias lesões. Um processo judicial concluiu que, oficialmente, o cineasta foi brutalmente assassinado por um garoto de programa, Pino Pelosi, que queria roubá-lo.
Jacaré acreditou? Nem nós. Atualmente, diversos estudos, filmes e programas de TV jogam areia na versão acatada pela justiça italiana. No ano de 2005, Pino Pelosi declarou não ter sido ele o assassino de Pasolini, depois de ter cumprido pena como assassino confesso. A suspeita de crime político continua no ar. Mas os motivos de seu assassinato continuam gerando polêmica até hoje.

(Aliás, de acordo com o Relatório Anual de Assassinatos de Homossexuais de 2011 do Grupo Gay da Bahia (GGB), 266 gays, travestis e lésbicas foram assassinados no Brasil, 6 a mais que em 2010 – um aumento de 118% nos últimos seis anos: 122 em 2007. Os gays lideram os “homocídios”: 162 - 60%, seguidos de 98 travestis - 37%, e 7 lésbicas - 3%. E só por serem gays, lésbicas e travestis. Se isso não é homofobia, eu sou Bento XVI...).