25 novembro, 2011

SAUDAÇÃO AO AUDIOVISUAL BRASILEIRO

Não devia fazer isso, mestre João Batista de Andrade. Não devia transcrever um texto seu de sua página no Facebook. Mas isto é uma coisa que precisava ser dita para todos - especialmente os não facebookianos.
Escreve João Batista de Andrade (os grifos são responsabilidade minha, não dele):

Quero aqui saudar o cinema brasileiro tanto por seus filmes, seus talentos, quanto perla luta de todos pela nossa existência como cineastas. Devo minha carreira a esse cinema, fiz e faço parte dele. Peço que não leiam meu desabafo nem como "jogar a toalha" nem como negação do atual cinema brasileiro. Desabafos como o meu muitos e muitos cineastas, de todas as idades, poderiam fazer. Não quero também diminuir o que já disse achando que o texto está direcionado a pessoas ou a instituições. Há um vazio na política cultural brasileira. E também um messianismo militante de alguns dirigentes que pensam saber mais do cinema brasileiro do que os próprios cineastas. Dirigentes que decidiram que a partir de agora o cinema deve ser medido apenas pela bilheteria, sem riscos, sem propostas: quem deu certo leva tudo. É de um primarismo absurdo. Ainda mais entre nós, onde todos os recursos, seja para filmes absolutamente e só comerciais, seja para os absolutamente experimentais. QUE SE CULTIVE TUDO, COMERCIAIS, MEIO COMERCIAIS, AUTORAIS, EXPERIMENTAIS! cada um na sua esteira, sem eutanásia e sem esse darwinismo cultural! Sobre jogar toalha: nada disso. Há decisões esperadas (certamente já tomadas mas não divulgadas) e devo esperar. E há muita luta pela frente, tenho recebido muitos apoios e promessas, buscando recursos para meu novo projeto, o "Vila dos Confins", adaptação do maravilhoso romance de Mário Palmério. E eu mesmo preciso pensar que por todo lado, mesmo nas instituições, federais e aqui mesmo em SP, há pensamentos discordantes e idéias de mudanças. E há também a esperança enorme de que a lei que abriu as TVs para a produção independente entre mesmo em vigor, que isso abra bastante o mercado de trabalho e a possibilidade de um grande diálogo de nosso cinema com o povo brasileiro através das telinhas. É preciso lutar.

Como eu disse, os grifos são meus e tem destino certo.
O primeiro vai para os dirigentes das Riofilmes e Globo Filmes da vida, que fecham a porta para todos os outros tipos de cinema. Cinema é múltiplo, não pode nem deve ser um só. Senão dá um sono...
O segundo poderia ser lido pelo DEMO, do psicopata Cesar Maia e do imbecil Demagogóstenes Torres. Muito engraçado vocês entrarem com ação contra a nova lei que abriu as TV por assinatura para a produção independente brasileira em nome de uma "liberdade de escolha" do espectador, quando o que vai acabar acontecendo é a manutenção de um monopólio e de uma mesmice que está presenta na TV atual - ou seja, a retirada de uma opção de escolha do espectador. Muito engraçado mesmo.
De resto, é preciso lutar MESMO.

DA SÉRIA SÉRIE "FILMES QUE JAIR BESTEIRARO ET CATERVA A-DO-RA-RI-AM..." (XXI)

Rapaz, faz tempo que não falo do mais exibido (tipo "melancia-no-pescoço") dos "fiscais de fiofó" - justamente, o que dá nome a esta séria série.
Pois é... quando eu já estava quase me esquecendo que este cidadão ainda existia, eis que ele resolve reaparecer ao seu estilo costumeiro: falando merda para todo o lado, só para aparecer.
Só que, desta vez, o negócio é sério.
Muito sério.
(BG - rufar os tambores e soar de clarins. Ou – melhor ainda – a vinheta do Repórter Esso, a "testemunha ocular da história".)
Em discurso na tribuna da Câmara dos Deputados, nesta quinta-feira, 24 de novembro, Jair Besteiraro questionou a sexualidade da presidenta Dilma Rousseff.
Sério.

Para não deixar dúvidas, vai aí um trecho do discurso de Besteiraro (o grifo é meu):
"Dilma Rousseff, pare de mentir! Se gosta de homossexual, assuma! Se o seu negócio é amor com homossexual, assuma, mas não deixe que essa covardia entre nas escolas do primeiro grau!"
O tema é o mesmo, e já está batido: o kit anti homofobia nas escolas do ensino fundamental - assunto, aliás, do qual ninguém, nem mesmo a própria Dilma, se lembra mais, desde que cedeu às pressões e mentiras - inclusive às mentiras de má fé sobre o próprio kit, denunciadas corajosamente pelo deputado Jean Willys em entrevista a Marília Gabriela – dos "fiscais do fiofó". E, claro, desde que passou a se preocupar com as estripulias de seus ministros – especialmente os casos mais recentes, Carlos Lupi (PDT), do Trabalho, e Mário Negromonte (PP), das Cidades.
Quando esta nova gracinha de Besteiraro caiu nas redes sociais (Facebook, Orkut, Twitter), alguém mais sensato comentou com justa propriedade:
"Agora o negócio ficou simples: ou cassam o cara ou a parada virou esculhambação."
E a Dilma bem que poderia colaborar para isso.
O novo ministro encrencado é o ministro das Cidades, certo?
O ministério é da cota do PP – para quem não sabe, é a sigla do Partido Progressista (Progressista? PQP!), certo?
(Aliás, o próprio PP nunca esteve satisfeito em ter o sr. Negromonte na pasta, mas isso são outros quinhentos.)
E, por uma destas curiosas coincidências, Jair Besteiraro é deputado foderal... ops, federal pela legenda do PP, certo?
(Se bem que ele parece mais um parlamentar da oposição – mais especificamente, do DEMO – do que da base governista: além destas m..., fala mal do próprio governo do qual o PP faz parte, e em certas ocasiões votou contra o governo. Com um parlamentar governista assim, precisa-se realmente de uma oposição?)
Pois então... Na hora que o sr. Negromonte for gentilmente convidado a se retirar do cargo e o PP indicar um novo nome para o seu lugar, Dilma pode perfeitamente botar o pau (o pedaço de madeira, suas mentes sujas!) na mesa e dizer em alto e bom som:
"Não me venham com novo nome para o governo! Primeiro, vocês vão ter de resolver sua relação com esse Jair Besteiraro. Ou vocês põem esse gorila para fora de seu partido, ou vocês perdem a pasta! E não me venham com ameaças de que vão para a oposição, que eu ponho gente de outros partidos que querem fazer parte do governo no lugar de vocês!"
Quer apostar como o PP, docemente constrangido, vai atender à exigência da presidenta?
Mais ainda: o PP ainda pode pedir, via TSE, o mandato de Besteiraro. Assim, ele volta para o quartel, volta a bater continência para generais e, talvez, para de encher o nosso saco.
E eu desconfio que vai ter de ser assim, porque se tivermos de esperar a Comissão de Ética (SIC) e o plenário da Câmara dos Deputados, com todo o seu esprit de corps (ou melhor, esprit de cochon), vai ser como já disse certa vez o filósofo Barão de Itararé: "De onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo..."
Qualé? Sonhar e sugerir não custa nada mesmo...
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Em mais uma homenagem a este ínclito deputado (SIC), não vou me limitar a uma sugestão, mas vou logo com duas sugestões de filmes.
O primeiro é o documentário As filhas da Chiquita (2006), de Priscila Brasil. A tal da Chiquita é uma festa que a comunidade LGBT de Belém realiza há 33 anos (já está com a idade de Cristo!) no segundo domingo de outubro – mais especificamente, na noite do primeiro dia da procissão do Círio de Nazaré. O documentário registra esta convivência entre quase dois milhões de católicos devotos e milhares de gays, lésbicas, bissexuais, transexuais etc. e tal numa noite só. Detalhe mais engraçado desta história: em 2004, o IPHAN começou um processo de tombamento do Círio de Nazaré como patrimônio cultural imaterial da humanidade, e incluiu a Festa da Chiquita no processo. Claro que a polêmica está armada: a festa da Chiquita, afinal, faz ou não faz parte do Círio? Confiram mais detalhes de As filhas da Chiquita – exibido no 16º Festival Mix Brasil, mas que, para variar, não chegou a ser exibido nos cinemas (aguarda-se o lançamento em DVD) – na página da produtora Greenvision.
Outro filme exibido em outra edição do Mix Brasil, a 13ª, na mostra Mundo China, que merecia mas não foi lançado nos cinemas foi Borboleta (Hu die, 2004), do chinês de Hong Kong Yan Yan Mak. A historinha é mais ou menos assim:
Era uma vez uma jovem professora do ensino secundário, Flavia (Josie Ho), casada com Ming (Eric Kot) e com um filho. A rotina conjugal é quebrada quando ela conhece Yip (Yuan Tian), uma jovem cantora, e se apaixona por ela. Isso faz com que Flavia relembre os seus tempos de adolescente (Yat Ning Chan, ou Isabel Chan, vive Flavia adolescente), quando era estudante secundária e teve uma relação amorosa com outra moça, Jin (Joman Chiang)– hoje uma monja budista (encarnada por Stephanie Che) em Macao – e se questiona: vale a pena continuar com seu casamento ou partir para uma nova vida ao lado de Yip? Nada de mais, se Yan Yan Mak não situasse as lembranças do romance entre Flavia e Jin durante o período do movimento pró-democrático na Praça da paz Celestial – aquele mesmo que acabou com os tanques do exército chinês.
Vale a pena ver o trailer e se perguntar por que diabos os distribuidores não se interessaram nem em lança-lo em DVD ou Blu-ray aqui no Brasil? (Ou será que lançaram e nós não fomos informados?)

13 novembro, 2011

DA SÉRIA SÉRIE "FILMES QUE JAIR BESTEIRARO ET CATERVA A-DO-RA-RI-AM... (XX)

E vocês pensando que a nossa séria série acabou, não é?
Não, não acabou não. Apenas está bem low profile. Só vai se manifestar toda a vez que os "fiscais de fiofó" (você pode não gostar do termo, mas eu adorei) falarem uma... com perdão do termo... uma merda muito grande.
De preferência, uma merda como a que foi falada pelo reverendo Silas Malafaia, grande "amigo" (ou melhor, muy amigo) da comunidade LGBT do país. (Um perfil supostamente simpático de Silas Malafaia pode ser encontrado na edição nº 60 da revista Piauí)
Pior: uma merda atrás da outra.
Tudo começa na Parada LGBT de São Paulo, quando é lançada uma campanha de prevenção a AIDS. Título da campanha: Nem Santo Te Protege. Nada de mais, não fosse um pequeno detalhe: para ilustrar o tema, o fotógrafo Ronaldo Gutierrez produziu fotos com representações de santos católicos. O problema foram justamente as tais representações - quase todas com jovens modelos masculinos.
Como sói acontecer, a Igreja Católica - mais especificamente, o cardeal arcebispo de São Paulo d. Odilo Scherer - não gostou muito: achou que as imagens ofendem profundamente a Igreja. (E você, o que acha? Dê uma olhada no link com as fotos.) Mas ficaram só nisso.
A verdade é que a Igreja Católica não ficou muito feliz com o modo utilizado (as fotos) para contestar a sua metodologia para prevenir a AIDS - contra o uso de preservativos e defendendo... a castidade. A campanha Nem Santo Te Protege é clara: ninguém está livre de se contaminar com o HIV. E nem o santo de sua devoção, seja ele qual for, pode salvar você sem que se previna. (E, convenhamos, é no mínimo cretino insistir numa solução como a castidade para a prevenção da AIDS - não com uma enorme população jovem e adolescente, hetero ou LGBT, com os hormônios em ebulição, não é, cardeal?)
Mas, convenhamos, até que d. Odilo foi educado em sua indignação. Ao contrário de quem não tinha nada a ver com isso.
Se estou falando do reverendo Silas Malafaia? Ora, caro leitor, com todo o respeito, por que você não vai retumbar um editorial da Folha, do Estadão ou d'O Globo?
Sim, ele mesmo.

Ninguém pediu a opinião do reverendo Malafaia. Mas ele deu a sua "brilhante" opinião assim mesmo: "os caras na Parada Gay ridicularizaram símbolos da igreja católica e ninguém fala nada. É pra a igreja católica entrar de pau em cima desses caras [gays]. Baixar o porrete em cima, pra esses caras aprenderem. É uma vergonha!" (Para não dizerem que eu ou as entidades LGBT estão inventando: alguém gravou a fala de Silas Malafaia em seu programa - SIC - Vitória em Cristo e botou no YouTube. Deleitem-se com a "sabedoria" do "piedoso" pastor.)
Resultado: a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros (ABGLT) entrou com representação no Ministério Público. A revista A Capa informa o motivo: "A entidade justifica o seu pedido afirmando que Malafaia incita 'a violência contra a população LGBT'.
A Associação ressalta que nos "últimos tempos a violência contra LGBT tem sido recorrente" e cita os recentes ataques na Avenida Paulista, em São Paulo, e afirma que atitudes como a do pastor contribuem para o "aumento da violência homofóbica".


"EU?" responde Malafaia. "Eu não odeio os homossexuais. Apenas, como bom cristão, odeio o pecado e amo o pecador. Eu não disse para 'descer o porrete' no sentido de agredir. Eu só quero que a Igreja reaja a essa campanha Nem Santo Te Protege, porque ela ridiculariza a Igreja Católica. Essa coisa de descer o porrete foi em sentido figurado."
Como diria um amigo meu bem “erudito”: “Sentido figurado no fiofó é rola! É ROLA!”
O senhor está careca de saber (quer dizer... quase careca, a julgar por sua aparência no vídeo...) que sempre vai haver uma minoria mais afoita, agressiva, que vai tomar este "descer o porrete" ao pé da letra. Isto é, vai agredir gays e lésbicas (ou quem pareça ser, aos seus olhos, gays e lésbicas - lembra do caso onde pai e filho foram agredidos por um bando de homófobos porque estes pensaram que fossem um casal gay?)
Ora pinhões, reverendo Malafaia, se o senhor não defende a agressão aos LGBTs, por que é contra o projeto de lei 122, que criminaliza a homofobia? Porque (e o senhor bem sabe) o senhor sabe que um bando de idiotas homofóbicos pode tomar o seu "descer o porrete" ao pé da letra, e se o fizer o senhor poderá dormir tranquilo porque não poderá ser responsabilizado.
O mais engraçado nesta situação (e, por favor, caro leitor, não ria ainda) é a prova de como o mundo dá voltas. Diz o reverendo Malafaia:


"Quando um pastor chutou uma santa, a imprensa detonou os camaradas. O camarada teve que correr do Brasil por que até de morte foi ameaçado. Agora, a Parada Gay ridiculariza símbolos católicos e a imprensa não diz nada, não baixa o porrete... É isso que eles querem, botar uma mordaça na sociedade pra eles falarem o que quiserem, criticarem e ridicularizarem o que quiserem"

O pastor, no caso, era bispo e chamava-se Sérgio Van Helder, da Igreja Universal do Reino de Deus. Em 1995, durante um dos programas da madrugada da Igreja Universal, Van Helder quis provar que os santos, na verdade, eram meros bonecos, sem santidade nenhuma. O problema é que quis provar também na prática: em pleno programa de TV, ao vivo, Van Helder deu vários chutes em uma imagem da Virgem Maria. Alguém gravou (ainda era o tempo das fitas VHS) e espalhou por aí. O mundo (católico, é claro) caiu sobre a Igreja Universal e sobre Van Helder, que, salvo engano, foi para fora do Brasil, para uma das missões desta Igreja num país africano de língua portuguesa
Mas vários outros pastores apareceram em defesa da Igreja Universal e de van Helder. Entre eles (adivinhem?), o reverendo Silas Malafaia.
Então, a lição que o reverendo Silas Malafaia nos dá é essa: chutar santos, pode. Usar representações dos santos para campanhas de prevenção contra a AIDS, não pode.
E entrar com representações no MP contra pastores que aconselham "descer o porrete" no povo LGBT (e por tabela, incitar, conscientemente ou não, a violência e o assassinato contra este povo), menos ainda. O reverendo Silas Malafaia anunciou que vai entrar com processo judicial contra a ABGLT, por causa de sua representação no MP. Olhem só como ele está uma arara...

Ah, em tempo: no mesmo programa da Record em que defendeu o bispo van Helder, o reverendo Silas Malafaia avisa, em alto e bom som: "O dia em que nós, evangélicos, formos maioria no Brasil, vocês vão ver!"
"Vamos ver" o quê, reverendo Malafaia? Fogueiras tipo Inquisição ou campos de concentração para os não-evangélicos?
Aliás, este é um aviso ou uma ameaça?
Não haveria nenhum problema se a população brasileira se tornar majoritariamente evangélica. O problema é: esta maioria evangélica será livre para pensar, sem deixar de cultuar a Jesus Cristo, ou se será uma maioria fanatizada, sem senso crítico, teleguiada por suas lideranças religiosas?
Pior: e se estas lideranças religiosas desta maioria evangélica forem raivosas e intolerantes como o reverendo Malafaia?
A gente sabe o resultado desta equação: maioria fanatizada (politicamente ou religiosamente) + lideranças intolerantes = uma nação indo para o abismo. A Alemanha de Hitler que o diga.
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Por falar no velho Adolf (que Deus o persiga e o Diabo o carregue...) - e em homenagem ao reverendo Silas Malafaia (e ao mundo que ele deve sonhar para o povo LGBT) - nossa indicação de filme para hoje: Amor em tempos de guerra (Un amour à Taire – França, 2005), de Christian Fauré - destaque no 14º Festival Mix Brasil que, para variar, nenhuma distribuidora no Brasil se interessou em distribuir.
Na primavera de 1942, em Paris, Jean (Jérémie Renier) e Philippe (Bruno Todeschini) arriscam suas vidas para abrigar Sarah (Louise Monot), uma amiga de infância de Jean, cuja família foi assassinada pela Gestapo. Jean é o grande amor de Sarah, mas ele é homossexual e apaixonado por Philippe, membro da resistência francesa. Mesmo assim, os três conseguem manter uma relação harmoniosa, até que entra em cena o irmão de Jean, Jacques (Nicolas Gob), colaborador dos nazistas. Quando Jean é falsamente acusado de manter um caso com um oficial alemão, começa a descida ao inferno sob o signo do triângulo rosa.
(Para registro histórico: até a Segunda Guerra Mundial, a França era o único país europeu que não criminalizava a homossexualidade. Isso mudou com a ocupação alemã e o État Français, o regime colaboracionista do marechal Pétain e Philippe Laval em Vichy, que, sob a influência de um conservadorismo religioso exacerbado, baixou leis em 1942 tornando a homossexualidade crime grave. Os ocupantes nazistas - que já deportavam os homossexuais para campos de concentração desde a subida ao poder, em 1933 - fizeram o resto. Cerca de 100 mil homossexuais foram presos, na Alemanha e na Europa durante a guerra; cerca de 10 a 15 mil morreram nos campos. A lei anti-homossexualidade de Vichy foi mantida pela IV República francesa depois da libertação. Só em em 1981 ela foi revogada. E só em 2001 a deportação de homossexuais foi reconhecida pela França.)

Confiram o trailer.

11 novembro, 2011

O TREM (DA REAÇÃO) TÁ ATRASADO OU JÁ PASSOU

Bem que eu poderia escrever sobre os últimos fatos na USP. Mas prefiro transcrever um texto sobre isso, que recebi via Facebook:

Esclarecendo o caso USP (pra quem vê de fora).
por Jannerson Xavier, quarta, 9 de Novembro de 2011 às 16:04.


Somos alunos da ECA-USP e visto a falta de imparcialidade da mídia com referência aos últimos acontecimentos ocorridos dentro da Universidade de São Paulo, cremos ser importante divulgar o cenário real do que realmente se passa na USP. Alguns fatos importantes que gostaríamos de mostrar:


- O incidente do dia 27/10/11, quando 3 alunos foram pegos portando maconha, NÃO foi o ponto de partida das reivindicações estudantis. Aquele foi o estopim para insatisfações já existentes.


- Portanto, gostaríamos de explicitar que a legalização da maconha, seja dentro da Cidade Universitária ou em qualquer espaço público, não é uma reivindicação estudantil. Alguns grupos até estão discutindo essa questão, mas ela NÃO entra na pauta de discussões que estamos tendo na USP.


- Os alunos da USP NÃO são uma unidade. Dentro da Universidade há diversas unidades (FFLCH, FEA, Poli, etc.) e, dentro de cada unidade, grupos com diferentes opiniões. Por isso não se deve generalizar atitudes de minorias para uma universidade inteira. O que estamos fazendo, isso no geral, é sim discutir a situação atual em que se encontra a Universidade.


- O Movimento Estudantil, responsável pelos eventos recentes, NÃO é uma organização e tampouco possui membros fixos. Cada ação é deliberada em assembleia por alunos cuja presença é facultativa. O que há é uma liderança desse movimento, composta principalmente por membros do DCE (Diretório Central dos Estudantes) e dos CAs (Centros Acadêmicos) de cada unidade. Alguns são ligados a partidos políticos, outros não.


- Portanto, os meios pelos quais o Movimento Estudantil se mostra (invasões, pixações, etc.) não são decisão de maiorias e, portanto, são passíveis de reprovação. Seus fins (ou seja, os pontos reais que são discutidos), no entanto, têm adesão muito maior, com 3000 alunos na assembleia do dia 08/11.


- Apesar de reprovar os meio usados pelo Movimento Estudantil (invasões, depredação), não podemos desligitimar as reivindicações feitas por esses 3000 alunos. Os fatos não podem ser resumidos a uma atitude de uma parcela muito pequena dos universitários.


Sabendo do que esse movimento NÃO se trata, seguem suas reinvidicações:


DISCUSSÃO DO CONVÊNIO PM-USP / MODELOS DE SEGURANÇA NA USP
A reivindicação estudantil não é: PM FORA DO CAMPUS, mas antes SEGURANÇA DENTRO DO CAMPUS. Os estudantes crêem na relação dessas reivindicações por três motivos:


A PM não é o melhor instrumento para aumentar a segurança, pois a falta de segurança da Cidade Universitária se deve, entre outros fatores, a um planejamento urbanístico antiquado, gerando grandes vazios. Iluminação apropriada, política preventiva de segurança e abertura do campus à populacão (gerando maior circulação de pessoas) seriam mais efetivas. Mas, acima de tudo...
A Guarda Universitária deve ser responsável pela segurança da universidade. Essa guarda já existe, mas está completamente sucateada. Falta contingente, treinamento, equipamento e uma legislação amparando sua atuação. Seria muito mais razoável aprimorá-la a permitir a PM no campus, principalmente porque...
A PM é instrumento de poder do Estado de São Paulo sobre a USP, que é uma autarquia e, como tal, deveria ter autonomia administrativa. O conceito de Universidade pressupõe a supremacia da ciência, sem submissão a interesses políticos e econômicos. A eleição indireta para reitor, com seleção pessoal por parte do governador do Estado, ilustra essa submissão. O atual reitor João Grandino Rodas, por exemplo, era homem forte do governo Serra antes de assumir o cargo.


POSTURA MAIS TRANSPARENTE DO REITOR RODAS / FIM DA PERSEGUIÇÃO AOS ALUNOS


Antes de tudo, independentemente de questões ideológicas, Rodas está sendo investigado pelo Ministério Público de São Paulo por corrupção, sob acusação de envolvimento em escândalos como nomeação a cargos públicos sem concurso (inclusive do filho de Suely Vilela, reitora anterior a Rodas), criação de cargos de Pró-Reitor Adjunto sem previsão orçamentária e autorização legal, e outros.
No mais, suas decisões são contrárias à autonomia administrativa que é direito de toda universidade. Depois de declarar-se a favor da privatização da universidade pública, suspendeu salários em ocasiões de greve, anunciou a demissão em massa de 270 funcionários e, principalmente, moveu processos contra alunos e funcionários envolvidos em protestos políticos.
Rodas, em suma: foi eleito indiretamente, faz uma gestão corrupta e destrói a autonomia universitária.


Você pode estar pensando…


MAS E O ALUNO MORTO NO ESTACIONAMENTO DA FEA-USP, ENTRE OUTRAS OCORRÊNCIAS?


Sobre o caso específico, a PM fazia blitz dentro da Cidade Universitária na noite do assassinato. Ainda é bom lembrar que a presença da PM já vinha se intensificando desde sua primeira entrada na USP, em Junho/2009 (entrada permitida por Rodas, então braço-direito de Serra). Mesmo assim, ela não alterou o número de ocorrências nesse período comparado com o período anterior a 2009. Ao contrário, iniciou um policiamento ostensivo, regularmente enquadrando alunos, mesmo em unidades nas quais mais estudantes apoiam sua presença, como Poli e FEA.


MAS E A DIMINUIÇÃO DE 60% NA CRIMINALIDADE APÓS O CONVÊNIO USP-PM?


São dados corretos. Porém a estatística mostra que esta variação não está fora da variação anual na taxa de ocorrências dentro do campus (http://bit.ly/sXlp0U ). A PM, portanto, não causou diminuição real da criminalidade na USP antes ou depois do convênio. Lembre-se: ela já estava presente no início do ano, quando a criminalidade disparou.




MAS, AFINAL, PARA QUE SERVE A TAL AUTONOMIA UNIVERSITÁRIA?


Serve para que a Universidade possa cumprir suas funções da melhor maneira possível. De maneira simplista, são elas:


- Melhorar a sociedade com pesquisas científicas, sem depender de retorno financeiro imediato.


- Formar cidadãos com um verdadeiro senso crítico, pois mera especialização profissional é papel de cursos técnicos e de tecnologia.


Importante: autonomia universitária total não existe. O dinheiro vem sim do Governo, do contribuinte, porém a autonomia universitária não serve para tirar responsabilidades da Universidade, mas sim para que ela possa cumprir essas responsabilidades melhor.


COMO ISSO ME AFETA? POR QUE EU DEVERIA APOIA-LOS?


As lutas que estão ocorrendo na USP são localizadas, mas tratam de temas GLOBAIS. São duas bandeiras: SEGURANÇA e CORRUPÇÃO, e acreditamos que opiniões sobre elas não sejam tão divergentes. Alguém apoia a corrupção? Alguem é contra segurança?


O que você acha mais sensato:


- Rechaçar reivindicações justas por conta de depredações e atos reprováveis de uma minoria, ou;
- Aderir a essas mesmas reivindicações, propondo ações mais efetivas?


Você tem a liberdade de escolher, contra-argumentar ou mesmo ignorar.
Mas lembre-se de que liberdade só existe com esclarecimento.


Esperamos ter contribuído para isso.


Se você se interessa pelo assunto, pode começar lendo este depoimento: http://on.fb.me/szJwJt.  


Bárbara Doro Zachi
Jannerson Xavier Borges


PS: Já que a desconfiança é com a mídia, evitamos linkar material de qualquer veículo.




Pós-escrito, citando esta mesma mídia que criminalizou os estudantes. Mais especificamente, Elio Gaspari, que tinha toda a razão:


Serra atrasado



Contumaz retardatário, José Serra conseguiu bater todas as suas marcas. Chegou com 46 anos de atraso à Marcha da Família com Deus pela Democracia (obs: Liberdade), que juntou 200 mil pessoas no Centro de São Paulo manifestando-se contra o governo de João Goulart.
A “Marcha da Família” foi a maior manifestação popular de 1964. Doze dias depois de sua realização, Goulart foi deposto.
Segundo o cônsul americano na cidade, “quase todas as famílias das classes média e alta estavam representadas, com pequena participação das classes mais baixas”.
Quem deu musculatura à manifestação foram organizações religiosas e líderes políticos. Anos depois, as senhoras que lideraram a Marcha tornaram-se um estorvo para os generais.

Ou seja: em 2010, escapamos de boa...

10 novembro, 2011

A VIDA COMO CIRCO (Sobre "O Palhaço", de Selton Mello)

Um pequeno desafio aos gentis leitores: você se lembra de algum filme (de ficção - documentário é assunto para outro texto) que se passe nos bastidores do circo?
Eu, como rato de cinemateca (que eu fui - hoje não tenho tempo), posso citar, pelo menos, uns três: O maior espetáculo da Terra (1952), de Cecil B. DeMille; O circo (1928), de Charles Chaplin; e, é claro, A estrada da vida (La strada, 1954), de Federico Fellini.
Agora saiu mais um: O palhaço (2011), de Selton Mello.
Agora, outro desafio para quem viu O palhaço: com qual dos filmes que eu citei no começo deste texto ele tem a ver?
Com O maior espetáculo da Terra não tem nada a ver: o filme é o superespetáculo típico de DeMille, e se passa no Cirque du Soleil da época, o Ringling Bros. Barnum & Bailey Circus.
Com O circo? Também não: o circo do filme de Carlitos não é o Ringling Bros. Barnum & Bailey, mas não é um circo pobre. Além do mais, há lirismo em O palhaço, mas não o lirismo chapliniano.
La strada? Talvez sim, talvez não: este ainda é neorrealista até a medula de seu lirismo. Há um certo lirismo felliniano em O palhaço, mas não o de La strada, e sim o do cinema de Fellini pós-A doce vida (1960), em que Fellini faz com que a vida real se torne circo.
Aliás, O palhaço é bem diferente - uma volta de 180º - de seu primeiro filme como diretor, Feliz Natal (2008) - um drama familiar num espaço fechado sufocante (a casa da família, durante o Natal), com influências de Lucrecia Martel, John Cassavetes e, claro, de Lavoura arcaica, de Luiz Fernando Carvalho.
Aliás 2: vários nobres colegas cismam de ver influências de Fellini em O palhaço. Inácio Araújo é um deles, com ressalvas. Só deixaram de perceber outra influência no filme: Carlos Alberto Prates Correia - não apenas pelo fato de que sequencias do filme foram filmadas no universo mítico deste cineasta, a região de Montes Claros, mas pela presença de um humor acridoce e de um quase surrealismo, típico de filmes como Cabaret mineiro (1980) ou Minas, Texas (1989).
Aliás 3: às vezes não fica a impressão de que a montagem de O palhaço deixou muita coisa de fora para que o filme tivesse a duração de 90 minutos, justinha para o "mercado"? Claro, isso pode ser feito, mas sempre há um risco de que ideias necessárias para a compreensão da linha narrativa fiquem de fora - tipo assim, tirar tijolos da estrutura de uma casa: a dita acaba um pouco ou meio capenga. 
Pois mesmo meio capenga deste jeito, as qualidades de O palhaço dão de dez a zero em suas falhas. O elenco é afinadíssimo - certo, Selton Mello (o palhaço Pangaré) e Paulo José (o veterano palhaço Puro Sangue) são os destaques, mas as presenças de Teuda Bara (do grupo Galpão) e da menina Larissa Manoella são fortes, fora as participações dos veteranos Jackson Antunes, fabiana Karla, Jorge Loredo ("Zé bonitinho, o perigote das mulheres") e Moacyr Franco (como um delegado de polícia bem prateano), que são impagáveis. E, com todos os tropeços narrativos, a leveza e o lirismo - meras coberturas para questões mais profundas, como a busca de si mesmo e de sua identidade - são fortes e predominam. 
Um filme delicioso de ser visto
P.S.: por questões financeiras, assisti O palhaço durante a décima edição do famoso (SIC) Projeta Brasil Cinemark - aquele único dia do ano (quase no fim do ano) em que filmes brasileiros são exibidos pela rede a R$ 2,00.
O que penso deste Projeta Brasil Cinemark? Quase o mesmo que pensou um ilustre colega crítico de cinema (cujo nome só vou citar se ele autorizar), em comentário na lista de discussão CINEMABRASIL:

"Deixa eu entender. Durante 364 dias por ano, a Rede Cinemark de Cinema dá prioridade total aos filmes americanos, e trava quase todas as suas salas exibindo quase sempre blockbusters. É isso? Tá, então eles pegam um dia do ano - no caso, 7 de novembro - e neste dia fazem um estardalhaço enorme, dizendo que exibirão somente filmes brasileiros a 2 reais. E querem que nós, jornalistas, saiamos divulgando isso como se fosse uma maravilha que a Cinemark faz ao nosso cinema. É isso ou eu estou errado? Porque, se for isso, na minha terra chama Esmola. Se não for isso, aceito esclarecimentos."

Comentários sobre isso, gente?