E vocês pensando que a nossa séria série acabou, não é?
Não, não acabou não. Apenas está bem low profile. Só vai se manifestar toda a vez que os "fiscais de fiofó" (você pode não gostar do termo, mas eu adorei) falarem uma... com perdão do termo... uma merda muito grande.
De preferência, uma merda como a que foi falada pelo reverendo Silas Malafaia, grande "amigo" (ou melhor, muy amigo) da comunidade LGBT do país. (Um perfil supostamente simpático de Silas Malafaia pode ser encontrado na edição nº 60 da revista Piauí)
Pior: uma merda atrás da outra.
Tudo começa na Parada LGBT de São Paulo, quando é lançada uma campanha de prevenção a AIDS. Título da campanha: Nem Santo Te Protege. Nada de mais, não fosse um pequeno detalhe: para ilustrar o tema, o fotógrafo Ronaldo Gutierrez produziu fotos com representações de santos católicos. O problema foram justamente as tais representações - quase todas com jovens modelos masculinos.
Como sói acontecer, a Igreja Católica - mais especificamente, o cardeal arcebispo de São Paulo d. Odilo Scherer - não gostou muito: achou que as imagens ofendem profundamente a Igreja. (E você, o que acha? Dê uma olhada no link com as fotos.) Mas ficaram só nisso.
A verdade é que a Igreja Católica não ficou muito feliz com o modo utilizado (as fotos) para contestar a sua metodologia para prevenir a AIDS - contra o uso de preservativos e defendendo... a castidade. A campanha Nem Santo Te Protege é clara: ninguém está livre de se contaminar com o HIV. E nem o santo de sua devoção, seja ele qual for, pode salvar você sem que se previna. (E, convenhamos, é no mínimo cretino insistir numa solução como a castidade para a prevenção da AIDS - não com uma enorme população jovem e adolescente, hetero ou LGBT, com os hormônios em ebulição, não é, cardeal?)
Mas, convenhamos, até que d. Odilo foi educado em sua indignação. Ao contrário de quem não tinha nada a ver com isso.
Se estou falando do reverendo Silas Malafaia? Ora, caro leitor, com todo o respeito, por que você não vai retumbar um editorial da Folha, do Estadão ou d'O Globo?
Sim, ele mesmo.
Ninguém pediu a opinião do reverendo Malafaia. Mas ele deu a sua "brilhante" opinião assim mesmo: "os caras na Parada Gay ridicularizaram símbolos da igreja católica e ninguém fala nada. É pra a igreja católica entrar de pau em cima desses caras [gays]. Baixar o porrete em cima, pra esses caras aprenderem. É uma vergonha!" (Para não dizerem que eu ou as entidades LGBT estão inventando: alguém gravou a fala de Silas Malafaia em seu programa - SIC - Vitória em Cristo e botou no YouTube. Deleitem-se com a "sabedoria" do "piedoso" pastor.)
Resultado: a Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros (ABGLT) entrou com representação no Ministério Público. A revista A Capa informa o motivo: "A entidade justifica o seu pedido afirmando que Malafaia incita 'a violência contra a população LGBT'. A Associação ressalta que nos "últimos tempos a violência contra LGBT tem sido recorrente" e cita os recentes ataques na Avenida Paulista, em São Paulo, e afirma que atitudes como a do pastor contribuem para o "aumento da violência homofóbica".
"EU?" responde Malafaia. "Eu não odeio os homossexuais. Apenas, como bom cristão, odeio o pecado e amo o pecador. Eu não disse para 'descer o porrete' no sentido de agredir. Eu só quero que a Igreja reaja a essa campanha Nem Santo Te Protege, porque ela ridiculariza a Igreja Católica. Essa coisa de descer o porrete foi em sentido figurado."
Como diria um amigo meu bem “erudito”: “Sentido figurado no fiofó é rola! É ROLA!”
O senhor está careca de saber (quer dizer... quase careca, a julgar por sua aparência no vídeo...) que sempre vai haver uma minoria mais afoita, agressiva, que vai tomar este "descer o porrete" ao pé da letra. Isto é, vai agredir gays e lésbicas (ou quem pareça ser, aos seus olhos, gays e lésbicas - lembra do caso onde pai e filho foram agredidos por um bando de homófobos porque estes pensaram que fossem um casal gay?)
Ora pinhões, reverendo Malafaia, se o senhor não defende a agressão aos LGBTs, por que é contra o projeto de lei 122, que criminaliza a homofobia? Porque (e o senhor bem sabe) o senhor sabe que um bando de idiotas homofóbicos pode tomar o seu "descer o porrete" ao pé da letra, e se o fizer o senhor poderá dormir tranquilo porque não poderá ser responsabilizado.
O mais engraçado nesta situação (e, por favor, caro leitor, não ria ainda) é a prova de como o mundo dá voltas. Diz o reverendo Malafaia:
"Quando um pastor chutou uma santa, a imprensa detonou os camaradas. O camarada teve que correr do Brasil por que até de morte foi ameaçado. Agora, a Parada Gay ridiculariza símbolos católicos e a imprensa não diz nada, não baixa o porrete... É isso que eles querem, botar uma mordaça na sociedade pra eles falarem o que quiserem, criticarem e ridicularizarem o que quiserem"
O pastor, no caso, era bispo e chamava-se Sérgio Van Helder, da Igreja Universal do Reino de Deus. Em 1995, durante um dos programas da madrugada da Igreja Universal, Van Helder quis provar que os santos, na verdade, eram meros bonecos, sem santidade nenhuma. O problema é que quis provar também na prática: em pleno programa de TV, ao vivo, Van Helder deu vários chutes em uma imagem da Virgem Maria. Alguém gravou (ainda era o tempo das fitas VHS) e espalhou por aí. O mundo (católico, é claro) caiu sobre a Igreja Universal e sobre Van Helder, que, salvo engano, foi para fora do Brasil, para uma das missões desta Igreja num país africano de língua portuguesa
Mas vários outros pastores apareceram em defesa da Igreja Universal e de van Helder. Entre eles (adivinhem?), o reverendo Silas Malafaia.
Então, a lição que o reverendo Silas Malafaia nos dá é essa: chutar santos, pode. Usar representações dos santos para campanhas de prevenção contra a AIDS, não pode.
E entrar com representações no MP contra pastores que aconselham "descer o porrete" no povo LGBT (e por tabela, incitar, conscientemente ou não, a violência e o assassinato contra este povo), menos ainda. O reverendo Silas Malafaia anunciou que vai entrar com processo judicial contra a ABGLT, por causa de sua representação no MP. Olhem só como ele está uma arara...
Ah, em tempo: no mesmo programa da Record em que defendeu o bispo van Helder, o reverendo Silas Malafaia avisa, em alto e bom som: "O dia em que nós, evangélicos, formos maioria no Brasil, vocês vão ver!"
"Vamos ver" o quê, reverendo Malafaia? Fogueiras tipo Inquisição ou campos de concentração para os não-evangélicos?
Aliás, este é um aviso ou uma ameaça?
Não haveria nenhum problema se a população brasileira se tornar majoritariamente evangélica. O problema é: esta maioria evangélica será livre para pensar, sem deixar de cultuar a Jesus Cristo, ou se será uma maioria fanatizada, sem senso crítico, teleguiada por suas lideranças religiosas?
Pior: e se estas lideranças religiosas desta maioria evangélica forem raivosas e intolerantes como o reverendo Malafaia?
A gente sabe o resultado desta equação: maioria fanatizada (politicamente ou religiosamente) + lideranças intolerantes = uma nação indo para o abismo. A Alemanha de Hitler que o diga.
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Por falar no velho Adolf (que Deus o persiga e o Diabo o carregue...) - e em homenagem ao reverendo Silas Malafaia (e ao mundo que ele deve sonhar para o povo LGBT) - nossa indicação de filme para hoje: Amor em tempos de guerra (Un amour à Taire – França, 2005), de Christian Fauré - destaque no 14º Festival Mix Brasil que, para variar, nenhuma distribuidora no Brasil se interessou em distribuir.
Na primavera de 1942, em Paris, Jean (Jérémie Renier) e Philippe (Bruno Todeschini) arriscam suas vidas para abrigar Sarah (Louise Monot), uma amiga de infância de Jean, cuja família foi assassinada pela Gestapo. Jean é o grande amor de Sarah, mas ele é homossexual e apaixonado por Philippe, membro da resistência francesa. Mesmo assim, os três conseguem manter uma relação harmoniosa, até que entra em cena o irmão de Jean, Jacques (Nicolas Gob), colaborador dos nazistas. Quando Jean é falsamente acusado de manter um caso com um oficial alemão, começa a descida ao inferno sob o signo do triângulo rosa.
(Para registro histórico: até a Segunda Guerra Mundial, a França era o único país europeu que não criminalizava a homossexualidade. Isso mudou com a ocupação alemã e o État Français, o regime colaboracionista do marechal Pétain e Philippe Laval em Vichy, que, sob a influência de um conservadorismo religioso exacerbado, baixou leis em 1942 tornando a homossexualidade crime grave. Os ocupantes nazistas - que já deportavam os homossexuais para campos de concentração desde a subida ao poder, em 1933 - fizeram o resto. Cerca de 100 mil homossexuais foram presos, na Alemanha e na Europa durante a guerra; cerca de 10 a 15 mil morreram nos campos. A lei anti-homossexualidade de Vichy foi mantida pela IV República francesa depois da libertação. Só em em 1981 ela foi revogada. E só em 2001 a deportação de homossexuais foi reconhecida pela França.)
Confiram o trailer.
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