09 fevereiro, 2012

DA SÉRIA SÉRIE "FILMES QUE JAIR BESTEIRARO ET CATERVA A-DO-RA-RI-AM..." (XXIII)

Eu bem que queria acabar com esta séria série. Infelizmente, os "fiscais de fiofó" (aka Frente Parlamentar Evangélica) não deixam: sempre nos surpreendem com mais uma demostração de imbecilidade.
Saiu hoje, 9 de fevereiro, n'O Globo:

Ministério veta vídeo de homens gays na campanha do Carnaval

O vídeo foi divulgado apenas durante algumas horas no site do Programa de Aids

BRASÍLIA - O Ministério da Saúde determinou ao Programa de Aids, da própria pasta, que retirasse da internet o vídeo institucional com filme com cenas de uma relação homossexual entre dois homens, que seria exibida para a campanha do Carnaval. Nas imagens, dois rapazes são apresentados numa boate, trocam carícias e são alertados por uma fada a usarem preservativo.

O filme, segundo material de divulgação do Programa de Aids do Ministério da Saúde, deveria ser exibido em TV e na internet. Estava disponível no site do programa desde sexta-feira, mas foi retirado do ar. O ministério informou na quarta-feira que o vídeo não deveria ter sido divulgado na internet e que será exibido apenas em espaços fechados frequentados por homossexuais.
[O grifo é meu, e esta pausa também, para transcrever uma pergunta feita por alguém no Facebook a respeito deste último trecho: "E o video do casal hetero? Só vai passar em lugares fechados frequentados por heterosexuais?"] 
O vídeo oficial, com logotipo do Ministério da Saúde, está sendo distribuído nas redes sociais.
Entidades e movimentos questionam a não exibição do filme na TV aberta.
Trecho do release do programa de Aids sobre a exibição deste filme, de outros, em TV:
"Os filmes a serem transmitidos pela TV e internet apresentam situações em que os públicos-alvo da campanha – homens gays jovens e um casal heterossexual – encontram-se prestes a ter relações sexuais sem camisinha. Em ambos os filmes, surgem personagens fantasiosos – uma fadinha, no caso do filme do casal gay, e um siri, no do casal heterossexual – com uma camisinha."

Ainda estão esperando uma explicação oficial do Ministério (da Falta) da Saúde a respeito desta censura/discriminação. Até lá, pensaremos o óbvio ululante: os "fiscais de fiofó" assim o exigiram
Assim como, no mês passado, os mesmos "fiscais de fiofó" conseguiram algo que, na visão de um estado LAICO, é um absurdo:

LEI Nº 12.590, DE 9 DE JANEIRO DE 2012.


Altera a Lei no 8.313, de 23 de dezembro de 1991 – Lei Rouanet – para reconhecer a música gospel e os eventos a ela relacionados como manifestação cultural.


A PRESIDENTA DA REPÚBLICA
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:


Art. 1o A Lei no 8.313, de 23 de dezembro de 1991, que restabelece princípios da Lei no 7.505, de 2 de julho de 1986, institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura (PRONAC) e dá outras providências, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 31-A:


“Art. 31-A. Para os efeitos desta Lei, ficam reconhecidos como manifestação cultural a música gospel e os eventos a ela relacionados, exceto aqueles promovidos por igrejas.”


Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.


Brasília, 9 de janeiro de 2012; 191o da Independência e 124o da República.


DILMA ROUSSEFF
Vitor Paulo Ortiz Bittencourt


E eu me surpreendo pelo fato de que, até agora, ninguém entrou com uma ação de inconstitucionalidade sobre esta lei.
Por quê?


De acordo com a justificativa do autor deste projeto, o ex-deputado Bispo Rodovalho (PP-DF),

(...) o autor destacou que a música gospel é oriunda da tradição norte-americana, mas tem se disseminado no Brasil, em eventos de grande porte com grande participação de jovens. O estilo passa a ser considerado um gênero musical oficial, podendo receber o benefício de isenção fiscal da Lei Rouanet. (Os grifos são meus.)

Leram, não é? Música oriunda de "tradição norte-americana".
Não é querer ser nacionalista demais, mas a Constituição Federal é bem clara na seção referente à cultura:

TÍTULO VIII
Da Ordem Social
(...)
CAPÍTULO III
DA EDUCAÇÃO, DA CULTURA E DO DESPORTO
(...)
Seção II
DA CULTURA
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
(...)
§ 3º A lei estabelecerá o Plano Nacional de Cultura, de duração plurianual, visando ao desenvolvimento cultural do País e à integração das ações do poder público que conduzem à: (Incluído pela Emenda Constitucional nº 48, de 2005)
I defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; (Incluído pela Emenda Constitucional nº 48, de 2005)

Como é que pode-se considerar como cultura brasileira um tipo de música "oriunda da tradição norte-americana"?
Mais do que isso: a partir da aprovação desta lei, a música gospel passa a ter direito a isenção fiscal da Lei Rouanet - ou seja, passa a ter direito ao meu, ao seu, ao nosso dinheiro suado de impostos. Nenhum problema para o contribuinte evangélico ou católico. Mas, e os contribuintes de religiões afro-brasileiras, kardecistas, budistas, muçulmanos e mesmo de outras religiões protestantes? Também terão de financiar, com seus impostos, a música gospel, que representa apenas UMA confissão religiosa, a dos evangélicos?
É... cada vez mais acho que Jair Besteiraro é injusto com a presidente Dilma Rousseff e seu governo.Toda vez que os "fiscais do fiofó" berram contra alguma coisa (especialmente sobre os direitos do povo LGBT) ou exigindo alguma coisa (esta lei Rouanet para a música gospel), ela e seu governo (o termo é meio forte, mas vá lá) ABREM AS PERNAS vergonhosamente.
Assim, a República Teocrática Evangélica Brasileira vai chegar mais rápido do que a gente pensa.
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Enquanto esta República Teocrática Evangélica Brasileira não chega (e já que falamos de religião e estado), vamos aproveitar e indicar mais um filme para a nossa séria série: Hineini: Coming Out in a Jewish High School (EUA, 2005), documentário de Irena Fayngold. (Em hebraico, "hineini" quer dizer "aqui estou")
Mas quem "sobreviveu a uma escola judaica" (como diz o título original)? Foi uma adolescente chamada Shulamit Izen. Filha de uma família judia não muito religiosa, Shulamit decide estudar numa escola judaica tradicional (isto é, religiosa) de Boston - ou seja, abraça fervorosamente a fé judaica. Ao mesmo tempo, assume sua homossexualidade para a família, amigos e professores, e decide criar um grupo de apoio dentro da escola para jovens alunos que queiram se assumir gays. O documentário acompanha a sua entrada nesta escola religiosa e sua batalha para criar um ambiente tolerante à diversidade sexual dentro dela. Afinal, para ela, religião não conflita com identidade sexual - no que está mais do que certa.

Difícil ver Hineini exibido nos cinemas. Mas bem que algum canal por assinatura - destes que exibem documentários - poderia exibi-lo, não é? (De preferência, poderia exibi-lo gratuitamente para os "fiscais de fiofó", para ver se eles se mancam...)

Enquanto não vem, que tal olharmos um trecho do filme?

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