22 setembro, 2018

DA SÉRIA SÉRIE "FILMES QUE JAIR BESTEIRARO ET CATERVA A-DO-RA-RI-AM..." (LXXIX)

Cada vez mais, o horror, o horror.
Alguém já levou seus filhos para ver uma peça chamada A menina e sua sombra de menino? Não?
Parêntesis para mais informações sobre esta peça:

“A menina e sua sombra de menino” é um espetáculo que discute, com leveza e ludicidade, brincadeiras de menina x brincadeiras de menino, seus lugares e comportamentos.
A montagem é baseada no livro “A história de Júlia e sua sombra de menino”, de Christian Bruel, Anne Bozellec e Annie Galland (1976).

Pré-estreia dia 29/07 no Teatro Sesc Prainha às 11h. Entrada gratuita.

A menina e sua sombra de menino


Repetindo: alguém já levou seus filhos para ver uma peça chamada A menina e sua sombra de menino? Não?
Então leve. O espetáculo é, no mínimo, de uma delicadeza encantadora.
Menos em Santa Catarina.
E de preferência, deixe para fazer isso fora desta época eleitoral tão agitada e sombria.
Mas deixemos que Afonso Nilson, crítico e dramaturgo, explique com detalhes por quê, em artigo no seu blog (os grifos - e alguns vídeos - são meus).

Quem tem medo de teatro?
Atualizado: há 2 dias
Hoje um grupo de teatro foi impedido de apresentar seu trabalho em uma escola no interior de Santa Catarina, na cidade de Campos Novos. Alguns membros da comunidade se organizaram via mídias sociais e ameaçaram os artistas alegando o grande “perigo” que a obra em questão representava para as crianças. A peça A menina e sua sombra de menino, Produzida pela Harmônica Arte e Entretenimento, com direção de Pepe Sedrez, que tanto amedrontou alguns moradores de Campos Novos, conta a história de uma menina que além de brincar de bonecas e pular corda, gosta também de futebol, brincar com carrinhos e jogar videogame. Não há menções à sexualidade ou ao controverso e falacioso termo “ideologia de gênero”.
Entretanto, alguns temerosos moradores camponovenses questionaram em suas redes se “era normal uma menina brincar com coisas de menino”. Outros, apoiadores de um certo candidato misógino que não nominarei, disseram que era o caso de “partir para cima dessa aberração”, e outros ainda, disseram que era tudo culpa do “Addad”. Fico imaginando que grandes riscos uma menina que brinca de carrinho e joga videogame corre. Talvez, num futuro não muito distante, essa pobre criança aprenda a dirigir um carro, assuma a liderança de algum empreendimento digital, queira votar na esquerda e, pior de tudo, acabe tendo uma consciência política e estética diferente dos seus pais e vizinhos.
O fato do cancelamento do espetáculo na pequena cidade de Campos Novos dialoga com uma série de ocorrências que vêm ao longo dos anos gerando polêmicas entre camadas da população menos afeitas ao contato com manifestações artísticas, a leitura inclusive, como o cancelamento da exposição Queermuseu - Cartografias da Diferença na Arte Brasileira, em Porto Alegre, em 2017; ou as violentas e contínuas investidas contra o espetáculo O Evangelho Segundo Jesus Cristo, Rainha do Céu, de autoria da britânica Jo Clifford, e protagonizada pela atriz Renata Carvalho. O envolvimento de sites e movimentos com pendores fragorosamente fascistas como o MBL, e outros com a mesma índole voltada à ignorância metástica, movidos por fake news e alimentados por interesses escusos, é uma constante. Convém, mesmo de maneira breve, tentar entender como se manifestam e de onde surgem esses preconceitos perniciosos e a concepção de que a manifestação artística é uma ameaça aos “bons costumes” e ao “cidadão de bem”.


Reportagem sobre o assunto no SC no ar (RIC TV-SC - afiliada RecordTV)

Há um vídeo circulando na internet em que um suposto “jornalista”, Paul Joseph Watson, expõe sua opinião perante o que ele acha que é arte de "justiceiros sociais de esquerda" e "marxistas culturais”, que manipulam o mercado em direção à uma “estética mais próxima do lixo do que da arte verdadeira". Em suas digressões, o jornalista faz uma série de confusões, como não saber diferenciar arte conceitual de moderna, comparações esdrúxulas como arte medieval e conceitual, bem como grosserias do mais baixo nível ao descrever obras e artistas contemporâneos.
Esse tipo de vídeo, bem como o teor eminentemente raso de todas as argumentações, e principalmente dos comentários da postagem com legendas em português, é sintomático em uma época em que o Ministério da Cultura do Brasil é sumariamente desmantelado, e onde uma parcela considerável da população com ensino superior, acesso à internet e à revistas e jornais acredita que sim, o Ministério da Cultura é desnecessário, ou representa um desperdício para o desenvolvimento do país. Analisar esses equívocos, e as correlações com os simplismos de pessoas que acreditam que a cultura e a arte são partes dispensáveis das políticas públicas é bastante salutar quando a expansão do pensamento fascista se espalha perigosamente entre a população, colocando em xeque décadas de desenvolvimento social e luta por direitos humanos.
A abrangência da postagem, mais de um milhão e meio de visualizações, pode nos dar ideia da repercussão do tema e da inserção desse tipo de pensamento em uma massa com cada vez mais acesso à informação e, talvez, menos reflexão sobre as consequências de suas posições na sociedade. A difusão desse tipo de ideia limitadora e ignorante sobre o que são estéticas contemporâneas, e o que elas representam em meio à exacerbação de um regime onde o capitalismo assume ares de religião instituída, é marcante como sintoma de uma época onde o turbilhão de imagens anestesia qualquer raciocínio que tenha a sensibilidade e a reflexão individual como mote. É nesse sentido que a análise de discursos de ódio à cultura se faz necessária e urgente em meio a uma horda de pseudo-entendidos que, mesmo sem nunca terem ido a uma exposição ou ao teatro, grasnam seus impropérios contra a cultura, desmerecendo os artistas e as manifestações artísticas aos quatros ventos das mídias sociais, fazendo um alarde tamanho que só a calúnia e a ignorância conseguem alcançar.
Uma das falácias contidas tanto no vídeo quanto nos comentários dos detratores da cultura, é que a arte contemporânea é elitista, coisa de uma “grande panelinha de babacas pretensiosos que tentam parecer sofisticados”. Para justificar este argumento, o “jornalista”, entre associações e conclusões disparatadas, afirma que o artista australiano hiper-realista Ron Mueck é “largamente ignorado”, enquanto Matisse é “adorado” pela crítica especializada. Ora, não há como comparar Matisse e Mueck, são pressupostos estéticos completamente dissonantes. É como tentar estabelecer comparações entre Bach e Stockhausen, Petrarca com Marllarmé, Michelangelo com Pollock; ou seja, não se pode analisar as obras do mesmo ponto de vista estético, histórico e social. São coisas completamente diferentes, mas que por um sofisma potencializado pela ignorância maciça, e um pouco de má fé, levam incautos comentadores de postagens duvidosas a compartilhar preconceitos, erros conceituais e históricos, bem como violências provindas da total falta de contato com qualquer coisa que não esteja de acordo como o padrão kitsch que rege o que se considera belo em meio à avalanche de estéticas vendáveis, facilmente deglutíveis e isentas de qualquer potencial reflexão sensível.
Talvez esse tipo de valoração monetária do mundo nos leve a um patamar aonde ao invés de uma subjetividade construída a partir do cognitivo, do simbólico, da construção social e representatividade histórica de uma obra, seu valor se resuma a sua inserção no mercado, ao quanto as pessoas a compram ou possuem, ou ao fetiche em sua posse, para usar um termo notadamente marxista. Se assim for, a razão e o raciocínio lógico sobre determinado tema não precisará mais de argumentos, comprovações factuais ou lógicas, mas quantidade de curtidas ou aprovações em mídias sociais, exatamente da mesma maneira em que a legitimidade de um impeachment não se dará mais pela observância ou não da constituição ou do regimento do congresso, e sim pela quantidade de votos angariados pelos opositores, como bem se pode observar no golpe legislativo de 2016.
Isso nos leva a uma concepção bastante tendenciosa do que é ou não arte, e do que possui ou não valor como objeto artístico. Se a qualidade na arte é apenas o que pode ser vendido, ou o que a maioria das pessoas considera de acordo com um patamar comum de potência estética, estamos fadados à asfixia subjetiva, a uma condição em que o novo, o intruso, o revoltado e o revoltante, onde o questionamento e a reflexão são tidos como aviltantes, patéticos, feios e não estéticos, pois refletir e revoltar-se não são coisas que agradem a maioria, recebam curtidas e compartilhamentos felizes. Pelo contrário, o que é estranho padece do que é criminoso, duvidoso, asqueroso e execrável.
E é por isso a performance Voice piece for soprano, de Yoko Ono, apresentada no MoMA em 2010, como parte de uma retrospectiva de arte contemporânea do museu (a peça original foi apresentada em 1961), alcançou tanta notoriedade, gerando indiscriminadamente rancor e ódio. Na peça a performer urra, grita, lamenta, arrota e vocifera aleatoriamente, selvagemente, criando sons estranhos, desconfortáveis, inusitados. A performance foi gravada e postada no Youtube, viralizando em centenas de milhares de visualizações, que ainda hoje geram enxurradas de impropérios em detrimento da arte contemporânea, da performance e da arte em geral, como se pode constatar na maneira agressiva com que Paul Joseph Watson se refere a ela em seu malfadado vídeo: “berrando feito uma cadela louca”.
O inusitado, o chocante, o contestador são elementos que destoam e se afastam do que se considera belo ou aceitável perante o mass media. Nesse sentido, uma performance como Macaquinhos pode exercer o seu frisson. Em Macaquinhos, os performers interagem tocando no ânus uns dos outros. Alguns dos adjetivos mais utilizados para descrever a cena nas redes sociais são “absurdo”, “retardados”, “lixo”, “execrável” e palavras do gênero. Mas também “peça de esquerda”, “arte contemporânea”, “coisa do governo”.
Na história do teatro várias peças, autores e artistas foram considerados execráveis. No século XIX um dos maiores escândalos das artes cênicas na Europa foi a peça Casa de Bonecas, de Henrik Ibsen (1828-1906). No texto não temos palavrões, nudez, violência explícita. Temos sim algo muito pior para as convenções da época: a liberação da mulher. Uma mulher que no século XIX escolhe abandonar o marido, trabalhar e viver a sua própria vida livre das convenções da época. Um escândalo de proporções continentais. Execrável para os padrões da época.
Nelson Rodrigues (1912-1980), clássico da dramaturgia brasileira, era um escândalo ambulante. Peça após peça, temas como adultério, perversão sexual, pedofilia, estupro, assassinato eram retratados num cotidiano muito mais familiar do que poderiam aceitar seus contemporâneos dos anos 1950 em diante. Ainda hoje montá-lo não é a coisa mais simples, e espetáculos como Viúva Porém Honesta, do grupo pernambucano Magiluth, encaram públicos violentos.
É sintomático, em um país cada vez mais reacionário, preconceituoso e fascista, que uma performance como Macaquinhos cause tanta polêmica. Pensar sobre a liberdade e a autonomia com o próprio corpo é fundamental em um país que anualmente assassina milhares de mulheres, travestis e homossexuais em uma verdadeira carnificina de gênero. Talvez Macaquinhos tenha alcançado seu objetivo levantando essas questões. Pensar a arte como além do agradável, do belo e do recreativo não é apenas fundamental para um público incapaz de processar discursos além do óbvio, mas uma questão de sobrevivência em um mundo tão dado à intolerância, à violência e à barbárie.
O trabalho, que existe desde 2011, já havia sido apresentado no Centro Cultural São Paulo e em diversas mostras nacionais e internacionais. É interessante que a repercussão sobre o espetáculo tenha se dado apenas a partir da apresentação do Sesc Ceará, em 2015, que tomou as precauções para alertar sobre a indicação etária e conteúdo da performance ao público. Atribuir a polêmica mais a uma instituição do que a obra em si denota interesses ocultos, muito além da mera revolta em questionar a qualidade do espetáculo, e é algo mais ligado ao político e econômico do que ao estético, visto que são justamente as mesmas bancadas reacionárias, repletas de fanáticos religiosos e neo-militaristas, que querem eliminar o chamado “Sistema S”, caso eleitas. Vale lembrar, nesse sentido, que o Sesc é o maior difusor privado da cultura do Brasil, responsável por alguns dos maiores e mais importantes projetos de difusão da arte no país.
Da mesma maneira, atribuir ao Ministério da Cultura a culpa por tudo o que se produz e financia culturalmente no Brasil é oscilar perigosamente entre a injustiça e a ignorância. Tentar punir uma instituição ou o mercado pela qualidade do que se produz artisticamente em um país é generalizar a parte pelo todo, julgando o todo a partir de um objeto em particular. Novamente, interesses políticos atuam perante uma massa de incapazes intelectuais, facistas e fanáticos religiosos que ingenuamente acreditam que eliminar o apoio à cultura vai melhorar as condições de vida e educação da sociedade, bem como economizar recursos aos cofres públicos. Um pensamento assim tão simplista, digno do vídeo do pretenso jornalista Paul Watson e seu pensamento dotado de uma acefalia medonha, denota não apenas a falta de acesso aos bens culturais e artísticos de um povo, mas a falta de consciência e de inteligência que só a cultura consegue suprir.
Pensar como Paul Watson e seus admiradores, criminalizando toda a arte contemporânea que não atenda aos seus gostos particulares, muito se aproxima das deliberações do congresso nazista de Nuremberg, em 1933, onde o próprio Hitler considerou a arte e os artistas modernos como uma doença, fruto das massas influenciadas por comunistas, feita por gente inferior e retratando gente inferior, uma arte degenerada e inacessível ao povo. Ele estava falando de Paul Gauguin, Picasso, Kandinski e outros artistas que para o ideal nazista de estética eram loucos ou charlatães. Corremos assim, em meio a trogloditas versados em estética kitsch, o risco de padecer da normalidade asfixiante de uma criatividade fadada a limites pré-estabelecidos pela ignorância contumaz, a estupidez fascista e o medo pelo diferente.

Parêntesis. 
Se "alguns temerosos moradores camponovenses questionaram em suas redes se 'era normal uma menina brincar com coisas de menino'", desconfio que, mais cedo, mais tarde, o próximo passo destes "defensores das pessoas de bem" (SIC) vai ser proibir este samba-choro de Milton Villela e (Yolanda) Marques Da Costa, que faz sucesso desde 1950, quando Ademilde Fonseca o levou para o disco. Já pensaram, "homens de bem" camponovenses, o mico que vocês vão pagar por sua ignorância?

Teco, teco, teco, teco, teco
Na bola de gude era o meu viver
Quando criança no meio da garotada
Com a sacola do lado
Só jogava p'rá valer
Não fazia roupa de boneca nem tão pouco convivia
Com as garotas do meu bairro que era natural
Subia em postes, soltava papagaio
Até meus quatorze anos era esse meu mal

Com a mania de garota folgazã
Em toda parte que passava
Encontrava um fã
Quando havia festa na capela do lugar
Era a primeira a ser chamada para ir cantar
Assim vivendo eu vi meu nome ser falado
Em todo canto, em todo lado
Até com quem nunca me viu
E hoje a minha grande alegria
É cantar com cortesia
Para o povo do Brasil

TECO TECO - Choro de Pereira Costa e Mílton Vilela - Ademilde Fonseca - disco Continental 16256-B, matriz 2316 - julho-agosto de 1950 - do acervo pessoal de Pedro Lecuona - Regravado por Gal Costa em 1975.
Fim do parêntesis.
Repetindo: o horror, o horror...
Da pergunta de Afonso Nilson adotou com título de seu artigo, fica uma pergunta para que vocês possam (se conseguirem) responder: por que gente medíocre tem tanto medo da arte que deseja ir e nos levar para o alto, avante e além? Quem souber, email para este que vos escreve. E para o Afonso Nilson (muito obrigado) também.

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Ah, e antes que eu me esqueça, um recado a Adélio Bispo, o frágil mental que esfaqueou o Coiso no último dia 6 de setembro: graças a você, corremos o risco de ver o Coiso se eleger presidente - justo o que você, Adélio, não queria.
E tudo por causa de sua... digamos... surdez. Se Deus lhe mandou fazer alguma coisa para impedir a resistível ascensão deste "Arturo Ui" tropical, parece que você não ouviu direito. 
Ou então, seus advogados tem razão e você sofre das faculdades mentais mesmo.

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E, meritíssimo juiz federal Bruno Souza Savino, eu pensaria duas vezes antes de achar que Adélio não é doente mental.
E umas três vezes antes de deixar que Adélio dê entrevistas a órgãos de imprensa. Seja quem ganhe a eleição (e espero - toc, toc, toc...) que não seja o Coiso...), os outros candidatos vão reclamar que isso influenciará decisão do eleitor a favor deste ou daquele candidato. Sabia disso, meritíssimo?
Sem mais, para o momento...

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Liberdade completa ninguém desfruta: começamos oprimidos pela sintaxe e acabamos às voltas com a Delegacia de Ordem Política e Social, mas, nos estreitos limites a que nos coagem a gramática e a lei, ainda nos podemos mexer.” [Graciliano Ramos, Memórias do Cárcere Círculo do Livro (sob licença da Record), 1981, p. 21]

E enquanto temos esta liberdade, indico o filme de hoje para esta séria série - aliás, ideal para essa atmosfera de horror e procura da esperança: With a Kiss I Die (EUA, 2018), de Ronnie Khalil. Dir-se-ia um filme de inspiração tripla: em Shakespeare (Romeu e Julieta), Bram Stoker (Drácula) e Sheridan Le Fanu (Carmilla - já lhes contei que essa última inspirou uma websérie com toques de humor, que por sua vez virou filme? Falarei deste último em outro texto desta séria série... se houver essa séria série depois de 7 de outubro...).
Julieta Capuleto (Ella Kweku) é arrancada da morte e transformada em vampira. Desde então, ela é forçada a viver toda a eternidade sem seu Romeu. Até que, depois de 800 anos, Julieta conhece uma mulher, Farryn (Paige Emerson) que cativa seu coração novamente e ensina que o amor e a perda fazem parte da vida, e que uma vida sem amor não é vida de forma alguma.
Fiquem com o trailer, e até lá... espero...




03 agosto, 2018

DA SÉRIA SÉRIE "FILMES QUE JAIR BESTEIRARO ET CATERVA A-DO-RA-RI-AM..." (LXXIII)

Não, não vi a entrevista (SIC) de Jair Besteiraro ao Roda Morta (assim mesmo, sr. revisor, porque Roda Viva era um programa de entrevistas onde o jornalismo imperava de verdade; a partir do momento em que o tucanato quebrou a espinha e a independência jornalística da TV Cultura e seu conselho curador baba-ovo do governador força indicação de nomes para serem entrevistados ou para realizarem a sabatina – inclusive amigos dos conselheiros ou do governante de plantão no Palácio dos Bandeirantes – passou a ser Roda Morta, quando não é Roda Presa – obrigado). Meu estômago não teria capacidade para tanto sal de fruta:

   - a sua visão torta sobre a escravidão: Os portugueses nem pisavam na África, os próprios negros que entregavam os escravos - Portugal manteve colônias na África entre 1415 e 1975 – Angola, Moçambique, Guiné-Bissau, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe; fora outros territórios perdidos – Ceuta, em 1415, hoje enclave espanhol no Marrocos, e Costa do Ouro, depois colônia inglesa com o nome de Gana, independente desde 1960. Quase neste período (séculos XVI e XIX), quase 5 milhões de negros foram trazidos à força ao Brasil para serem escravos. Só alguns destes foram comprados através de acordos com reinos africanos – em guerra uns com os outros, principalmente nos séculos XVI e XVII, que escravizavam os guerreiros capturados ou derrotados. (Sim, neste minúsculo ponto Jair Besteiraro estava correto; só se esqueceu de dizer que, mais tarde, os próprios portugueses caçariam negros para escravizar e assim economizavam o dinheiro que gastavam com os reinos africanos que lhes vendiam cativos. Sem falar que os portugueses rasgariam tais acordos, e súditos destes reinos também seriam dominados... e escravizados.)
   - Que dívida histórica é essa que temos com os negros? – ora, a dívida que o Estado brasileiro tem com os afrodescendentes desde 1888, quando foram libertados – como questão de justiça, mas também como um "que-se-dane", sem mecanismos para educação, para formação profissional, para trabalho decente etc.
   - seu racismo: Não fui maldoso quando disse que um quilombola que pesava 7 arrobas não serve nem para procriarnãããão,imagine se fosse... Tanto que foi condenado pela justiça.
- sua homofobia: Não pode o pai chegar em casa, encontrar o Joãozinho de 6 anos de idade, brincando de boneca por influência da escola - e os garotos que brincavam de bonecos do Falcon, nos anos 1980, podiam? Besteiraro insiste em pensar que, se a escola explicar o que é sexualidade e homossexualidade, os meninos vão se deixar influenciar e virar gays... Vem cá, alguém influenciou algum menino de olhos pretos a ficar com olhos azuis naturalmente, sem lentes de contato? Ou algum menino a ficar careca naturalmente, sem raspá-lo com máquina zero?
   - sobre políticas para a combater a mortalidade infantil (Tem a ver com a questão da alimentação da mãe, muitas gestantes não fazem sua higiene bucal também – como se a miséria e a falta de saneamento básico não existissem e causassem isso...)
   - sobre sua ignorância em economia e sua política (ou falta de política) econômica: Paulo Guedes é o meu posto Ipiranga! – Paulo Guedes, colunista d'O Globo, é o orientador da política econômica de Jair Besteiraro, e talvez seja o seu ministro da Fazenda caso (aaaarrrrgggghhhh!!!!) o Coiso seja eleito presidente. Digo talvez porque, em sendo economista neoliberal roxo, Guedes defende a privatização geral de todas as estatais, do Banco do Brasil à Petrobras – ideia que (pelo menos há algum tempo atrás) Besteiraro era radicalmente contra.

Para o bem de nossos estômagos, já tá de bom tamanho, não é?
Então, vamos falar de um ser que é tão ou mais preocupante quanto Jair Besteiraro: o seu eleitor. Melhor dizendo: uma das categorias de seu eleitor.
Não me refiro às bolsonaretes fanáticas – as que defendem a ditadura e a tortura, que são tão misóginos e racistas como o próprio Besteiraro. Essas precisam de mais alfafa. Ou, pelo menos, de tratamento – seja psiquiátrico (para curar essa síndrome de Estocolmo), seja educativo-cultural (mais estudo de História). Até porque eles não são a maioria, e só querem briga, polêmica e barulho.
Eu me refiro a outro tipo de eleitor do Coiso-Ruim. É o eleitor totalmente desiludido com a política (não sem razão) e bastante assustado com um mundo que ele não entende, mas que só chega até ele na forma da violência.
A análise lúcida e pertinente é de Gustavo Gindre, via Facebook, que ainda lança o alerta: tratar este eleitor desiludido com os outros bolsonaretes fanáticos (isto é, como um fascista ou um debilóide) só vai empurrá-lo cada vez mais para o colo de Besteiraro. Pior: não há um discurso para contrapor a desilusão com o establishment político, porque este mesmo establishment, em grande parte, contrinuiu para esta mesma desilusão. Os últimos pregos neste possível caixão (me dói dizer isso, mas é verdade) foram do bom (bom?) e velho Centrão (é, aquele grupo de lobistas de interesses prá lá de escusos disfarçado de "políticos") e a esquerda – que não conseguiu desalojar esse mesmo Centrão e se uniu a ele em nome da "governabilidade" (de subilatório é ROLA! É ROLA!!!!).
Então, qual a saída para esta ameaça de Jair Besteiraro presidente?
O portão de embarque do aeroporto mais próximo?
Bem tentadora.
Mas não, ainda não.
Nos estreitos limites a que nos coagem as tenebrosas transações do Centrão, as saudades de viúvas da ditadura e o desencanto, ainda podemos nos mexer.
  
UM GUIA ANTI-BOLSONARO — Lucio Caramori (publicitário)

Resolvi usar minha experiência como redator publicitário e de campanhas eleitorais pra escrever um pequeno guia aqui: COMO DERROTAR JAIR BOLSONARO NAS ELEIÇÕES 2018. Veja bem: é a forma como EU vou abordar o assunto. Sinta-se à vontade para fazer ou não.
Primeiro e MAIS IMPORTANTE ponto: a luta não é para mudar a opinião dos Bolsonaristas. É PARA GANHAR OS INDECISOS. Desista de mudar o voto de quem age por ódio, e não razão. Melhor mostrar a quem não decidiu ainda o quanto a opção Bolsonaro é um retrocesso perigoso.
Por mais absurdo que seja, os comportamentos RACISTA, HOMOFÓBICO, VIOLENTO do candidato não me parecem os melhores argumentos contra ele. Infelizmente, existe uma tendência mundial em relevar essas atitudes. O que interessa é SEGURANÇA, EMPREGO, SAÚDE.
O argumento que ele não fez NADA pela segurança do Rio de Janeiro em 30 anos de mandato vai ser mais eficaz do que comentar que ele espancaria o próprio filho se fosse gay. Porque ele sempre se vendeu como pulso firme contra a violência e não como defensor de minorias.
Um tema que acho que pode ser uma exceção é o comportamento MISÓGINO dele. Mas, mesmo assim, me refiro à gravação onde ele diz que mulheres merecem ganhar menos no trabalho. Em uma época de crise dessas, nenhuma mulher escuta isso e acha bonito.
Esqueça essa bobagem de “Não fale do bicho papão que ele desaparece”. Os eleitores deles vão continuar berrando, espalhando ódio e convencendo os indecisos no grito. Precisamos ser uma voz CONTRÁRIA, DETERMINADA, LÚCIDA e INFORMATIVA. O silêncio, nesse caso, será nossa derrota.
Não saia do grupo de WhatsApp da Família, do Trabalho, do Prédio, do Clube por causa de radicais Bolsonaristas. Seja o contraponto. Seja a pessoa que combate as fake news com informação, que aponta o radicalismo, a hipocrisia, as promessas sem planos. E uma sugestão valiosa:
Esqueça a IRONIA, o SARCASMO. As pessoas entendem isso como prepotência. O que está acontecendo é muito sério e os indecisos precisam entender isso. Deixe para os Bolsonaristas a pecha de “zueiros” e aponte o dedo para eles para falar como essa “zueira” pode acabar com o país.
Esse último ponto tem muito a ver com minha lembrança de um debate entre o Cristovam Buarque e o Joaquim Roriz na minha cidade natal, Brasília. Cristovam ironizou o jeito tosco de Roriz falar. E isso pegou muito mal com o eleitorado mais simples.
Outra sugestão: não aponte outro candidato. Mostre como a preocupação maior é não permitir a eleição de Bolsonaro. Se ele cair no 1º turno, o segundo será entre duas visões de Brasil. Aí sim, cabe discussão. Bolsonaro não tem visão nenhuma.
Bolsonaro é uma ameaça SIM e não acredite em quem diz o contrário. Trump se elegeu por descuido de formadores de opinião que achavam sua candidatura um espetáculo para a mídia. 30% nas intenções de voto não é pouca coisa e brasileiro adora prestar atenção em quem está na frente.
Bolsonaro PRECISA ser derrotado no primeiro turno. E precisa cair MUITO para ter pouca influência no segundo. Acho que ele é a maior ameaça que a nossa democracia já enfrentou nesses 30 anos. E deve ser encarado como tal.

*
30 de julho de 2018

#FicaADica.
Ou então tire seu passaporte e seu camarote de proa.

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Bom, para relaxar um pouquinho, vai aí uma sugestão de filme para esta séria série: The Miseducation of Cameron Post (EUA, 2018), de Desiree Akhavan, roteiro dela e de Cecilia Frugiuele, baseado no romance de Emily M. Danforth.
Pensilvânia, 1993. Uma adolescente – a personagem-título (Chloë Grace Moretz) – é flagrada namorando outra menina por seus guardiões conservadores. Daí, é forçada a entrar em um acampamento, onde funciona um centro de terapia de conversão (em português claro: "cura gay" – ou seja, aquela terapia semelhante às que convertem pessoas de olhos castanhos em pessoas de olhos azuis... sem lentes de contato coloridas, bem entendido...). No local, apesar da terrível realidade, ela conhece jovens como ela – especialmente Jane Fonda (Sasha Lane) – formando assim uma comunidade, e finalmente se encontra.
Fiquem com o trailer (e insistam com sua distribuidora favorita para trazer o filme para o Brasil) e até a próxima.



07 julho, 2018

DA SÉRIA SÉRIE "FILMES QUE JAIR BESTEIRARO ET CATERVA A-DO-RA-RI-AM..." (LXXII)

Tenho um amigo que é comerciante, proprietário de um bar em São Domingos, Niterói, RJ.
(Parêntesis para burros: "Ah, desde quando bar é comércio, pô?" Vem cá, ô toupeira, você vai num bar e come seus petiscos de graça? Bebe a cervejinha – ou cachaça, uísque, refrigerantes etc. – de graça? Claro que não. Você paga as bebidas e comidas que ele lhe oferece – ou seja, ele vende o que você bebe e come. Logo, bar também é comércio. Ponto. Agora vai comer sua alfafa e me deixe continuar.)
Claro, um dos problemas do qual este amigo reclama (junto com as torcidas do Flamengo, do Corinthians, do Fluminense, do São Paulo F.C., do Botafogo, do Atlético Mineiro, do Cruzeiro, do América Mineiro, do Bahia, do Vitória, do Náutico, do Sport, do Internacional, do Grêmio etc., etc.) são as contas que tem de pagar para manter seu negócio: aluguel, luz, gás... e os impostos federais, estaduais e, principalmente, municipais (IPTU, ISS).
Bem, quanto a isso, fiz uma singela e assaz irônica a este meu amigo comerciante: fecha o comércio e abra uma igreja.
Ou então (desta vez a sério), que aderisse a esta campanha:



Aí, você pergunta: "Ih, qual é, cara? Vai dar uma de ateu revoltadinho hoje?"
Não, amigos. Estou dando uma de contribuinte revoltadinho, e com razão.
A esta altura, você já deve saber, mas se não sabe lá vai: você sabia que instituições religiosas (leia-se igrejas e instituições a ela agregadas) são ISENTAS DE IMPOSTOS?
Pois é. Com o auxílio luxuoso do site Morte Súbita, resumiremos aos gentis leitores as vantagens de se abrir uma igreja:

1 - Vantagens diretas para a Igreja:

§  Isenção do Imposto de Renda
§  Isenção do IOF (Operações Financeiras)
§  Isenção do IPTU (Imóveis Urbanos)
§  Isenção de ITR (Imóveis Rurais)
§  Isenção de IPVA (Veículos)
§  Isenção de ISS (Serviços)

2 - Vantagens diretas para os pastores:

§     Direito a Prisão Especial
§     Dispensa do serviço Militar (Aguardamos as opiniões de bolsonaretes e viúvas da ditadura militar a respeito deste último detalhe.)

Resumindo: você, pessoa física, é obrigado por lei a pagar Imposto de Renda (IR), Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) sobre seu imóvel próprio (minto: dependendo dos contratos de aluguel, quem aluga um imóvel também paga IPTU) etc. E se você for pessoa jurídica, você ainda paga todos os impostos federais, estaduais e municipais a respeito. Já uma instituição religiosa fica isenta de tudo isso.
A esta altura, você também já deve saber deste outro grande detalhe. Mas se também não sabe, lá vai: você sabia que ABRIR UMA IGREJA É MUITO MAIS FÁCIL, MAIS BARATO E MAIS RÁPIDO DO QUE ABRIR UMA EMPRESA?
Pois é 2, a missão. Na época, segundo matéria de Hélio Schwartzman para a Folha de S. Paulo, em 2009, quem quiser abrir uma empresa no Brasil passa por 13 procedimentos burocráticos, durante 119 dias, que saíam por R$ 2.038. Já para abrir uma igreja, eram necessários apenas cinco dias (não consecutivos) e um custo de R$ 418. (Isso em 2009. Hoje, salvo engano, o custo é ainda menor: R$ 114,99)E, para mostrar como isso era fácil demais, o articulista juntou mais cinco colegas de redação e... abriu a sua própria igreja, a Igreja Heliocêntrica do Sagrado EvangÉlio (assim mesmo, sr. revisor, em auto-homenagem gozativa do próprio Hélio a ele mesmo – obrigado).


O "custo Brasil" para abrir uma igreja e para abrir uma empresa.
Infográfico do artigo de Hélio Schwartzman para a Folha de S. Paulo, 29 de novembro de 2009.

Aí, você se pergunta: por que tamanho mamão-com-açúcar para as igrejas? De acordo com este artigo do site Politize, as razões são as mais nobres possíveis:

As religiões podem ser consideradas como de interesse social e de função muito importante para a vida de grande parte dos brasileiros. De acordo com o Censo Demográfico de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 92% da população do País segue alguma religião.
Além disso, são organizações sem fins lucrativos e que, teoricamente, não comercializam produtos ou vendem serviços, portanto a imunidade de tributações estimula a permanência e expansão de religiões no País.
Do contrário – caso fossem tributadas -, determinadas entidades religiosas sofreriam grandes dificuldades financeiras, o que poderia levar à extinção de tais instituições.
Outro ponto importante a favor do direito de imunidade tributária, é a equidade entre todas as entidades religiosas. Não há privilégios tributários para templos específicos. O direito é igual para todos.

(Mais um parêntesis. Por "equidade entre todas as entidades religiosas", entenda-se: pouco importa se é uma religião séria, verdadeira, ou uma igreja "caça-dízimos-de-fiéis-para-encher-o-pandulho-do-espertalhão-autodenominado-pastor": ambas tem a mesma proteção da lei. Fim do parêntesis.)

Mas voltando ao Morte Súbita: ainda tem as vantagens indiretas a respeito da isenção fiscal de igrejas:

3 - Vantagens Indiretas:

Autonomia jurídica
- Por motivos de consciência você poderá acionar um bom advogado para conseguir isenção de alguma lei que vá contra sua crença. A Igreja do Vegetal por exemplo, já conseguiu o direito do uso de psicotrópicos em seus rituais! O limite é apenas sua imaginação e caráter.
Isenção de Direitos trabalhistas - Não existe vínculo empregatício para os ministros que trabalharem em sua igreja e portanto não existe legislação trabalhistas para atrapalhar seu relacionamento com seus os sacerdotes de sua religião.
Poder Político - Com um pouco de empenho, logo você terá em seu comando um grande número de fiéis que poderão ser usados para preencher abaixo-assinados,  reivindicar coisas às autoridades e a imprensa ou mesmo fazer um multiarão para construção dos templos. Se você tiver talento em poucos anos poderá entrar para a política com seu próprio curral eleitoral.
Diversão garantida - Você poderá organizar seus próprios rituais públicos, como batismos, exorcismos, funerais, missas e reuniões dos mais diversos tipos. No Brasil, por exemplo, o casamento religioso tem efeito civil, conforme diz a Constituição Federal, artigo 226, parágrafo 3º. 


Entenderam o negócio do bagulho?
Por isso, não à toa, eu fiz a sugestão irônica a este meu amigo de abrir uma igreja no bar. Melhor dizendo: manter o bar funcionando, mas mudar seu registro: de microempresa para... igreja. Até porque já tem gente fazendo isso – CQD matéria de O Globo de domingo, 24 de junho de 2018:

Para a Receita Federal e a Secretaria Municipal de Fazenda, a Igreja Sanctuário fica numa rua da Tijuca. No endereço, um muro multicolorido tem um cartaz que oferece vagas, mas não no céu. O espaço é, na verdade, um estacionamento. A aproximadamente 16 quilômetros dali, um imóvel deveria abrigar a Igreja Pentecostal Ministério da Fé de Madureira. Sem identificação na fachada, a casa é um asilo para idosas. E, na Barra, pelo que consta nos registros oficiais, a Igreja Life ocupa uma sala alugada num prédio comercial. Mas o que se vê lá é o escritório de um advogado, que fundou a organização religiosa no ano passado.

Ninguém entendeu ainda? Então vamos adiante, relembrando:

As vantagens daqueles que obtém o código de templo na Classificação Nacional de Atividades Econômicas (Cnae), da Receita Federal, não são poucas. A começar pela imunidade de impostos, garantida pela Constituição Federal. Com Cnae e CNPJ em mãos, o responsável por um templo de qualquer natureza pode solicitar à prefeitura a dispensa do recolhimento de IPTU e ISS. Igrejas também não precisam pagar Imposto de Renda sobre doações recebidas e aplicações financeiras, nem IPVA sobre veículos adquiridos. Estão livres ainda da contribuição patronal para o ISS de seus empregados.

Entenderam agora a malandragem da igreja-que-na-verdade-é-um-estacionamento-pago, da outra igreja-que-na-verdade-é-um-asilo, e da igreja-que-na-verdade-é-um-escritório-de-advocacia (apesar das desculpas esfarrapadas de seus pastores-proprietários, como as do dono da igreja-que-na-verdade-é-um-estacionamento-pago: "Daqui a sete ou oito meses, queremos construir uma igreja. Até lá, preciso arcar com os custos de manutenção do terreno. Tenho que pagar, inclusive, o IPTU" – potoca: o endereço oficialmente registrado da igreja não paga IPTU)? Funcionando como negócios comuns, lucram tranquilamente, com alguma mais-valia a mais. Cadastradas como igrejas, não pagam imposto nenhum sobre os lucros do negócio que funciona pra valer.
Fica aquela pergunta que não quer calar: isso é justo com quem abre uma empresa e paga as contas e os impostos devidos para continuar funcionando? Sim ou não?
(Antes que você responda: não, não estou me referindo às grandes empresas e corporações – especialmente as que se salvam com aplicações rentistas, sonegações de impostos, doações a campanhas eleitorais de políticos que poderão perdoar os impostos sonegados e reduzir os impostos de suas aplicações rentistas etc. Estou me referindo a micro, pequenas e médias empresas, que realmente abrem empregos, mas acabam – se me permitirem o termo – levando na tarraqueta...)
Fica outra pergunta que não quer calar: falta fiscalização para coibir esta (sim, eu sei que estou sendo grosso, mas não conheço outro termo melhor) putaria?
Claro que sim. E, lamento dizer, continuará faltando enquanto faltar coragem e vontade políticas dos administradores públicos em cargos executivos (prefeitos, governadores presidentes). Especialmente enquanto políticos (principalmente da direita, mas infelizmente não só eles) continuarem cortejando pastores evangelicuzinhos para conseguir os votos dos fieis do qual arrancam os dízimos. E enquanto facilitarem a vida de tais igrejas e seus líderes, uma vez eleitos. (Se tal administrador eleito for também, ele mesmo, um religioso, aí é que os vendilhões de todos os templos deitam e rolam, sem fiscalização para lhes encher o saco com coisinhas de somenos importância, como pagamento de impostos devidos – não é mesmo, bispo Marcelo Crivella, apelidado por Aldir Blanc de Crivellório?)
Fora uma das utilidades mais antigas destas igrejas de vendilhões: a lavagem de dinheiro de fontes obscuras e duvidosas, como corrupção propinas e afins – não é mesmo, Silas Mala-Sem-Alça-Faia?
Somando-se esta renda às dos dízimos arrancados dos fieis – ainda que tal pastor tenha de dar broncas a fieis que doam cartões, mas não dão as senhas (não é mesmo, Marco Feliciânus?), aí mesmo é que tais igrejas estão num verdadeiro céu na terra.
Não é à toa que a Associação Brasileira de Ateus e Agnósticos (ATEA) apresentou ao Senado, em março de 2015, uma Sugestão Popular, a SUG 2/2015. O argumento da ATEA para tal Sugestão é bem simples: Num Estado laico não faz sentido dar imunidade tributária a uma parcela das instituições do Brasil apenas porque são religiosas. Qualquer organização que permita o enriquecimento de seus líderes e membros deve ser tributada.

Ainda o texto do Politize:

Em 2013, uma lista divulgada pela revista Forbes enumerou os líderes evangélicos mais ricos do Brasil, tendo Edir Macedo, dono da Igreja Universal do Reino de Deus, em primeiro lugar, com 2 bilhões de reais; Valdemiro Santiago, fundador da Igreja Mundial do Poder de Deus, em segundo, com 400 milhões; e em terceiro lugar, Silas Malafaia, presidente da Assembleia de Deus Vitória em Cristo, com 300 milhões.
Além disso, escândalos envolvendo organizações religiosas também motivaram a ação pelo fim da imunidade tributária a templos de qualquer culto. Um exemplo disso foi o caso do Templo de Salomão, sede da Igreja Universal do Reino de Deus em São Paulo, que foi alvo de suspeitas no período em que foi construído. Todo o material utilizado na edificação – principalmente os 40m² de pedra importados – não sofreu tributação. Devido a essa quantidade, foi considerada a possibilidade de desvio de recursos da obra. Entretanto, não houve investigações sobre o caso.

Em suma: fizessem como a Assembleia de Deus Ministério Lagoinha, liderada pelo pastor Fábio Mendonça, na cidade de Araruama, Rio de Janeiro, que aplica os dízimos e ofertas arrecadados na construção de moradias para os fiéis mais pobres, que não tinham onde morar, vá lá.
Fizessem como a Segunda Igreja Batista em Tocantinópolis (TO), que – como parte de um projeto social da congregação, chamado Programa Cristo Vive em Mim reuniu recursos e fiéis voluntários para reformar a casa de um idoso, Angerico, que vive há muitos anos na cidade, vá lá. Em ambos os casos, entenderíamos a isenção tributária de uma igreja, para que seus recursos atendam os seus fiéis.
Agora, isenção tributária para comprar jatinhos de luxo ou acumular fortunas "em nome da igreja" (para usufruto de seus líderes supremos – tipo o tio de Crivellório, Edir Macedo)? Aqui, ó!


E antes que eu me esqueça:



Em tempo: a Sugestão Popular SUG 2/2015 alcançou, em 2016, 87 mil votos a favor da proposta e 23 mil contra. Com isso, a proposta foi para a Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado, onde aguarda parecer. Se depois do parecer a matéria tramitará suavemente, isso são outros quinhentos (milhões de reais?). Depende da presença da Frente Parlamentar Evangelicuzinha – leia-se "o primeiro B (de bíblia) da bancada BBB (os outros Bs são do boi – o agronegócio – e da bala – o pessoal financiado pela Taurus que quer acabar com o Estatuto do Desarmamento) – e do que ela vai fazer a respeito desta SUG 2/2015. Se bem que temos uma ideia do que fará...
Enquanto isso não se resolve – e enquanto micro, pequenos e médios empresários, clara e honestamente cadastrados como micro, pequenos e médios empresários (com o perdão do termo) se f... pagando todos os impostos que as igrejas não pagam enquanto arrancam dízimos seus fiéis, ou abrem negócios comerciais com registro de igrejas, para lucrar ainda mais sem pagar os impostos que nós, os otários... digo, os comuns mortais pagamos, o que meu amigo comerciante em São Domingos vai fazer para pagar as contas?
Bom, eu já sugeri a este meu amigo no começo deste texto, mas não custa nada sugerir de novo – desta vez, a sério: abra uma igreja no mesmo local de seu ilustre bar. Se eu puder sugerir um nome, lá vai a sugestão: Igreja Pagã da Sagrada Cevada. E você, meu amigo comerciante, será o Sumo Sacerdote, o Líder Supremo desta nova igreja.
Os mandamentos desta nova igreja ainda estão em elaboração, mas um já é pétreo e definitivo: amarás a cerveja (e também a cachaça, o uísque, o conhaque etc. – tua igreja não será discriminatória...) e a alegria acima de todas as coisas.
Fora as vantagens que sua nova igreja terá:

Autonomia jurídica - Lembrando: "Por motivos de consciência você poderá acionar um bom advogado para conseguir isenção de alguma lei que vá contra sua crença." Lembra da tal Igreja do Vegetal que conseguiu a liberação de psicotrópicos para seus rituais? Pois é. Você pode fazer o mesmo com a cerveja (e também a cachaça, o uísque, o conhaque etc.) e os petiscos: todos eles serão produtos sagrados e essenciais aos rituais da Igreja Pagã da Sagrada Cevada. Sendo sagradas, todas as bebidas e comidas que você comprar em nome da Igreja serão isentas de impostos. Assim poderão ser vendidas a preços ainda baratos... quer dizer... doadas aos fiéis em troca de um dízimo acessível.

Isenção de Direitos trabalhistas – Ou seja, a menos que os ilustres garçons... digo, sacerdotes se tornem cofundadores da igreja, poderão ser gentilmente convidados a se retirar dela a qualquer momento. (Ou seja: nem precisava desta "reforma" trabalhista do Vampirão, que deixa faca e o queijo na mão dos patrões – dos grandes empresários, bem entendido; os micro, pequenos e médios empresários continuam se f... do mesmo jeito de antes.)

E claro...

Diversão garantida – "Você poderá organizar seus próprios rituais públicos, como batismos, exorcismos, funerais, missas e reuniões dos mais diversos tipos." Ainda estou pensando como serão os cultos da nova igreja. Mas uma coisa já está decidida: os cultos serão diários, das 18 horas até a hora que os fiéis (e o Sumo Sacerdote) cansarem – meia noite, uma ou duas da manhã.
E todos os cultos da Igreja Pagã da Sagrada Cevada começarão da seguinte maneira:

1- O Sumo Sacerdote segurará em uma das mãos o "cálice sagrado" da Igreja (este poderá ser uma taça de cerveja bem elaborada – tipo da Stella Artois – mas se não tiver, um canecão digno da Oktoberfest serve...);
2- Dentro deste "cálice", um dos sacerdotes colocará o "liquido sagrado" (cerveja – de preferência, geladíssima: será pecado brutal para esta Igreja beber cerveja quente...) até enchê-lo;
3- Então, o Sumo Sacerdote fará o ritual inicial do culto. Nada de sinal-da-cruz nem de "Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, amém": o Sumo Sacerdote girará uma das mãos em torno do "cálice sagrado" de cima para baixo, a partir da sua direita, dizendo:

Em nome do malte... (gira a mão para o alto do "cálice") ...do lúpulo... (gira a mão para a esquerda do "cálice") ...da cevada... (gira a mão para baixo, na base do "cálice") e... ah, sim... do milho também. EVOÉ!

Findo o ritual, o Sumo Sacerdote beberá o conteúdo do "cálice" (afinal, sumos sacerdotes não são de ferro...) até o fim. É o sinal para que os outros sacerdotes distribuam o "líquido sagrado" aos fiéis (em troca do devido dízimo, é bom lembrar...) até o fim do culto.

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Ah, sim: Evoé pra vocês também

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A propósito: em país sério, um governante como Crivellório – aka bispo Marcelo Crivella, da Igreja universal (Estelionatária) do Reino de Deus – estaria enfrentando um processo de impeachment por oferecer favores imorais a um grupo da cidade onde é prefeito em detrimento de todos os cidadãos. Como os favores que ofereceu a um grupo de pastores (às custas dos impostos dos cariocas) em evento secreto no Palácio da Cidade: "ajuda a pastores e líderes de igrejas que tenham problemas com IPTU em seus templos ou que queiram angariar fiéis que necessitem de cirurgias de catarata e varizes" – em evento claramente destinado a apoiar seu pré-candidato a deputado federal pelo, Rubens Teixeira (PRB)Mas estamos em Terra Papagalli, e aqui só sofre impeachment quem é relativamente honesto e se recusa a transigir com sacanagens – tipo assim, a ex-presidente Dilma Rousseff, deposta por se recusar a se render às (se me perdoarem o termo) putarias de Eduardo Cunha, Michel Temer e catervada.


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E agora, as nossas duas sugestões para esta séria série.
Duas?
Sim. Uma delas – já que falamos de religião – já está em cartaz: Desobediência (Disobedience – EUA, 2017 ), de Sebástian Lelio, baseado no livro de Naomi Alderman. E só a sugerimos porque gostaríamos imensamente que você assista este filme, antes que saia de cartaz logo.
A história é bem simples (simples?). Uma mulher, Ronit Krushka (Rachel Weisz) retorna à sua comunidade judaica ortodoxa para o enterro de seu pai, um rabino ultraconservador. A mesma comunidade a evitou décadas atrás por sua atração por uma amiga de infância, Esti (Rachel McAdams), hoje casada com um amigo em comum, Dovid Kuperman (Alessandro Nivola) e conformada com as normas rígidas desta comunidade. Uma vez de volta, a paixão das duas se reacende enquanto exploram os limites da fé e da sexualidade.
Dêem uma olhada no trailer.



Mas o objetivo das sugestões para esta séria série é indicar filmes para as distribuidoras do país, para que elas se interessem em trazer para esta Terra Papagalli. Daí, a nossa segunda sugestão: First Girl I Loved (EUA, 2016), de Kerem Sanga
.A história é relativamente simples, e poderia até passar (num mundo perfeito) na Sessão da tarde: Anne (Dylan Gelula), de dezessete anos, se apaixonou por Sasha (Brianna Hildebrand), a garota mais popular da escola pública onde estuda em Los Angeles. Mas quando Anne confessa isso a seu melhor amigo Clifton (Mateo Arias) – que sempre teve uma paixão secreta - ele faz o possível para atrapalhar essa paixão.
Deleitem-se com o trailer, e até a próxima.



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Ah, sim: mais uma vez, Evoé pra vocês também.

13 junho, 2018

DA SÉRIA SÉRIE "FILMES QUE JAIR BESTEIRARO ET CATERVA A-DO-RA-RI-AM..." (LXXI)

Antes de entrar no assunto em pauta desta séria série, permitam-me transmitir um breve recado à reitoria, pró-reitorias e, principalmente, coordenadores de seus cursos de ciências jurídicas (Direito, para ser mais claro) da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ):
Se não for muito difícil, gostaria que reforçassem, em seus cursos de direito, o ensino das leis de combate ao racismo e suas consequências, tanto penais – Artigo 140, parágrafo 3º do Código Penal, que trata de injúria racial, punida com reclusão de um a três anos e multa, além da pena correspondente à violência, para quem cometê-la, e a Lei n. 7.716/1989 quanto sociais.
De preferência, gostaria que tais aulas fossem reforçadas para valer para o grupo de estudantes de Direito da PUC-RJ que foram torcer nos Jogos Jurídicos Estudantis, em Petrópolis (RJ), que terminaram no último dia 3 de junho. E que terminaram com demonstrações explícitas de racismo dos estudantes de Vossa PUC-RJ contra alunos de direito da UERJ, Universidade Federal Fluminense (UFF) e Universidade Católica de Petrópolis (UCP – ou seja, nenhuma sororidade entre as universidades católicas...): os moços jogaram bananas na quadra e imitaram macacos – cretinice que chegou ao clímax (é força de expressão, porque racismo é brochante...), principalmente durante a final do handebol feminino entre PUC-RJ e UFF chamaram as atletas da UFF afrodescendentes de"macacas". (Se essa ideia de jerico – no mínimo – foi para atrapalhar o jogo, não adiantou nada: o time da UFF ganhou.)
Isso, meus senhores, é muito importante para eles próprios, os estudantes da PUC-RJ: evita, no mínimo, que em um futuro, eles deixem de passar vergonha tanto no débito como no crédito, como agora.
No débito porque as outras universidades estão deitando e rolando em cima dos senhores, entre gozações do tipo Já dizia o ditado dos old times do direito uff:"Na PUC só tem cuzão" kkkk e protestos contundentes, como mostram os vídeos abaixo:



E no crédito porque, além de perderem o título geral e ficarem de fora próximos dos Jogos Jurídicos, ganharem de "presente" uma sindicância interna da própria PUC-RJ e uma nota oficial de protesto, assinada por juízes afrodescendentes, ainda tem as consequências sociais que já lhe falei: a menos que o dono seja um bolsonarete, qual escritório de advocacia vai contratar uma besta quadrada destas? (E, para efeito na vida privada: qual moça ou rapaz vai namorar um/uma imbecil deste quilate-mas-não-morde?)
Fora o dano para a própria imagem da PUC-RJ, já muito arranhada por casos de racismo dentro dela – apesar de seu pioneirismo referente à inclusão social, como os senhores mesmos relembram em sua nota oficial a respeito:

Permanecemos fieis ao pioneirismo na promoção da diversidade e da igualdade racial, pois foi a PUC-Rio o berço dos pré-vestibulares comunitários para negros e carentes, a primeira instituição particular brasileira a instituir política de acesso e permanência de alunos negros e carentes, mediante concessão de bolsas de estudo, auxílio financeiro para custeio de despesas de alunos bolsistas, por meio do programa FESP (Fundo Emergencial de Solidariedade da PUC-Rio) e a primeira instituição a oferecer disciplina na graduação sobre ações afirmativas.

Não só o racismo arranha a imagem dos cursos da PUC-RJ: o seu curso de economia já teve sua imagem bem arranhada pelo febeapá cometido pela ekipekonomica (copyright Elio Gaspari) de FHC (leia-se: populismo cambial), nos anos 1990 – que incluía quadros deste nobre curso, como Gustavo Franco e Pedro Malan. Os senhores não vão querer que seu curso de direito sofra o mesmo desprestígio, não é mesmo?

Sem mais para o momento,
Obrigado de nada.

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Ah, sim, por falar em Jogos Estudantis: sabiam que houve um casamento entre duas estudantes da UFF, Larissa Maia e Vanessa Faria,durante os Jogos Universitários de Comunicação Social (JUCS), que aconteceram em Vassouras (RJ), no feriado de Corpus Christi deste ano de 2018? 
Pois é. Isso ainda merecerá um novo post desta séria série. Por enquanto, ficamos com o fato: como os JUCS parecem diferentes em sua mentalidade, em comparação com os Jogos Jurídicos, né não?

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Dados os breves recados, voltemos à vaca fria.

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Moça, você é machista.
Não, não estou falando da gentil e combativa leitora que por acaso deve estar lendo estas mal traçadas linhas.
É que me lembrei de uma página no Facebook com este nome ao ler esta notinha publicada na coluna do Ancelmo Gois n' O Globo  (aconselho, aliás, à gentil e combativa leitora que coloque um copo d'água e sal de frutas à sua disposição, após acabar de ler):

ELEITORA DO BOLSONARO
Desembargadora que insultou Marielle agora dispara contra as feministas
POR ANCELMO GOIS
04/06/2018 06:15

Reprodução da publicação da magistrada | Reprodução

A desembargadora do Rio Marília Castro Neves, que divulgou calúnia contra Marielle, voltou a disparar farpa no Facebook. Num post, ela, que se declara eleitora de Bolsonaro, pede que, caso venha a morrer, ninguém permita que sua morte seja usada pelas Feminazis (uma mistura de feminista com nazista) “como bandeira para sua causa perdida”.

Isso me leva um pedido ainda mais importante: alguém que possa me ajudar a responder três perguntas básicas.
Primeira pergunta: o que levam várias mulheres (a "gentil" – assim mesmo, entre aspas, obrigado – desembargadora é apenas uma delas) a ser ainda mais machistas, porco-chauvinistas e antifeminismo do que os homens?
Pessoalmente, tenho várias teorias. Talvez seja uma síndrome de Estocolmo piorada – cortesia (talvez) de uma didática secular (ou milenar) que parece ensinar o oprimido a amar tanto a ideologia do opressor que passa a defende-la com unhas e dentes e com mais ênfase do que o próprio opressor). Ou então a "gentil" desembargadora tenha maratonado The Handmaid's Tale (sim, porque ler o livro acho meio impensável em se tratando de pessoas deste quilate-mas-não-morde...) e concluiu que este seria o mundo ideal para que mulheres como ela devam viver...
Porque eu não entendo como podem ter mulheres que são contra o feminismo – que, se não me engano (gostaria que as gentis e combativas leitoras me esclarecessem, para que eu não pague um king kong neste texto), é a luta de mulheres por direitos iguais na sociedade – a ponto de incorporar conceitos (eu disse "conceitos"? Mil desculpas. É que eu estava indeciso entre "Preconceitos" e "ideias de jerico", o que para mim são a mesma coisa...) inventados principalmente por machistas, porco-chauvinistas e evangelicuzinhos fundamentalistas e aplaudidos por bolsonaretes para desqualificar a luta das mulheres e, quem sabe, tirar os direitos que conseguiram até agora.
"Feminazi", por exemplo: o "nazi" implica em afirmar que as reivindicações feministas por igualdade estão sendo impostas ditatorialmente – e não é, nem nunca foi o caso. (Fora outros "febeapás" que acompanham este termo cretino: desde quando, para ser feminista e lutar pelos direitos das mulheres, é preciso não cuidar de sua aparência? Feministas também se depilam, se maquiam, e, querendo, tingem o cabelo de louro e fazem plástica. Ainda mais quando o objetivo de uma mulher é manter sua autoestima, não para "conquistar um marido" – assim mesmo, sr. revisor, entre aspas, obrigado. E, da mesma forma, tem mulher que mantém sua autoestima sem se pintar, maquiar etc. – afinal, quanto menos for obrigatório para uma mulher, melhor. Será que machistas, porco-chauvinistas, evangelicuzinhos fundamentalistas e bolsonaretes já ouviram falar de livre escolha?)
O problema é que – pelo menos nos últimos 500 anos de civilização humana – o que mais foi imposto na marra foi, justamente, uma noção de "superioridade" do homem, o que, "justificava" (assim mesmo, sr. revisor, entre aspas, obrigado) mil e uma limitações e proibições à mulher, para que ela se limitasse a "cumprir seu único papel na sociedade (assim mesmo, sr. revisor, entre aspas de novo, obrigado): casar, cuidar da casa, transar com o marido sempre que ELE quisesse e parir filhos. E o problema 2, a missão (e parece que a "gentil" desembargadora se esquece disso), é que, se tais proibições vigorassem até hoje, ela nem sequer teria direito a dar opinião – como aliás, Carol Patrocínio informa a "moças de família" (SIC) como a "gentil" desembargadora, em um texto muito instrutivo, "9 Coisas Que As Vadias/Barangas Feministas Conquistaram Para Você, Inclusive Pras Anti-Feministas" (Calma: esse é o título do texto, em chave de IRONIA):

É fácil dizer que você é feminina e não feminista – porque você nem nota o quão sem sentido é dizer isso –, que feministas são mulher mal comidas que não melhoraram em nada a sua vida ou que as lutas do movimento feminista são inúteis. Difícil, amigas, é abrir mão das coisas que o movimento feminista te deu de presente.

1 – A possibilidade de ter opinião
Sabe quem lutou e mudou as coisas para que você possa ser anti-feminista? As feministas! O mundo é realmente engraçado, né?

2 – Poder vestir calças compridas
Olhe para suas perninhas: tem uma bela calça quentinha aí? Pois é, foram as feministas que permitiram que você pudesse escolher não usar saia – e usar a saia no comprimento que bem entender.

3 – A chance de trabalhar
Onde você está agora? No trabalho. É… foram elas, as feministas do passado, que deram um jeito de você poder trabalhar no que gosta. É claro que trabalhar, por si só, foi uma necessidade do mercado, mas poder escolher? Ah, isso foram elas. E no fim é o mais importante, né?

4 – A possibilidade de escolher com quem quer se casar
Antes você seria vendida pela sua família. Tudo se basearia em interesses e negócios. Puro business. Você seria só mais um produto que poderia garantir mais dinheiro para a família, sem sentimentos, sem desejos, sem ação ou agência. Não é uma delícia poder escolher por si mesma?

5 – O direito de amar quem quiser
Essa coisa de amor é demais, né? Deixa o coração quentinho ter ao lado alguém que se importa com a gente, nos respeita e olha para nós como os seres humanos incríveis que somos. Coisa de feminista, preciso dizer.

6 – Uma lei que te defende de agressores
Maria da Penha é uma lei que inspira políticos do mundo todo, sabia? Ela diz que nenhum cara pode encher a mulher de porrada e sair ileso. É um avanço incrível para uma sociedade que até outro dia achava que mulher era posse. Os esforços foram feministas.

7 – Poder gostar de sexo
Imagina só, antes do movimento feminista, dizer que você gosta de sexo? Seria um escândalo e talvez você fosse apedrejada em praça pública. Mas hoje… Hoje você pode gostar de sexo, se divertir com isso e ainda pode escolher com quem vai transar. Mágico, né?

8 – A possibilidade de não engravidar mesmo fazendo sexo
Incrível, né? Revolucionária essa coisa da pílula anticoncepcional e a possibilidade de transar apenas por prazer. Feministas tiveram um dedo aí, tá?

9 – Direito ao voto
Coisa da Bertha Lutz, uma feminista. Antes os homens votavam por nós porque representavam os nossos interesses. Ahan.

Tudo isso é apenas uma parte do que o movimento feminista lutou para que todas as mulheres tivessem acesso, algumas das coisas que mais nos tornam livres hoje em dia foram resultado direto ou indireto dessas movimentações.

Posso acrescentar (só para dar um exemplo) mais uma coisa? Não fosse o feminismo, as mulheres nem sequer poderiam estudar em universidades. (Sério: no século XIX, mulheres não entravam nas faculdades. Maria Augusta Generoso Estrela, a primeira mulher a se formar médica no Brasil Império, só o conseguiu estudando... em uma universidade dos EUA). E Rita Lobato, a primeira mulher a entrar numa faculdade de medicina brasileira, só o conseguiu em 1883, após o decreto imperial nº 7247, em 19 de abril de 1879, de D. Pedro II.
Ou seja: mantidas tais proibições, a "gentil" desembargadora, por exemplo, nunca poderia cursar Direito, nunca poderia entrar para a magistratura, e nunca chegaria a ser desembargadora e ganhar a posição que lhe dá destaque aos seus despautérios. Teria ela pensado nisso?

Segunda pergunta: o que levam algumas pessoas a ter essa incontinência verbal que as leva a falar antes de pensar?
Sim, porque isso já me parece um caso psicológico (pra não dizer psiquiátrico). Salvo engano, todos os seres da espécie Homo sapiens costumam pensar antes de fazer qualquer coisa – inclusive falar. Neste último caso, também costumam observar as coisas em sua volta antes de pensar e proferir uma opinião.
Pois parece que isso está mudando com a internet (e as redes sociais, em particular). Nelas, parece que a necessidade de digitar alguma coisa rapidamente está suplantando a capacidade de raciocinar antes. É isso mesmo, produção?
Ou será que meu amigo Gustavo Gindre tem razão ao achar que estamos construindo personalidades cindidas, como se fossem dois mundos diferentes, e que a facilidade que as pessoas têm para ofender e agredir nas redes sociais não é transposta para a vida lá fora? Tipo assim, dupla personalidade à lá Bezerra da Silva: nas redes sociais "é um bicho feroz": fora delas, "anda rebolando e até muda de voz" (no sentido figurado... calma aí...)?
Se for assim, não se Freud ou Jung explicariam isso.

O que nos leva a terceira pergunta: por que é que o poder judiciário brasileiro, além de exigir dos candidatos a magistrados o de sempre – notório saber jurídico e reputação ilibada – não exige também exames psicológicos (tanto na época da nomeação, quanto periódicos, de quatro em quatro anos), para auferir se o candidato a magistrado tem equilíbrio mental e emocional para aplicar a lei?
Se ainda não sabem, dir-lhes-ei (copyright Jânio Quadros): sou contra a adoção legal da pena de morte no Brasil. (E também sou contra a pena de morte ilegal que traficantes e milicianos aplicam ao arrepio da lei.) Mas sabem como é, sempre tem outros imbecis defendendo a adoção da pena capital, dizendo que lá na Indonésia e nos EUA isso resolve a criminalidade, sem sequer observar que:

1- Se a criminalidade diminuiu nos EUA nos anos iniciais a partir de 1977, quando a pena de morte voltou a vigorar, atualmente os índices de criminalidade estão bem altos; e
2- Desde os tempos do ditador Suharto que a Indonésia não é nenhum modelo de combate à corrupção. Ou seja, se qualquer otário que chega ao país com maconha ou cocaína malocado na bagagem é passado nas armas (tradução: fuzilado), quem me garante que grandes chefes de carteis de drogas (logo, donos de recursos financeiros enormes à disposição do "faz-me rir" habitual das "otoridades" indonésias) que atuam por lá são sequer incomodados?
Pois então, já que supunhetamos no assunto (copyright Aldir Blanc), vai que um dia um Congresso Nacional ainda mais conservador do que o atual aprove a pena de morte. Para julgar uma pena assim definitiva (porque futuras anistias e revisões de pena para quem for condenado à morte injustamente – sim, gentis leitoras e leitores, a justiça erra – só poderão ser póstumas, já que a vida do condenado não poderá ser devolvida) é preciso que um juiz observe minuciosamente os autos do processo e, sobretudo, tenha equilíbrio.
Então, imagine um processo de pena de morte examinado e julgado por juízes como a "gentil" desembargadora. Que, aliás, não é única representante dos porraloucas no poder judiciário. Ou por aquele "meretríssimo" juiz que se julgava Deus – é, aquele mesmo que processou uma agente de trânsito que teve a "ousadia" de multa-lo, só porque estava dirigindo um carro sem placas e sem a carteira de motorista, que havia sido apreendida faz tempo. (E, pior, que ganhou o processo em duas instâncias – cortesia do esprit de corps, d'aprés esprit de cochon, do judiciário fluminense?).
Ou por este juiz que mandou bala (mesmo: tiros e mais tiros, já que juízes tem o privilégio de portar armas) em seu vizinho de condomínio:

O osteopata Pedro Augusto Guerra fica ofegante ao se lembrar de um tiro que, por pouco, não o atingiu na cabeça. E se mostra indignado ao contar que, segundo ele, o disparo foi feito pelo juiz Jorge Jansen Counago Novelle, da 15ª Vara Cível do Rio, dentro de um condomínio de frente para o mar na Avenida Atlântica, em Copacabana. O ataque, ocorrido por volta das 4h do feriado de 1º de maio, foi registrado com a câmera de um celular. A motivação ainda é desconhecida.
O vídeo mostra o instante em que o tiro é disparado, após uma discussão entre o osteopata e o juiz. O caso só não terminou em tragédia porque a bala desviou na grade de uma janela, abrindo, em seguida, um buraco na parede do edifício.
Os dois eram vizinhos. O juiz ainda mora no condomínio; já o osteopata saiu do prédio. Pedro alugava um imóvel de cerca de 400 metros quadrados, um andar abaixo da casa de Novelle. Pelo vão interno de circulação de ar do edifício, um podia ver parte do apartamento do outro. E foi nesse espaço que ocorreu o incidente, filmado pelo osteopata. Na gravação, enquanto Pedro apoia o celular no parapeito de uma janela, escuta-se um grito que seria do juiz: “Bandido!”. Depois, o magistrado aparece na imagem, na área de serviço de seu apartamento, e faz acusações contra o osteopata. “Tu é safado. Pedro safado!”, diz ele.
Logo em seguida, Novelle sai, e ressurge 12 segundos depois. “Tu vai me filmar? Tá me ameaçando?”, questiona o juiz, que aponta uma arma para a janela de Pedro. “Então, tome bala”, avisa ele ao atirar. O osteopata afirma que estava com a cabeça para fora da janela enquanto filmava. Após o disparo, o celular continuou apoiado no parapeito, mas Pedro caiu no chão.
(…)
Novelle, por sua vez, não quis se manifestar. Na última sexta-feira pela manhã, uma equipe do GLOBO o procurou em seu apartamento. Pelo telefone da portaria do prédio, ele disse que só se pronunciaria em juízo.

Já imaginou?
Pois é.
Imagine um juiz com o equilíbrio emocional dos acima citados decidir se um réu vive ou morre.
Já é ruim quando decidem sentenças sob a legislação atual com suas neuras, idiossincrasias e crenças escondidas atrás da letra fria da lei – tipo assim, aquele juiz de Goiás que mandou a resolução do CNJ às favas e proibiu os cartórios do estado de realizarem casamentos entre pessoas do mesmo sexo... – juiz que, por curiosa coincidência, também era pastor da Assembleia de Deus. Dir-se-ia, até, que usam a jurisprudência do juiz norteamericano Webster Thayer, que julgou os imigrantes italianos Sacco e Vanzetti de modo imparcial... (só que não) para tomar suas decisões.
Imagine um caso de pena capital, caso venha a ser adotada aqui em Terra Papagalli...

Estas são as três perguntas. Se alguém puder me responder, me escreva.
Quanto à "gentil" (e sem noção) desembargadora, um fato é claro: será que foi realmente necessário a "gentil" (e idiota) desembargadora cometer essa nova tuitada ofensiva e sem noção (imagine, votar em um candidato misógino, que odeia as mulheres – se não for por ser narniano roxo...)? Será que alguém, realmente, lamentará a morte dela? (De velha, por causas naturais, claro. Primeiro, porque somos contra a violência; segundo, porque não somos tão escrotos a ponto de desejar a ela o mesmo que deseja a outras mulheres.)
Quanto à causa que a "gentil" (e não solidária) desembargadora acha que é perdida – o feminismo – dois lembretes. Um de Oswald de Andrade (que eu costumo apelidar de "o homem que amava as mulheres independentes" – tanto que, em sua vida, se uniu a três ou quatro que não eram nem um pouco submissas): Seja como for. Voltar para trás é que é impossível. O meu relógio anda sempre para a frente. A História também.
O segundo, de Mlle. Simone de Beauvoir: Que nada nos limite, que nada nos defina, que nada nos sujeite. Que a liberdade seja nossa própria substância, já que viver é ser livre. Porque alguém disse e eu concordo que o tempo cura, que a mágoa passa, que decepção não mata. E que a vida sempre, sempre continua.

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Quase que eu me esqueço: Simone de Beauvoir foi tema da redação do ENEM de 2015 e deu muito o que falar – especialmente para quem não entendeu sua frase famosa de sua obra O Segundo sexo (e nem se esforça em entender – evangelicuzinhos, bolsonaretes e catervada), muito menos a diferença que mlle. Beauvoir destaca nesta frase entre o papel biológico e o papel social da mulher: Ninguém nasce mulher: torna-se mulher. Nenhum destino biológico, psíquico, econômico define a forma que a fêmea humana assume no seio da sociedade; é o conjunto da civilização que elabora esse produto intermediário entre o macho e o castrado que qualificam o feminino.

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Tá bom. Para não magoar muito a "gentil" (e porralouquíssima) desembargadora, a minha indicação para esta séria série talvez a agrade: Colette (Colette – EUA / Hungria / Reino Unido, 2018), de Wash Westmoreland.
Para quem é versado em literatura e em história da literatura, o filme é baseado em fatos da vida de Sidonie-Gabrielle Colette (1873-1954), uma das maiores escritoras francesas.
Por que tal indicação talvez a agrade a "gentil" (e idiotíssima) desembargadora?
Talvez porque Colette nunca foi, de facto (copyright português da República Portuguesa...) uma militante feminista – ou melhor dizendo, sufragista: a principal luta das mulheres em fins dos século XIX e início do século XX (entre outras tantas, sejamos sinceros...) era pelo direito de votar e serem votadas em eleições.
Breve aula: não que as francesas não tenham tentado. Em plena Revolução Francesa, uma dama chamada Olympe de Gouges (1748-1793) escreveu diversos textos em defesa de direitos políticos para as mulheres, inclusive a sua Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã (1791), Mas sabem com eram os liberais da época revolucionária – e mesmo de hoje, principalmente aqui em Terra Papagalli: liberdade ma non tropo: "os deveres de mãe e esposa são incompatíveis com o exercício dos direitos políticos", "As mulheres são muito influenciadas pela Igreja, e isso contraria o ideal de Estado laico" (como se não existissem mulheres em todas as épocas que mandavam dogmas e proibições religiosas pras cinco letras que fedem...), blá, blá, blá, blá, blá, blá... Conclusão: ao invés de dar às mulheres o direito de subir à tribuna, preferiram levar Mme. de Gouges à guilhotina, em 1793. Conclusão: enquanto outros países atendiam à pressão de suas mulheres e lhes concediam direitos políticos (mais ou menos nesta ordem: a Nova Zelândia – o primeiro, em 1893, fruto de movimento liderado por Kate Sheppard; a Austrália, em 1902; a Finlândia, ainda domínio do czar da Rússia, mas já botando as manguinhas de fora em busca de sua independência, em 1906; a Dinamarca e na Islândia (território dinamarquês) , em 1915; a Alemanha, em 1918 (após a queda do kaiser e a instauração da República de Weimar); o Reino Unido, em 1918, ampliado em 1928; os EUA, em 1919; a Suécia – 1921; o Equador, em 1929; e a Espanha, em 1931, com a Segunda República), a França só veio dar voto às mulheres em 1945, depois da Segunda Guerra Mundial. Até o Brasil passou à frente da França ("A Europa curvou-se ante o Brasil!") estabelecendo o voto feminino em 1932.
Pior. Na época em que madame Colette viveu, as mulheres eram submetidas aos ditames do Código Napoleônico, promulgado (como o nome diz) durante o reinado de Napoleão Bonaparte (1804 a 1814). Um artigo do historiador Augusto Buonicore, chamado O antifeminismo na história nos informa o que este Código oferecia às mulheres:

A consolidação da derrota das mulheres se deu com a aprovação dos Códigos Civil e Penal, aprovados respectivamente em 1804 e 1808, já sob o governo de Napoleão Bonaparte. Neles se restabelecia o princípio de que “a mulher deve obediência ao homem”. O marido passava a ter legalmente, entre outras coisas, o direito de exigir que os Correios entregassem a ele todas as cartas endereçadas a esposa, de dispor livremente do seu salário – muitos receberiam os salários pelas esposas. Para tudo a mulher necessitava da autorização do pai ou do marido.
Segundo o “código napoleônico” a mulher adultera poderia ser condenada de três meses até dois anos de prisão. O adultero, pelo contrário, deveria pagar apenas uma pequena multa. Um dos seus redatores justificou tal disparidade: “A infidelidade da mulher supõe mais corrupção e tem o efeito mais perigoso que aquela do marido” e Engels, por sua vez, ridicularizou o artigo do código que decretava solenemente que “a criança concebida durante o casamento terá por pai sempre o marido” e concluiu irônico: “Eis aí o último resultado de três mil anos de monogamia.” 

Honte à vous, citoyens français! (Tradução: "Que vergonha, cidadãos franceses!"). Fim da aula.
Pois, mesmo não sendo feminista, Colette fez, pessoalmente, o que muitas feministas defendiam e as mulheres buscavam: ser livres para ser o que são e fazer o que querem.
É bem verdade que o roteiro de Wash Westmoreland, Richard Glatzer e Rebecca Lenkiewicz fixa-se mais nos anos iniciais da longa vida (81 anos) de Colette (a bela Keira Knightley): a adolescência no interior, a extrema cumplicidade com a mãe, Sido (Fiona Shaw), o casamento com Henry Gauthier-Villars, ou Willy (Dominic West), a ida para Paris, a vida de casada (difícil, porque Willy não era lá muito fiel...), o início da carreira literária com os romances da série "Claudine" (escritos por Colette e assinados por Willy), o meio artístico de Paris no início do século XX e... as primeiras relações de Colette com as mulheres – especialmente o caso amoroso com Mathilde de Morny, marquesa de Balbeuf (1863 - 1944), ou, simplesmente, "Missy"( Denise Gough).
Hummmm... pensando bem, a gentil (e sem noção) desembargadora não vai gostar não.
Bom, ela que se dane: nós adoraríamos muito que Colette estreasse logo no Brasil.
Por enquanto, fiquem com o trailer e fotos de still do filme.




Colette (Keira Knightley)

Colette (Keira Knightley) ao lado de Missy (Denise Gough, à esquerda)