Mesmo
assim, vale a pena transcrever o email.
De naopercaaesportiva@evoe.com para ratinho@sbesteira.com.br
Prezado senhor Carlos Massa, codinome Ratinho:
O senhor talvez não me conheça. Mas tenho a lhe dizer que temos algumas
coisas em comum – a começar com uma de nossas profissões. O senhor começou com
um programa policial na televisão, e eu criei um programa policial no rádio.
Depois o senhor se tornou apresentador de variedades, e eu voltei a ser
cronista esportivo. (Aliás, o senhor deveria tentar ser cronista esportivo
também. No mínimo, vai ser divertido: o senhor comentando aqueles jogos de
futebol meio mornos, botando a cobra pra fumar...)
Mas não é para trocar figurinhas que estou lhe escrevendo. É para lhe
explicar algumas coisas a respeito de um troço muito chato que aconteceu em
torno do senhor.
No último dia 3 de janeiro, o senhor postou um vídeo em seu Instagram, reclamando da presença de gays, lésbicas e etcétera na televisão.
“Eu estava vendo a novela aqui da Globo, um negócio de
cangaceiro e tal, porque temos que ver quem está concorrendo com a gente e tal.
Mas Globo, vocês colocaram viado até em filme de cangaceiro, gente! Naquele
tempo não tinha viado não. Ou tinha viado naquele tempo? É sério. É viado as 6
da tarde, é viado nas 8 da noite, é viado as 10 da noite. É muito viado. Eu não
sei o que tá acontecendo… Será que tem tanto viado assim?”
Sim, eu também chamei muito gay de "bicha" e muita lésbica de
"sapatão" ou "paraíba" quando estive aí embaixo. Só que a
convivência com eles aqui em cima me fez rever alguns de meus conceitos... ou
preconceitos.
E, pelo visto, o mesmo parece estar acontecendo aí embaixo, a julgar
pela reação do pessoal aos seus comentários – uma reação tão forte que o senhor teve que se explicar direito pro povão:
“Olha, ontem eu fiz um comentário sobre gays na novela da
Globo, e todo mundo comentou, virou viral, essas coisas. Mas veja bem, em
nenhum momento eu quis ofender nenhum gay, até porque trabalho com todos eles,
todos gostam de mim e eu gosto muito deles. Então não tem nada a ver, foi uma
brincadeira. Eu fiz uma brincadeira para a gente brincar na internet.
Lamentavelmente, algumas pessoas não entenderam assim. Mas eu quero mandar um
abraço e dizer que eu respeito todo mundo”
Por isso, permita-me esclarecer algumas coisas.
Pra começar, não é só personagens LGBT que tem na Globo. Também tem uma mentalidade
muito chata, que acha o seu telespectador tem a (pouca) inteligência de um
Homer Simpson e o trata como tal
(William Bonner que o diga...); também tem racismo, disfarçado ou não (William
Waack que o diga...); também tem um ambiente propício ao segundo esporte
favorito do andar de cima nacional, que é o difícil jogo da rasteira (Franklin
Martins que o diga... e, possivelmente, William Waack também...); e tem também
uma certa bipolaridade, nascida de uma influência que a ainda tem, mas já não é
tão grande como antes.
(Por falar nessa bipolaridade da Globo, ouvi dizer aqui em cima que
houve um arranca rabo lá no porão de Lulu, entre Antônio Carlos Magalhães e
Roberto Marinho. Dizem que ACM deu um esporro infernal em seu Roberto: "Putaquipariu!!!
Que que adianta se desculpar pelo apoio ao golpe de 1964 e depois esse golpe
que botou o mordomo de filme de terror no poder, porra?"
Mas só para lhe responder, senhor Ratinho: sim, tem personagens LGBT na
teledramaturgia da Globo, assim como tem muito personagem LGBT na televisão
mundial. Aliás, quando você tirar uma folga e se sentar em frente à internet,
dê uma olhadinha na Wikipedia. Você vai encontrar uma lista enorme de programas na televisão mundial com personagens e temática LGBT; essa lista vai descambar
em uma outra lista, de séries de TV também com personagens e temática LGBT (entre elas, a americana The L Word e a britânica Lip Service) e em outra lista, de personagens LGBT em séries de televisão norteamericanasE, se o senhor usar a memória, vai ver que sempre tivemos personagens
LGBTs na televisão brasileira em toda a sua história.Certo, tem coisas que o senhor nunca soube – aliás, ninguém aí embaixo sequer desconfia. Sabia que a Vida Alves – é, aquela que deu o primeiro beijo na primeira novela da TV brasileira, Sua vida me pertence, na TV Tupi de são Paulo, em 1951 – também foi a primeira atriz a dar um beijo lésbico num teleteatro?Pois é. Foi em 1963, entre ela e Georgia Gomide, no teleteatro A Calúnia (uma adaptação da peça The Children's Hour, de Lillian Hellman, para o Grande Teatro Tupi).
Como
acho que o senhor não conhece esta história, vou fazer um resumo. Era uma vez as
diretoras de um colégio de meninas adolescentes (papel que Vida e Geórgia
Gomide interpretavam). Tudo ia tranquilo até que uma das pentelhas... digo, uma das alunas espalha por aí que as duas eram amantes.
Os pais ficam uma arara e tiram as filhas do colégio, que é obrigado a fechar. No
dia em que a escola fecha, as diretoras se olham, "de uma forma muito
terna e se beijam". A Vida nos conta: "Elas, que até então não tinham
qualquer envolvimento, perceberam que realmente se amavam. E assim foi o primeiro
beijo gay da televisão brasileira".
Mas como eu dizia, sempre teve "bicha"
e "sapatão" na tevê brasileira. A diferença é que, antes, a visão dos
personagens LGBT é bem diferente da tevê atual. Descontado o caso A
Calúnia, quase sempre foi assim: se o personagem
era gay, ou é a caricatura exagerada de um rapaz efeminado, presente nos
programas de humor (lembra do Painho, de Chico Anysio? Pois é...), ou, quando
personagem coadjuvante de novela, é alguém efeminado com uma profissão ligada à
beleza feminina (cabelereiro ou costureiro), ou é um vilão narniano e melífluo
– como o Mário Liberato (Cecil Thiré), da telenovela Roda de Fogo (Rede Globo, 1986/1987), de Lauro Cesar Muniz.
Se a personagem era lésbica, ou é outra caricatura exagerada – desta vez, de
uma lésbica masculinizada em trajes masculinos (a popular "paraíba"
ou "caminhoneira") – ou, muito raramente, uma lésbica de batom bem
feminina, narniana, melíflua e... vilã.
Em
português claro: gays ou lésbicas eram ou vilões ou a caricatura da caricatura, sempre negativos. E era assim
que deveriam aparecer na tevê. Só que o estereótipo tem dois pequeninos
problemas: é limitado e não dá conta (nem quer) da complexidade da realidade.
Por
exemplo: o que você acha de alguém que, além de gay, é um travesti e artista?
Ah, é um gay efeminado que não consegue reagir a uma agressão física, não é?
Pois quando um recém chegado aqui em cima fala isso, o João Francisco dos
Santos e o Rogério Durst acham tanta graça que riem a bandeiras despregadas. O
João publicou suas memórias em 1972, e o Rogério escreveu um livrinho sobre a
vida dele para a coleção Encanto Radical, da editora Brasiliense. No teatro de revista dos anos 1920, ele foi o
primeiro travesti artista do Brasil, a Mulata do Balacochê. Mas fora do teatro,
era simplesmente um dos malandros mais temidos dos anos 1930 e 1940. Aliás, foi em no fim dos
anos 1930 que ele ganhou o apelido que o tornou famoso: Madame Satã. Era muito
bom de porrada até mesmo no fim da vida, quando andava com a turma do jornal O Pasquim, para o qual deu uma
entrevista famosa. Senta que lá vem historinha (do livro do Rogério):
Numa
tarde, ele e Jaguar comiam um negócio no bar Internacional, que ficava na
Carioca, no local da estação de bondinhos para Santa Teresa. Satã reparou em
dois guardas que provocavam uma bichinha que estava no mesmo bar. Satã foi
perguntar aos caras: "– Por que vocês não vem folgar comigo?" Um dos
guardas respondeu: "– Que é isso, vovô?" e deu um peteleco no panamá
de Satã. O vovô lhe deu uma merecida porrada, e ele foi parar longe. O outro
guarda saiu correndo.
(Dizem que o outro guarda correu tanto que foi parar no Acre. Mas isso é
intriga galhofeira da oposição...)
Sim, João
Francisco dos Santos é Madame Satã – personagem tão fascinante que foi um dos musos
inspiradores de um dos grandes sambas de Noel Rosa, Mulato bamba. Ouve só:
Mas só para responder finalmente à sua pergunta: por que tem tanto
personagem LGBT na telinha?
Primeiro, porque atualmente, aí embaixo, tem várias telinhas. Não é
somente a televisão aberta onde você trabalha: temos os canais de TV por
assinatura e a internet. Mais telas, mais opções de espaços para
teledramaturgia... e para personagens LGBTs.
Segundo: os LGBTs estão cada vez mais presentes e visíveis na sociedade –
especialmente como cidadãos pagadores de impostos e consumidores. E numa
sociedade que quer ser capitalista, ser contribuinte e consumidor garante a
cidadania que eles querem e desejam ter – fora o fato de que se tornam cada vez mais alvo de estratégias de marketing.
Mas, afinal, por quê as
marcas estão “saindo do armário”?
Para Silvio
Sato, professor de Publicidade e Propaganda da FAAP, mais do que reconhecer que
o público lésbico, gay, bissexual, transexual e transgênero é um cliente
como qualquer outro, o marketing das marcas também percebeu que essa é uma
demanda social.
“Posicionar-se a
favor dos LGBT é uma questão emergente e as empresas não podem ignorá-la. Muito
mais do que lucro, elas sabem seu papel como formadoras de opinião e por isso
se posicionam a favor do tema”, explica.
De acordo com Sato, para conquistar
esses consumidores as marcas não precisam de muito, apenas das estratégias
clássicas de marketing – uma vez que a diversidade dentro da comunidade LGBT é
bastante representativa.
“É preciso
fazer o básico: separar os consumidores em grupos, de acordo com os critérios
de interesse das empresas e dos consumidores. O público LGBT não é nada além de
que mais um consumidor, que tem seus desejos e expectativas”, diz.
O especialista
acrescenta que o mais importante para a marca é a visão que esse
consumidor constrói quando se sente representado.
“Marcas
engajadas nessa política social são melhores vistas pelo público LGBT, que se
sente representado e que só busca ser tratado com naturalidade. Isso é positivo
e atrai mais visibilidade para a marca”, explica.
(Ah, ainda tem a teimosia em dizer que homossexualidade é doença e pode ser curada com terapias – apesar da ciência demonstrar que não é.. Falei isso pro Telly Savallas, aqui do meu lado, e ele riu à beça. Ele estava aí embaixo quando viu aAssociação Americana de Psiquiatria retirar a homossexualidade de seu catálogode transtornos mentais em 1973 – afirmando que "a homossexualidade em si não implica qualquer prejuízo no julgamento, estabilidade, confiabilidade ou capacidades gerais sociais e vocacionais" – e a Associação Americana de Psicologia fazer a mesma coisa em 1975. Pra ele, "cura gay" é o mesmo que terapia psiquiátrica para curar... a calvície, sem precisar de perucas ou de implantes de cabelo – e olha que, de calvície, ele entende...)
Pois é.
O senhor disse que foi uma brincadeira, e eu até acredito. Mas siga o
conselho que estou lhe fornecendo gratuitamente: pense – e mais do que isso,
verifique e estude o assunto – antes de falar (ou fazer brincadeiras) sobre
alguma coisa. O senhor vai ver como isso evita aborrecimentos – tais como perda
de pontos no IBOPE, por exemplo.
Respeitosamente,
AFONSO SOARES.
Em
suma, o interlocutor ideal do outro mundo para falar o que precisa ser falado
neste mundo ao ilustre roedor...
****************
Em
suma, o interlocutor ideal do outro mundo para falar o que precisa ser falado
neste mundo ao ilustre roedor...
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Enfim, Embrasse-moi
é uma comédia romântica – dizem fontes não oficiais que é autobiográfica, já
que Océane-Rose-Marie... aliás, Océanerosemarie... aliás,
Océane Michel... aliás, Oshen... é lésbica
assumida... mas sabem como são estas fontes não
oficiais... parecem uma versão 2.0 dos mexericos da Candinha... talvez pensem
isso porque ela é a roteirista do filme (com um humor, continuação temática de
La
Lesbienne invisible, show
dirigido por Murielle Magellan, onde fala sobre
sua carreira, a de uma jovem a qual ninguém quer acreditar em sua
homossexualidade), codiretora e protagonista... cujo personagem tem o mesmo
nome da atriz-codiretora-roteirista...
Vamos à bendita sinopse?
Océane-Rose-Marie (Océane-Rose-Marie... aliás, Océanerosemarie... aliás, Océane Michel... aliás, Oshen) é uma
fisioterapeuta cuja vida amorosa é de dar inveja a Shane de The L Word – um ninho de mafagafos cheio
de mafagafinhos... digo, mafagafinhas: namoradas, ex-namoradas, ficantes,
ex-ficantes... A coisa vai assim até que Océane-Rose-Marie conhece Cécile
(Alice Pol) e se apaixona por ela, convencida de que ela é a mulher da sua vida...
Tudo ia bem, até um dia em que Cécile surpreende Océane-Rose-Marie beijando uma
de seus ex namoradas. A jovem, louca por Cécile, fará de tudo para
reconquistá-la...
O que fará? Putz, já dei spoiler demais. Encha o saco de uma distribuidora para trazer Embrasse-moi pro Brasil.
Até lá, fique com o trailer.
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