24 junho, 2012

"HÁ A CRETINICE DE UM REGIME IMPOSSÍVEL" II - A MISSÃO (Carta ao prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes)


Excelentíssimo sr. prefeito da cidade do Rio de Janeiro, Eduardo Paes:

Antes de mais nada, gostaria de cumprimentar sua excelência pelo lançamento de sua candidatura à reeleição para prefeito do Rio de Janeiro. Claro, há outros candidatos - o deputado estadual Marcelo Freixo, do PSOL, reúne os idealistas e inconformistas; e a chapa Rodrigo Maia (DEMO) - Clarissa Garotinho (PR) dispensa comentários, pelo conjunto da, digamos, obra. Com opositores assim, parece que sua reeleição está garantida.
Ainda assim, gostaria de informar a Vossa Excelência que eu tenho uma condição para votar no senhor.
Para reelege-lo, Vossa Excelência poderia mandar o seguinte ofício ao secretário municipal de Cultura, a qual a Riofilme é subordinada, com o seguinte texto:

Ofício nº ... – 06/2012
De: EDUARDO PAES, Prefeito do Rio de Janeiro.
Para: EMÍLIO KALIL, Secretário Municipal de Cultura.

Assunto: SÉRGIO SÁ LEITÃO, presidente da Riofilme.

1) Demita-se esse imbecil boquirroto.
2) Substitua-se por alguém que realmente seja do ramo de cinema.

Tá, tá bom, esse é um texto que eu estou sugerindo para o ofício, não precisa ser assim...
Mas o pedido que lhe faço é simples: demita Sérgio Sá Leitão, mande-o para casa ou para uma major do cinema americano, onde este deslumbrado deverá se sentir bem, e nomeie alguém que realmente conheça produção, distribuição e exibição de cinema em seu lugar.
Não custa nada lembrar a biografia do dr. Sérgio: jornalista, ex-aspone... ops, ex-assessor de imprensa da Ancine e, mais tarde, diretor da mesma Ancine, sem ter feito sequer crítica de cinema, quanto mais uma assistência de produção ou de direção em cinema, nem que seja para dizer que conhece um pouco de cinema.
E um boquirroto autoritário – sim, porque só os autoritários não aceitam críticas. Pior: tem a mania de desqualificar quem o critica. 
vamos começar com dois posts do dr. Sérgio Sá Leitão no Facebook

A crítica de cinema do Globo é um PSTU da cultura. Odeia o sucesso. Detesta a diversão. E usa o jornal para fazer "resistência cultural"...

Tá, dr. Paes, com um pouco de Alka-Seltzer, isso até faz parte.
O que não faz parte é o que ele escreve a seguir:

Diga não aos críticos malcomidos! Veja "E Aí... Comeu?" hoje e tenha 100 minutos de prazer & reflexão! Isso sim é "resistência cultural"...

CRÍTICOS MALCOMIDOS!... Isso é que é resposta de alto nível, não é, dr. Paes?
Pior foram as explicações, nos posts seguintes:

Detesto explicar piada... Mas como teve gente que não entendeu... Ou que não quis entender... Ou que fingiu não entender... Vamos lá:


O filme se chama E Aí... Comeu?. Ao contrário de boa parte do público, alguns críticos não gostaram. Por isso usei a expressão malcomidos.

É uma referência ao título do filme...

(Muuuito "engraçado"!... Há muito tempo que eu não "ria" tanto, sabe, dr. Paes?)

Lamento q a carapuça tenha servido. A intenção não era ofender. Pensei q a referência era óbvia. E q o tom era claramente de humor. Enfim...

De qualquer modo... Alguns críticos precisam entender a velha máxima dos condomínios. Quem não sabe brincar... Não desce para o play.

Sábio conselho, não acha, dr. Eduardo Paes?
Então eu me pergunto: POR QUE O DR. SÉRGIO SÁ LEITÃO NÃO SEGUE O PRÓPRIO CONSELHO?
Desde que assumiu a presidência da Riofilme, ele se recusa a ter um bom relacionamento com a crítica cinematográfica – e, embora não pareça, este relacionamento é essencial para o seu trabalho (bem como para o trabalho dos dirigentes de uma das majors estabelecidas no Brasil – cargo que, no fundo, é almejado pelo dr. Sérgio Sá Leitão...).
E também se recusa a entender duas coisas.
A primeira: o compromisso da crítica de cinema não é com as planilhas de custo das produtoras e distribuidoras: é com o cinema em si. E a tarefa da crítica de cinema não é dizer mil e uma maravilhas de um filme para vendê-lo, pois isso é tarefa das assessorias de comunicação e marketing (e se pegar um crítico fazendo isso, podes crer: ele está na profissão errada – deveria ser assessor de imprensa, redator de press-releases): é analisar um filme em seus diferentes aspectos – roteiro, direção, atuação, fotografia etc. – para ver se, independente do gosto do crítico, ele chega ao que se propõe.
A segunda: uma vez pronto e lançado, um filme é como um filho que completou dezoito anos - tem vida própria, e ele deve se virar sozinho. Claro, os seus "pais" (produtor, diretor e roteirista), se quiserem, podem defender seu "filho".
Isto, claro, se quiser(em) mesmo defender seu "pimpolho", porque se eu estivesse no lugar do dr. Sérgio Sá Leitão, não perderia a chance de permanecer calado. Porque, nesse caso, a melhor defesa é afirmar as qualidades de seu "pimpolho", não DESQUALIFICAR quem o critica. Porque não adianta nada.
Até porque, quando a crítica analisou E aí... Comeu?, limitou-se a falar do filme. Ninguém criticou pessoalmente o diretor Felipe Joffily, nem o dr. Sérgio Sá Leitão – nem as suas progenitoras.
Essa é a brincadeira da atividade cinematográfica – brincadeira que o dr. Sérgio Sá Leitão se recusa a saber. E, mesmo assim, insiste em ficar no playground, como o garoto chato e babaca do condomínio Cinema Brasileiro Gardens.
A seguir, mais posts "inteligentes" do dr. Sérgio Sá Leitão:

Curioso. Há gente que faz da critica o seu ofício... Mas não aceita críticas ao que faz! E o pior... Não aceita criticas feitas com humor.

E desde quando chamar os críticos de "malcomidos" é "humor"? Nem o Zorra total, campeão do humor de mau gosto, se atreveria a isso.

Antes que a corporação faça uma tempestade em copo d'água... 1) Tenho o direito de comentar críticas que envolvem o meu trabalho.

Claro que sim. O que não tem direito é de desqualificar quem criticou o seu trabalho como coprodutor - entrando com dinheiro dos meus, dos seus, dos nossos impostos - e distribuidor do filme.

E... 2) Não tive a intenção d desrespeitar pessoas específicas. Ou a corporação de críticos. Fiz apenas um trocadilho com o título do filme.

Mais uma vez: desde quando chamar os críticos de "malcomidos" é "humor"? Só se for no botequim – aliás, o mesmo botequim onde se passa o filme. Perto desta "piada", a resposta de um amigo meu, famoso pela, digamos, franqueza – a quem mostrei estes posts do dr. Sérgio Sá Leitão – é um primor de sofisticação: "Alguém sabe se o dr. Sérgio Sá Leitão é casado? Porque, enquanto ele esculhamba os críticos, um deles pode estar com a gentil esposa dele..."
(É, eu avisei que ele era de uma franqueza rude...)

Posto isso... A questão essencial permanece: Pq parte da crítica de cinema sistematicamente rejeita o cinema brasileiro que busca o sucesso?

Respondo com outra pergunta: porque o dr. Sérgio Sá Leitão acha que a crítica de cinema rejeita o cinema que busca o sucesso? Longe dela pensar isso. Acontece que o compromisso da crítica – mais uma vez tenho de dizer isso – é com o CINEMA, com a arte cinematográfica, com a busca da qualidade cinematográfica. Se esta busca também leva um filme a ser campeão de bilheteria, o crítico também acha ótimo. O problema é que o dr. Sérgio Sá Leitão parece achar que "buscar a qualidade cinematográfica" e "buscar o sucesso de bilheteria" são coisas incompatíveis. E tome filmes com roteiros escritos nas coxas, direções bur(r)ocráticas e estética padronizada televisiva (e cinema e televisão, até hoje, são linguagens audiovisuais diferentes). Ou então são as sociochanchadas, como bem definiu Andrea Ormond em artigo sobre Perdida E, por favor, não me venham dizer que investem em filmes deste, digamos, quilate porque "é disso que o povo gosta"... Este argumento parece muito com aquele anúncio dos biscoitos Tostines: "Vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?": esta lógica do biscoito não vale para o cinema. Ou só vale desta forma: "A gente só produz este tipo de filme porque é disto que o povo gosta"? Ou "O povo gosta disto porque é só isso que a gente produz e oferece"? É o mesmo que dizer " o povo gosta disso porque é imbecil". E chamar o espectador de cinema de imbecil é a última coisa que um crítico faz.
Certo, hoje E aí... Comeu? teve, até agora, um público de 60 mil espectadores (se levarmos a sério o dr. Sérgio Sá Leitão, pois são informações dele; "graaaaaaande" público, comparado com os milhões de espectadores de Dona Flor, nos anos 1970, e de Tropa de elite 2, recentemente).
Mas, e daqui a algum tempo? (Não, não falo em daqui a alguns anos, e sim em meses.) Se alguém perguntar qual a cena mais engraçada de E aí... Comeu? a um espectador comum? Será que ele vai sequer se lembrar do filme? Duvido muito. E isto é chato até mesmo comercialmente: se um dia quiser relançar o filme daqui a algum tempo, quem vai se lembrar dele?
Só para lembrar outro filme cujo cenário é um bar, com temática de costumes: Bar Esperança – O último que fecha (1983), de Hugo Carvana. Também se passa em torno de um bar, também fala das confusões amorosas de seus personagens. Mas o roteiro de Hugo Carvana, Denise Bandeira, Marta Alencar, Armando Costa e Euclydes Marinho é muito melhor do que o de E aí... Comeu?, posto que não foi escrito nas coxas.

Por todas estas razões, dr. Paes, venho por meio desta solicitar ao sr. que tire o dr. Sérgio Sá Leitão da presidência da Riofilme e troque por alguém, digamos, mais educado. Ou melhor: por alguém, digamos, mais educado, mais articulado do que ele, que possa pelo menos responder a nós, críticos, com argumentos e educação. Não apenas por causa de nós, críticos de cinema, mas porque o post de André Miranda no Blog do Bonequinho do site de O Globo tem toda a sua lógica (ah, sim: o grifo é meu):

A RioFilme é um órgão da prefeitura do Rio. "E aí, comeu?" tem coprodução e codistribuição da RioFilme. É um filme feito, portanto, com investimentos públicos, o que é perfeitamente normal. No Brasil, e em praticamente todos os países mundo afora, o cinema é feito com investimentos públicos. O projeto de "E aí, comeu?" passou por comissões, apresentou méritos dentro de seu gênero e por isso foi contemplado pela RioFilme (e também pelo Fundo Setorial do Audiovisual, cuja gestão é federal).
Mas não é normal alguém escrever "diga não aos críticos malcomidos". Não é aceitável, sobretudo para o presidente de um órgão público que lida com cinema. (...) 
É muito mais fácil para quem discorda de uma crítica negativa atacar o autor do texto do que argumentar. Sempre foi assim, não apenas com críticas de cinema. Quando não se tem o que dizer, resta desqualificar o interlocutor. Só que, quando o presidente da RioFilme escreve "diga não aos críticos malcomidos", ele não está desrespeitando apenas o autor do texto. Também não está fazendo uma piada com o título do filme como pode parecer. 
Ele está desrespeitando seu cargo.

(E, por tabela, os cargos dos seus superiores diretos, o secretário municipal de Cultura e, acima deste, o prefeito do Rio de Janeiro – é, é o sr. mesmo, dr. Paes.)

Esperando pronta resposta, subscrevo-me,

Atenciosamente,

Revista SOMBRAS ELÉTRICAS. 


  

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