22 fevereiro, 2013

DA SÉRIA SÉRIE "FILMES QUE JAIR BESTEIRARO ET CATERVA A-DO-RA-RI-AM..." (XXXIII)

Hoje, excepcionalmente, esta séria série sai dos domínios do cinema e entra nas terras de Dionisos - mais especificamente, do teatro.
Mais especificamente, estou conclamando as pessoas a investirem numa produção para teatro.
Mas, como diria Jack, o Estripador, vamos por partes.
Além, muito além do além, numa terra estranha chamada Pauliceia Desvairada de Mário e Oswald de Andrade, vive uma feiticeira chamada Michelle Ferreira, devidamente formada numa escola de feiticeiros (que não é a Hogwarts - não, ela não foi colega de turma do Harry Potter...) do palco chamada Escola de Arte Dramática da USP. Aliás, eu a chamo de feiticeira - meio jocosamente, meio a sério, desde que ela encarnou Morgana (a irmã feiticeira do rei Arthur) numa montagem de Merlin, de Heiner Müller, ainda na EAD.
Mas voltando à vaca fria.
A certa altura, a feiticeira Michelle Ferreira resolveu diversificar seus feitiços. Além de atuar, escreve textos para teatro.
Um deles eu achei maravilhoso: Reality (Final). O texto foi um dos 12 textos selecionados para as leituras dramáticas da Seleção Brasil em Cena, do CCBB. Aliás, sem querer ser chato e já sendo, uma sugestão ao CCBB. Já que, dos 12 selecionados para as leituras dramáticas, apenas dois serão produzidos, como reza o regulamento da Seleção Brasil em Cena, o CCBB poderia bancar a publicação em livro dos 12 textos selecionados. Afinal, o texto que não foi considerado digno de ser montado pelo CCBB pode ser considerado digno de ser produzido e montado por outra pessoa, desde que o respeitável público o conheça. Não adianta nada um texto de teatro na gaveta, sem ninguém saber que ele existe.
E este foi o caso de Reality (Final) - a história (corrija-me se eu estiver errado feiticeira Michelle) de uma ex-atriz de novelas, de temperamento anárquico, que sofre de câncer, e que aceita participar de um reality show cujos participantes são outras pessoas com doenças terminais; o último que sobreviver ganha o prêmio.
(Aliás, não muito diferente do Big Bosta Brasil, não é?)
Isto resume bem como é o teatro da feiticeira-autora Michelle Ferreira. 
Aliás, a melhor definição de seu teatro eu vou tomar emprestado de Caio Fernando Abreu, em carta para Maria Adelaide Amaral sobre a sua (dela) peça De braços abertos: o teatro da autora Michelle Ferreira é culto sem ser pedante, elegante sem ser fresco, sensual sem ser grosso, emocional sem ser babaca. E o mais importante: pode ser (mas não é obrigatoriamente) político sem ser panfletário. É o caso de Reality (Final), que merece ser montada.
E também é o caso de um novo texto de Michelle (e é essa a minha indicação desta séria série): Tem alguém que nos odeia. O texto foi escrito em 2011 e está sendo produzido pela atriz Ana Paula Grande. Antes disso, foi um dos finalistas do Prêmio Luso-Brasileiro de Dramaturgia Antônio José da Silva de 2011, em parceria entre a FUNARTE e o Instituto Camões. (Outros tantos detalhes deste projeto podem ser encontrados no site da Le Cucá Produções Artísticas.)
Com todas estas credenciais, foi aprovado para captação pela Lei Rouanet. Afinal, seria bem fácil arrumar um patrocínio e apoiadores para uma produção já premiada, certo? Certo.
O problema, como diria o saudoso filósofo de pernas tortas Garrincha, é que esqueceram de combinar com o adversário.
O adversário, no caso, são os todo-poderosos (ainda) diretores de marketing das grandes empresas. 
Mas vamos deixar que a própria Ana Paula explique isso, em entrevista ao site Mix Brasil (os grifos são meus):

Você apresentou o texto para diferentes empresas. Quais foram as justificativas que estas empresas deram para não patrocinar?Ela foram evasivas, na verdade nunca foram diretas. Quando a gente chegava no ponto principal da peça, que é a homofobia, as empresas geralmente diziam que não queriam falar sobre o assunto, ou que neste ano vão patrocinar cinema. Na verdade, as empresas estão preocupadas com textos comerciais, não com o tema proposto. Sabemos que a homofobia é um tema relevante para a sociedade, questionar o porquê ela ainda não é crime é urgente. Mas, ainda, estas instituições preferem produções que lucrem.
Como o texto aborda o tema?

O texto é lindo, muito delicado. Conta a história de duas mulheres que vivem juntas em um apartamento, durante o enredo elas começam a ser perseguidas por um vizinho homofóbico e chegam a ser agredidas. O espetáculo não tem cenas de duas mulheres se pegando, peladonas. Ou seja, vamos atingir um público que vai ao teatro, em muitos casos, que não está interessado na causa LGBT.

Você chegou a pedir patrocínio para ONGs LGBTs?
Muitas. Esta semana cheguei mandar e-mail para 300 instituições não governamentais, apenas três me responderam. Uma disse que não tinha dinheiro, outra foi mais direta ainda falando que eu sou louca de pedir dinheiro para uma ONG, a última foi bastante interessante; ela disse assim no e-mail: “o silêncio é uma forma de discriminação”, eu pergunto: “esta última instituição leu meu e-mail explicando o que é a peça, qual mensagem ela quer passar?” Eu não posso ficar calada, o espetáculo tem que acontecer, é de relevância para a sociedade. Resolvi colocar o projeto no Catarse.

E como você conheceu o Catarse?

Eu fui para Europa de lua de mel com meu marido, não sou gay, sou casada com um homem. Lá, visitei vários concertos e peças. Quando eu lia os panfletos dos espetáculos, via o nome de várias pessoas que patrocinaram aqueles projetos e mostrei para meu esposo. Depois, no ano passado, fomos para os Estados Unidos, e lá também se passava a mesma coisa. Quando voltei para o Brasil, procurei algo parecido e cheguei ao Catarse. É maravilho, já que lá as pessoas podem doar em projetos a partir de temas que lhes agradam, não visando se o projeto vai dar lucro ou não. Uma amiga conseguiu juntar 30 mil reais para seu monólogo pelo Catarse. A equipe deles é fantástica, eu cheguei desesperada para mostrar meu projeto, já pensando: “Se eu conseguir mil reais, eu faço a peça em uma praça pública”. Chegamos em um valor minimo de 25 mil reais para colocar o espetáculo dois meses em cartaz.

Vocês já tem um teatro fechado para exibir a peça?

Temos sim. Será no Teatro Augusta, no palco experimental. Eles até me disseram que caso a gente consiga um bom resultado, conseguimos ficar em cartaz até três meses. O Sesc, como está preocupado com a temática e não com o lucro, como as empresas, já disse que também está interessado em exibir nosso espetáculo, mas a gente precisava enviar um vídeo do espetáculo. A gente não tinha dinheiro para ensaiar, quanto menos para pagar a diretora.

Você disse que não é gay. Qual o interesse tão grande em um espetáculo com temática LGBT?

A gente faz teatro desde os 10 anos de idade. 90% dos nossos amigos são gays e desde a minha adolescência vejo estes mesmos amigos sofrendo por serem gays, vários amigos na escola eram afeminados e não conseguiam ter amigos. Agora, fiz 30 anos, e quero ter um filho e não quero que ele viva em um mundo assim, não quero que ele sofra e este projeto é o que me faz ter força.


Em português claro:
É justo que uma outra opinião sobre o povo LGBT e a homofobia seja calada, numa discussão em que é necessário ouvir os dois lados da questão? (Como, aliás, em qualquer assunto.)
É justo que pessoas tão "piedosas" como Silas Mala-Sem-Alça-Faia, o reverendo que mais ama (para não dizer o contrário...) o povo LGBT, sejam as únicas a manifestar livremente a sua opinião sem ser questionadas? Tipo essa, em uma entrevista sua ao iG:

iG: Mas o senhor não acha que deveria ser feito algo para evitar as discriminações e agressões físicas aos gays? 
Silas Malafaia: Não desejo que ninguém morra, ok? Mas os homossexuais dizem que foram assassinados 260 deles no ano passado. Cinquenta mil pessoas foram assassinadas no Brasil no ano passado. O número de homossexuais mortos representa 0,52%. Um dado que eles não falam: grande parte das mortes é resultado de briga de amor entre eles. Que papo é esse? No mínimo, uns 50%. Homofobia é falácia de ativista gay para manter verbas para suas ONGs para fazer propaganda de que o Brasil é um país homofóbico. Homofóbico uma vírgula, amigo.

(Fala a verdade: não é um grande exercício de "piedade"?)
É justo que um José Roberto Guzzo escreva um artigo para uma revista de grande circulação (eu disse "revista de grande circulação"? Ato falho... Eu quis dizer "detrito de maré baixa"...) comparando a homossexualidade à zoofilia, para desqualificar a luta contra a homofobia e os crimes que são cometidos motivados por ela?
(Aliás, sobre... isso - não dá para chamar isso de "artigo" - , achei um texto no blog Objetivando Disponibilizar - a madrasta do texto ruim - especializado em sacanear as m... escritas na imprensa - onde o blogueiro segue a sugestão abaixo:


Faça o mesmo exercício que o blog fez, e me digam o que acham.)

Pior: é justo que tais "opiniões" discriminatórias tenham mais repercussão, como se fossem o senso comum, uma verdade absoluta, sem ser questionadas em espaço igual ou semelhante?
Aliás, sobre isso - tendo como mote o "artigo" do sr. Guzzo - Marcelo Carneiro da Cunha, no site Sul 21, escreve em português ainda mais claro (os grifos, mais uma vez, são meus):


O texto, como o, digamos, pensamento por trás do texto, é desprezível.
Eu sou naturalmente a favor da liberdade de expressão, me beneficio dela regularmente aqui nesse sacrossanto espaço, e ela é fundamental e precisa ser protegida, inclusive do politicamente correto, que transforma o mundo em um bando de indignados. Mas uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa. Proibir um texto como esse, jamais. Mas chamá-lo, a ele e seu autor, pelo que ele é, sempre. E ele é desprezível.
Ele é desprezível porque vai contra um eixo fundamental e acima do debate ideológico, que é o necessário eixo do humanismo. Fora dele, sobra a barbárie, e esse texto é um exemplo saltitante do que estou falando.
A VEJA e seus editores e colunistas detestarem o PT, é algo absolutamente natural. A VEJA usar de seu espaço para criticar e atacar os governos e governantes petistas, algo tão natural quanto a Carta Capital fazer o trabalho inverso, talvez com menor impacto.
A VEJA negar a seres humanos o seu direito constitucional e humano à igualdade e ao respeito, é desprezível. Em bom latim e má divisão silábica, des-pre-zí-v-e-l.
Ninguém tem o direito de encurralar uma minoria e deixa-la exposta ao ódio público dos maus humanos entre nós. Ninguém tem o direito de chamar uma minoria de baratas e dar facões para o outro lado, sabendo muito bem o que vai acontecer. Ninguém tem o direito de manipular ou fortalecer preconceitos existentes e justificá-los por alguma tecnicalidade, sabendo muito bem que isso somente irá tornar ainda mais difícil a vida de quem nasce do lado de lá de algum muro intransponível, a não ser pela nossa compreensão de que muros existem para ser colocados abaixo.
O nazismo fez isso com os judeus, com os ciganos, com os gays. Com os socialistas, comunistas, e eslavos.
Ao atacar publicamente uma minoria, utilizando o poder de fogo de um veículo de massa, você está colocando milhares, milhões de pessoas em uma situação insuportável. Eles jamais deveriam precisar se defender do que não necessita de defesa, e, graças a uma coluna, um editorial, um texto demente, se sentirão pressionados e atingidos e maltratados, mais uma vez, inutilmente, injustamente.
Eu sou heterossexual, minha Baronesa é heterossexual, e isso não me faz sentir um miligrama menos ofendido e atacado do que qualquer homossexual está se sentindo nesse momento e nesse país. Isso, muito simplesmente porque ao contrário desses nazistas, eu sou um ser humano, e o ataque injusto a outro ser humano é sim, um ataque a mim, ao senhor aqui ao lado, ao caro leitor que me lê, a quem quer que viva e respire do lado certo do mundo, que é o lado das pessoas, da vida, do sentimento de que existe sim uma beleza a ser obtida e preservada, e que se ela ainda não está do jeito que deve estar, isso significa tão somente que ainda temos trabalho pela frente, e nada mais.
O meu trabalho, caros leitores, não vai terminar enquanto esse tipo de comportamento desprezível ainda acontecer em um ambiente de relativa normalidade. O que eles querem, é fazer o monstruoso parecer normal. Do nosso lado, se vocês estão do meu lado, a nossa missão é não deixar. Simples assim, infinitamente assim.
Agora, é com vocês.
Se você, caro leitor, acha que sim, esqueça este post e vá cuidar de sua (pobre) vida.
Se você acha que não, que os dois lados de uma questão PODEM e DEVEM ser colocados para que o respeitável público- cidadão-eleitor decida, então vou lhe pedir (sugerir, implorar) uma coisa: colabore com a produção de Tem alguém que nos odeia.
Aliás, sua doação não será de graça. Dê uma olhada no projeto de Tem alguém que nos odeia no Catarse e você vai ver que, a cada doação para a produção da peça, você ganha uma vantagem. (Como, aliás, em todos os projeto aprovados e disponibilizados no Catarse.)
Eu vou colaborar. Espero (torço, imploro para) que você faça o mesmo.
E, desde já, muito obrigado.


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