Da séria subsérie "a falta do que fazer na política municipal é um caso sério 2", dois comentários.
Comentário 1 - Poderia ter posto este vídeo do Youtube e poupado minha incontinência verbal para o assunto de hoje.
O belo tipo faceiro neste vídeo chama-se Izaías Júnior (Twitter: @izaias_junior)
Como ele se apresenta: "Universitário . Hã... .Acho que só."
Se alguém souber mais coisas sobre Izaías Júnior, por favor mandem para este escriba. Gostaria muito de saber sobre este jovem lúcido e seus comentários idem.
Vejam o que ele disse sobre o assunto da semana passada: a aprovação, pela Gaiola de Ouro... ai, estes meus atos falhos... quer dizer, Câmara Municipal de São Paulo, da criação do Dia do Orgulho Hetero - projeto do vereador e evangélico Carlos Apolinário (que, com ideias de jerico destas, só poderia ser do DEMO).
Comentário 2- A falta do que fazer na política municipal é um caso sério. E desta vez é um caso grave.
Em São José dos Campos (SP): cidade-sede de pólos de tecnologia de aviação, como o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e a Embraer - ou seja, uma cidade que poderíamos considerar como moderna - um vereador chamado Cristóvão Gonçalves (PSDB) apresentou o projeto de lei 280/2011.
Diz o moderníssimo projeto:
"Dispõe sobre a proibição de divulgação de qualquer tipo de material, que possa induzir a criança ao homossexualismo (...). Multa de R$ 1000,00 pra quem descumprir a lei."
Ora, tal projeto é ampla, geral e irrestritamente inconstitucional. Não custa nada lembrar o Art. 5º da Constituição Federal e alguns de seus incisos mais importantes:
"Art. 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;
IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;
(...)
IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença.
Além disso, há a lei estadual nº 10948/01, que proíbe qualquer forma de discriminação em razão de orientação sexual.
Logo, sendo ilegal e inconstitucional, nem sequer iria a plenário, muito menos aprovada, certo?
Errado. O projeto foi ao plenário da Câmara Municipal de São José dos Campos.
Atenção para a lista dos vereadores que votaram A FAVOR deste projeto: Alexandre Da Farmácia, Jairo Santos e Tampão (os três do PR), Cristiano Pinto (PV), Miranda Ueb e Robertinho Da Padaria (do PPS), Renata Paiva e Macedo Bastos (ambos - claro - do DEMO), Dilermando Dié e, é claro, Cristovão Gonçalves (ambos do PSDB)
Ou seja, 11 operosos edis (SIC) votaram a favor deste projeto absurdo. Só 9 vereadores com alguma vergonha na cara (que eu não sei quem são - se alguém aí de São José dos Campos puder me dizer quais foram, eu informarei seus nomes com o maior prazer) votaram contra este absurdo.
(Breve humor, que ninguém é de ferro. Juro que se eu estiver em São José dos Campos, não comprarei pão na padaria de Robertinho da Padaria - o pão deve ser o que o Dito Cujo amassou. Se eu ficar doente, não comprarei remédios na farmácia de Alexandre da Farmácia - vai que misturam veneno ao remédio... Quanto a Tampão... bem, basta dizer que não deixarei nenhuma namorada minha chegar perto...)
Assim como o projeto de lei sobre o Dia do Orgulho Hetero espera a sanção de Gilberto "Camomila" Kassab, o projeto de Cristovão Gonçalves aguarda a sanção do prefeito de São José dos Campos, Eduardo Cury (PSDB). E, em ambos os casos, todas as pessoas de bem e com vergonha na cara se mobilizam para que ambos vetem estas excrescências.
Por que este projeto 280/2011, de São José dos Campos, é grave?
Deixarei a palavra com os redatores de um blog que adota o singelo nome de (não vale rir, desta vez...) Fiscais de Fiofó S.A. (objetivo deste blog: informar a todos sobre "Projetos de Lei de relevante alcance social propostos pela Frente Parlamentar dos Fiscais do Fiofó Alheio, também conhecida pela singela alcunha de Frente Parlamentar Evangélica."
Dizem os redatores:
Perguntinhas simples:
1- Tá proibido passar Glee em São José dos Campos? Porque ele queria proibir a peça A Loba de Ray-Ban da Cristiane Torloni de se apresentar na cidade.
2- Em que artigo do código penal essa lei se enquadra?
3- Já que tá proibido induzir o homossexualismo (SIC) para ser justo, não deviamos proibir a propaganda do heterossexualismo? ABAIXO conto de fadas nas escolas!
4- A multa vale para ONGs? Escolas? Professores que abordarem o tema na escola serão multados?
5- E a Lei Estadual 10948/01 que garante a livre expressão sexual aos homossexuais, nos mesmos moldes dos heterossexuais? Ele vai ignorar?
Depois me chamam de apocalíptica quando digo que esse país caminha pra uma teocracia. Essa lei CRIMINALIZA a homossexualidade. Ao focar apenas no comportamento homossexual como algo a ser evitado, ela é discriminatória, abusiva e inconstitucional.
E mais adiante:
Estamos caminhando para a criminalização da homossexualidade no Brasil.
Os evangélicos fundamentalistas não querem que a homofobia seja criminalizada.
Querem que seja um direito, não querem que a escola implemente medidas pra evitar o bullying querem obrigar homossexuais à invisibilidade, ou que desapareçam, caso contrário viram alvo.
Não há mais que medirmos palavras quanto a isto há uma guerra "Santa", uma verdadeira perseguição com o intuito de amordaçar gays no Brasil.
Não por acaso, o blog Fiscais do Fiofó termina dizendo: "Este Tumblr é baseado em fatos reais, qualquer semelhança com um Estado Laico terá sido mera coincidência."
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Tá, o Izaías Júnior já falou em seu vídeo, mas não custa falar: quando se apresenta um projeto de lei criminalizando a homofobia, a ideia também é punir TODOS os tipos de crime. Inclusive o assassinato, e/ou sua incitação ao assassinato. É, isto mesmo, o projeto de lei criminalizando a homofobia, entre outras coisas, defende o 6º Mandamento de Deus: não matarás.
Ou será que o próximo passo destes "ínclitos defensores da moral e da fé" (SIC), será a apresentação de projetos de emenda aos Dez Mandamentos, incluindo o assassinato (ou incitação ao assassinato de homossexuais) como "exceção abençoada"?
Basta lembrar, só para citar um caso recente, o da adolescente Adriele Camacho de Almeida, em Itarumã (GO). Lembram-se? Adriele, 16 anos, namorava a filha de um fazendeiro da região, de 15 anos. Como sói acontecer, a família não aceitava este relacionamento, mas mesmo assim as duas continuaram a namorar às escondidas. O pai chegou a ameaçar Adriele de morte (coisa comum em lugares onde a justiça fica no bolso dos fazendeiros e no cano dos fuzis de jagunços), mas a adolescente nem deu bola. Devia ter levado a sério. No dia 13 de março, Adriele desapareceu. Seu corpo só foi encontrado por volta de 5 de abril. O fazendeiro está preso, e seus outros dois filhos - um de 15, outro de 13 - que participaram do crime (e juram que o pai não participou do crime - fato tão verdadeiro quanto a existência do saci pererê) estão em instituições para menores infratores. Até quando, não se sabe.
Será que é isso que os "ínclitos defensores da moral e da fé" (SIC) desejam - uma licença para matar gays, lésbicas e transexuais livremente - quando bloqueiam o projeto de criminalização da homofobia?
O que nos lembra outro caso, desta vez, dos EUA: Brandon Teena - ou, se preferir, Teena Brandon.
Este nome não lhe é estranho, certo. Sim. Tem a ver com a indicação desta séria série: Meninos não choram (Boys don't cry - EUA, 1999), de Kimberly Peirce - já lançado no Brasil, disponível em DVD, que deu ao par romântico Hillary Swank (Brandon Teena/Teena Brandon) e Chlöe Sevigny (Lana Tisdel) dois Oscars em 2000 - melhor atriz para Hillary, melhor atriz coadjuvante para Chlöe.
A história de Brandon ou Teena é simples.
Nascido em Lincoln (capital do estado do Nebraska), Brandon começou a se identificar do sexo masculino na escola. Sua mãe não aceitava sua identidade masculina e continuou se referindo a ele como "filha". Em 1993, depois de alguns problemas legais, Brandon mudou-se para Falls City, no Condado de Richardson, ainda em Nebraska, onde ele se identificou apenas como um homem. Brandon fez amizade com vários moradores locais - entre eles, os ex-presidiários John Lotter e "Tom" Nissen. Depois de se mudar para a casa de Lisa Lambert, Brandon começou a namorar uma das amigas de Lambert, Lana Tisdel. Tisdel e Lotter tinham sido amigos desde a infância e tinham namorado anos antes.
Os ingredientes para a tragédia estavam à disposição, e começaram a ser misturados em 15 de dezembro de 1993, quando Brandon foi preso por falsificação de cheques. Lana Tisdel pagou a sua fiança e viu que Brandon estava na ala feminina da prisão, quando soube que Brandon tinha genitais femininos. Quando foi questionado, Brandon disse que pretendia fazer uma operação para mudança de sexo.
Tarde demais para as explicações: a polícia divulgou a descoberta no jornalzinho local, o Falls City Journal. Quando a história se espalhou, os amigos Lotter e Nissen deixaram de ser amigos de Brandon: passaram a ser homófobos (e, como a ciência já provou, 90% dos homófobos, na verdade, são homens com tendências homossexuais latentes).
Pior que isso: homófobos que demonstram sua homofobia da maneira habitual - a violência.
No Natal de 1993, Nissen e Lotter agarraram Brandon e o obrigaram a remover as calças, mostrando a Lana que Brandon tinha genitais femininos. Lotter e Nissen, em seguida, atacaram Brandon, e o obrigaram a entrar em um carro. Eles dirigiram para uma área dentro de uma fábrica de embalagens de carne, espancaram e o estupraram. Em seguida, voltaram para a casa de Nissen. Brandon escapou da casa de Nissen escalando a janela e foi até a casa de Tisdel. Ele estava convencido a denunciá-los a polícia, apesar de Nissen e Lotter o terem ameaçado de morte. A polícia, para variar, não acusou ninguém, devido a uma alegada falta de provas.
Pronto, Tom Nissen e John Lotter sentiram-se livres para ir além.
Na noite de 31 de dezembro de 1993, Lotter e Nissen partiram para a casa de Lisa Lambert a procura de Brandon. Eles atiraram em Lisa Lambert e Brandon Teena e os mataram.
Mais tarde, descobriu-se que o xerife do condado, Charles B. Laux, não fez nada para prender Lotter e Nissen. Motivo: Laux era candidato à reeleição ao cargo de xerife (sim, amigos leitores, em diversos lugares dos EUA, diversos cargos do judiciário - juízes, promotores e mesmo chefes de polícia e xerifes - são eleitos pelo voto direto - com tudo o que há de bom e ruim neste processo de escolha) e queria evitar um escândalo na cidade que atrapalhasse a sua reeleição; para tal, abafou o caso e evitou prender os dois.
Laux conseguiu se reeleger xerife em novembro de 1995. Mas depois teve de enfrentar merecidas críticas - não dos habitantes do condado, mas do país inteiro, e pelo óbvio ululante: pela negligência de seu escritório, que não prendeu Lotter e Nissen de imediato. Se tivessem feito isto, Brandon/Teena ainda poderia estar viva.
Se o escritório do xerife Laux não fez nada, o clamor da opinião pública do país inteiro agiu por ele.
Em fevereiro de 1996, Lotter e Nissen foram finalmente julgados. Nissen testemunhou contra Lotter e foi condenado à prisão perpétua. John Lotter foi condenado a pena de morte e atualmente seu caso se encontra em revisão.
Mas Meninos não choram não aborda a batalha judicial e da opinião pública pela condenação dos assassinos. Ele se fixa num espaço de tempo entre a chegada de Brandon a Falls City e seu brutal assassinato. Mais especificamente, na própria figura de Brandon Teena - um amante arrebatador e um forasteiro preso numa armadilha, um "ninguém" empobrecido e um sonhador elaborado, um ladrão audacioso e a vítima trágica de um crime injusto - seu sonho de ser aceito como homem e seu confronto com a mediocridade, expressa em violência, de um lugar rural dos EUA.
Belíssimo filme, que merece ser revisto (o trailer que o diga). E, de preferência, exibido para os "fiscais do fiofó" alheios - quem sabe, eles se mancam.
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