25 agosto, 2011

DA SÉRIA SÉRIE "FILMES QUE JAIR BESTEIRARO ET CATERVA A-DO-RA-RI-AM..." (XIX)

Saiu, para variar no facebook, de amigos sérios, e eu não resisti à tentação de colocar aqui.
Diálogo:
- Você aprendeu na escola sobre respeitar os índios?
- Sim!
- Virou índio?
- Não.
- Então, por que diabos acha que ensinar seu filho a respeitar os homossexuais o fará se tornar um?
Pano rápido (para quem se sentiu incomodado, claro...) 
Pois é.
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Dito isto, voltemos ao que nos interessa nesta séria série: o filme de hoje. E este filme, confesso, pode decepcioná-los, como me decepcionou um pouco.
O filme é Assunto de meninas (Lost and delirious - Canadá, 2002).
O motivo?
Transcrevo aqui trecho de crítica de Cleber Eduardo na época, publicada na revista eletrônica de cinema Contracampo:
Há filmes com homossexuais e há filmes sobre homossexuais. No primeiro caso, a homossexualidade, em geral, define os personagens. Eles não existem para além de suas opções na cama. Na segunda linhagem, a opção sexual, também em linha geral, é seu inferno. Eles não existem para além do sofrimento de serem diferentes. Assunto de Meninas é do segundo time, mas, ao contrário do redutor título em português, não faz a linha "resistência militante". Ao contrário do que imagina o distribuidor, e em linha oposta às conclusões de alguns resenhistas, que direcionam a história a um gueto de jovens lésbicas da classe média alinhadas à cena cultural de suas cidades, o resultado é dirigido a quem não bate cartão no MIX Brasil e não conhece a cartilha do planeta GLS.
E este é o problema deste filme. Justamente por esta ânsia de tentar dialogar com um público hetero e, digamos, desinformado sobre o povo LGBTS, acaba não dizendo o que interessa: o povo LGBTS é um povo que ama pessoas de seu próprio sexo; de resto, são pessoas como eu, você e a torcida de seu time favorito. (E se este for o seu caso - hetero e desinformado - por favor, esqueça que o povo LGBTS é só aquela caricatura afeminada que você vê na TV, em novelas e programas de humor.) Ao contrário, reforça diversos mitos errôneos sobre a relação amorosa entre pessoas do mesmo sexo - que é uma relação desequilibrada, emocionamente instável, que nunca dará certo.
Senão vejamos. A não-personagem Mary "Mouse" Bedford (Mischa Barton, das séries Once and again e O.C. - Um Estranho no Paraíso - onde, por acaso, suas personagens viveram romances lésbicos), mandada pelo pai e por sua nova esposa para este colégio interno onde se passa a trama - mais para se livrar de um incômodo (ela) do que para o seu próprio bem - vira uma testemunha quase muda, ou quase calada, do romance entre Pauline "Paulie" Oster (Piper Perabo) e Victoria "Tori" Moller (Jessica Paré) - mais especificamente, de seu auge e do seu fim abrupto, quando "Tori" resolve romper o romance com "Paulie" para que seus pais não saibam; já basta ser descoberta na cama com "Paulie" pela irmã caçula malinha, Allison (Emily VanCamp, da série Everwood). E "Paulie", simplesmente, enlouquece.
Como assim, enlouquece? Mais um trecho da crítica de Cleber Eduardo:
A postura da menor abandonada poderia ser transformada em um libelo em favor da liberdade de escolha. Não é. Ela não admite ceder às convenções apenas porque é do contra. Mergulha nas dores da rejeição apenas porque é deprimida. Cuida de um gavião ferido apenas porque é tantã. Desafia o namorado da amada apenas porque tem um lado macho. O mundo não se torna inabitável para ela por conta da mente curta das pessoas ao seu redor ou da falta de coragem de sua ex-parceira, mas porque ela tem problemas para aceitar as concessões necessárias em uma vida em grupo. A mocinha é tratada como uma louca clínica, como uma desequilibrada psicológica, como uma pedra no sapato da civilização, não como uma romântica alérgica à hipocrisia. Ela só age como age, segundo se constata, porque não teve mãe. Ah, tá!
Ou, pelo menos, a cineasta suíça Léa Pool deve achar que isso - o desequilíbrio emocional - sempre acontece com os (as) adolescentes. Mais um trecho da crítica de Cleber Eduardo:
Na edição de 2001 do Sundance, Assunto de Meninas, adaptado do romance The Wives of Bath, de Susan Swan, foi recebido com confetes. Talvez porque seu tema esteja na moda, embora, nessa onda, Amigas de Colégio, de Lukas Moodison, seja mais libertário e melhor. Talvez porque sua diretora, Léa Pool, suíça radicada no Canadá, esteja construindo uma grife, ainda a ser analisada, como cronista de tipos carentes. Seu título de maior projeção internacional, Emporte Moi (1999), prêmio ecumênico em Berlim, também tratava de efeitos do esfacelamento familiar. Era a história de uma adolescente dos anos 60, afetada pela ausência dos pais, que se identificava com Nana, a prostituta interpretada por Anna Karina em Viver a Vida, de Jean-Luc Godard. Presume-se que, para Lea Pool, adolescência é o cão. Um cão que ladre, morde e tem raiva. Sem dar chances de fazer suas personagens olhar para a frente.

Certo. Então, se eu acho que Assunto de meninas não é essa coca-cola toda, por que diabos eu o estou indicando nesta séria série?
Primeiro, porque mostra o que não se deve fazer para abordar o tema das relações amorosas entre pessoas do mesmo sexo, especialmente na adolescência. Segundo: apesar dos equívocos, o roteiro é razoavelmente bem amarrado, e seu elenco - especialmente o feminino - estava bem afiado.O elenco, aliás nos leva ao terceiro item. Na verdade, uma atriz do elenco: Piper Perabo - sim, a intérprete da "louca" Paulie. Legítimo produto da mistura de mãe norueguesa e pai português, Piper dá a sua personagem uma alma, complexidade e credibilidade mais forte, subvertendo o clichê.
Na verdade, Piper Perabo ainda será uma das grandes atrizes de sua geração, dado o seu enorme talento. Basta mudar de agente - de preferência, um que lhe consiga papéis melhores em filmes melhores. Do contrário, sua interpretação em Assunto de meninas continuará sendo o ponto alto de sua carreira no cinema.

Veja o trailer de Assunto de meninas, e tire suas conclusões.

Veja também dois trailers (1 e 2) do atual trabalho de Piper Perabo: ela é protagonista da série de TV Covert Affairs. Já imaginou a "louca" de Assunto de meninas como... agente da CIA? Pois é...


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