Diário do Bolso
(José Roberto Torero)
20 de março de 2019
Caro Diário, me sinto nas nuvens. Porque estamos no
avião, voltando para o Brasil, e porque meu encontro com Donald foi
inesquecível.
Mas antes vou contar como foi a segunda-feira. Eu e
o Moro estivemos na CIA. O Moro cumprimentou todo mundo. Sabia até o nome do
porteiro. A gente mal entrou e o celular dele já pegou o wi-fi do lugar.
Eu tive uma reunião com a Gina Haspel, que agora é
a diretora da CIA. Mas antes ela era responsável pelas prisões secretas, onde
os interrogadores usavam técnicas de tortura. Tipo afogamento, injeção retal,
essas coisas. Ah, que mulher! O Ustra ia ficar gamadão.
Agora, sim, vou contar como foi meu encontro com Donald.
Agora, sim, vou contar como foi meu encontro com Donald.
Confesso que quando vi aquela cara laranja e a
gravata vermelha, levei um baque. Até perguntei pro Dudu: Será que ele pintou o
rosto por causa do Queiroz, que nem o pessoal no carnaval? E essa gravata? É do
PT?
Minha sorte é que o Dudu é um cara culto, que até
leu livro do Olavo de Carvalho. Ele me explicou que vermelho é a cor do partido
republicano. E que o Trump é daquele tom mesmo.
Ah, não posso deixar de falar do cabelo. É lindo!
Como se fosse uma nuvem dourada sobre a cabeça dele.
Pra quebrar o gelo, falei logo de cara: “O que é bom para os EUA é bom para o Brasil.”
Pra quebrar o gelo, falei logo de cara: “O que é bom para os EUA é bom para o Brasil.”
Ele respondeu que para eles seria bom ter uma base
em Alcântara.
- Leva! É de vocês. E o melhor é que lá no Maranhão
o governador é do Partido Comunista. Se você errar e o foguete cair bem na sede
do governo, vai ser ótimo, kkkkkkk!
Eu pensei que ele ia rir, mas ele respondeu “Ok”
com uma cara bem séria e apertou minha mão.
Depois ofereci visto livre unilateral para todos os
americanos: “Olha, não precisa nem de carimbo, pelo amor de Deus. Loiro que
fala inglês entra direto. Pra vocês é que nem bordel ou casa de vó: a porta vai
estar sempre aberta.”
Então ele me olhou bem dentro dos olhos (eu até
parei de respirar) e perguntou:
- E a Venezuela?
Respondi: - Os meus militares dizem que é melhor ir
na base da diplomacia. Mas se você quiser, eu vou lá e ataco. Você sabe atirar?
Podemos ir nós dois. Topa?
Ele ficou tão contente que me deu uma camisa da
seleção americana de soccer. E eu dei uma camisa da seleção brasileira. Talvez
eu tenha saído perdendo nessa troca. Sei lá.
Quando a gente se despediu, falei para ele: “EUA
acima de tudo. Donald acima de todos”. Ele me respondeu com uma piscadinha.
Ah..., Diário, deu até vontade de ficar mais um
pouco. E nem ia ter problema no Brasil, porque o Carluxo ficou lá, despachando
no meu lugar. O Brasil é que nem uma quitanda: o pai sai, mas deixa o filho no
balcão. Kkkkk!
Enfim, foi um encontro inesquecível. Só tenho uma
dúvida: Será que ele vai me escrever?
PS: A ilustração de hoje é de Rafael Terpins
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PPS: Diário, o projeto do seu livro começou muito
bem. Se o Flávio mandasse só um daqueles envelopinhos já fechava o orçamento.
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Isso mesmo: o Diário
do Bolso está fazendo tanto sucesso no Faceburro (finalmente o algoritmo do
Face deixou de ser censor... por enquanto...) que José Roberto Torero,
atendendo a insistentes pedidos, lançou uma vaquinha virtual (e como diria o
Ancelmo Gois, "crowdfunding é o cacete!") para viabilizar uma edição
em livro.
Quem está adorando o Diário do Bolso pode colaborar para a campanha no Kickante, na
página https://www.kickante.com.br/campanhas/diario-do-bolso-100-dias.
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Agora, falando sério:
Lembram-se da famigerada "cena da
manteiga" de O último tango em Paris
(1972), de Bernardo Bertolucci? (É, aquela cena em que Marlon Brando usa um
pouco de manteiga para sodomizar Maria Schneider – e que falo como famigerada
depois que Bernardo Bertolucci confessou em entrevista que, na verdade, foi um
estupro, já que Brando e Bertolucci nunca disseram a ela que seria real?)
Pois é.
Vinte anos de diplomacia, de batalhas comerciais
com os EUA, foram jogadas no lixo na segunda viagem internacional do Coiso.
Porque quem foi aos EUA não foi o presidente do Brasil, que deveria defender os
interesses do Brasil, mas um tiete de Pato Donald Trump. E como o sonho de
tiete é dar (de livre e espontânea vontade, ao contrário da Maria Schneider) pro
seu ídolo, foi o que o Coiso fez. Afinal, como declarou placidamente o próprio
Coiso (depois de dar pro Trump), "Alguém teria de ceder". (Por que
quem "teria de ceder" é justamente o lado mais fraco da relação
econômica com os EUA – nós, Terra Papagalli – é que não fica muito legal.)
Resultado: o Coiso destruiu tudo com um deslumbre e
uma subserviência incompatíveis com o comportamento que espera de um Presidente
da República.
Não só o Brasil se compromete a importar dos EUA
750 mil toneladas de trigo com tarifa zero, mas (ignorando as enormes e
estruturais carências da economia brasileira – e depois de duas décadas para
construir casos consistentes na OMC) abre mão de questionar, na OMC, as
assimetrias causadas pelos bilhões de dólares com que o país de Trump subsidia
sua agricultura. Na prática – em um momento de alegada penúria dos cofres
públicos, de pesados cortes em Educação e Saúde, na iminência de se aprovar uma
"reforma" que levará à miséria contingentes de brasileiros a pretexto
de sanear as contas públicas – abre mão de dezenas de milhões de dólares em
prol do país mais rico do mundo.
Ou, em português claro: um monte de acordos caracu - os EUA entram com a cara (de
pau) e o Brasil com o... a última sílaba. O Coiso fez o Brasil abrir as pernas
para os EUA de Trump.
Desta forma, cidadãos de Terra Papagalli, preparem-se:
a partir destes acordos caracu, a cena da manteiga será repetida por um longo
tempo.
Pior: com todos nós – inclusive contigo,
bolsonarete fanático.
Pior ainda: sem sequer uma manteiga para aliviar.
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Ah, sim, galera do audiovisual: se este pensamento
subordinado prevalecer em nossa área, não adiantará nos fingirmos de mortos.
Some-se à influência vingativa do Frota, e podermos voltar aos tempos daquelle caçador de maracujás (1990 a
1992)... É bom a galera do audiovisual brasileiro abrir os olhos.
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Vivendo e aprendendo para pesquisar indicações de
filmes para esta séria série.
Alguém já ouviu falar em Mazo de la Roche? Não? Então vamos a uma breve
biografia.
Mazo de la Roche (1879-1961) nasceu como Mazo Louise Roche em Newmarket,
Ontario, Canada – país onde viveu longamente (82 anos) toda a a sua vida. O
apito que ela toca? Foi escritora – uma das mais ilustres do Canadá, com sua
série de romances Jalna – uma saga de
16 romances sobre a história da família Whiteoak (Jalna é a mansão da tal
família), publicados entre 1927 e 1958.
Mas não, a indicação para esta séria série não é
nenhuma adaptação de algum dos livros da série Jalna, mas a história de sua autora, em The Mystery of Mazo de la Roche (Canadá, 2012), de Maya Gallus. O filme retrata o
relacionamento entre Mazo de la Roche (Jordyn Negri, a Mazo mais jovem; Severn
Thompson, a Mazo mais madura), e sua companheira ao longo da vida, Caroline
Clement (Deborah Hay).
A história é mais ou menos assim: quando Mazo de la Roche tinha sete
anos, seu pai adotou sua prima órfã, Caroline Clement. Mazo e Caroline viveram
juntas pelo resto da vida. Em 1931, elas adotaram dois filhos de dois de seus
amigos que haviam morrido.
Os biógrafos de Mazo de la Roche, com um quê de pudidícia, dizem que ela vivia com sua prima uma espécie de amizade apaixonada, chamada naqueles dias de "casamento bostoniano". (Quem documentou esse conceito – muito usado naquele mundo vitoriano do século XIX – foi o escritor Henry James (1843-1916) – sim,
ele mesmo, o autor de Outra volta do
parafuso (1898), que originou um dos filmes de terror psicológico mais
importantes do cinema, Os inocentes / The Innocents, Reino Unido, 1961), de Jack Clayton; e de The Altar of the Dead (1895), que deu
origem a um dos filmes mais injustiçados de François Truffaut, O quarto verde / La Chambre verte, França, 1978 – em seu romance The
Bostonians (1886). Nele, vemos duas mulheres feministas, Olive Chancellor
e Verena Tarrant, vivendo juntas como um casal, sem nenhum viés (odeio esta
palavra desde que o Coiso passou a abusar do uso dela...) emocional ou sexual,
e sem o apoio financeiro de um homem. Tipo assim, um casamento entre mulheres
sem sexo.Bem, precisamos levar em conta de que este conceito – uma relação afetiva sem cunho sexual – era muito comum desde as "damas de Llangolen" (Eleanor Butler e Sarah Ponsonby,que mandaram às favas as famílias, os casamentos arranjados e as idas para conventos que elas planejavam e fugiram para viver juntas, em fins do século XVIII) – e mais ainda durante a época vitoriana (século XIX), com seu puritanismo exaltado. Havia quem acreditasse ou queria acreditar. Havia mesmo até quem realmente pusesse isso em prática, e a sério.
Por outro lado (é, esse aí mesmo, onde colocaram este armário onde os
narnianos se refugiam...), suspeita-se muito de que um "casamento bostoniano"
disfarçava uma relação amorosa e sexual entre duas mulheres. Isso se ainda
levarmos em conta de que existem fortes suspeitas a respeito da sexualidade de
Henry James – sim, suspeita-se de que ele era narniano (gay enrustido, para
quem não sabe o que significa a palavra "narniano"...) até o fim da
vida...
Ou seja, podia haver mais do que um relacionamento lésbico entre Mazo de
la Roche e Caroline Clement. Mas que havia, havia, e é isso que o filme de Maya
Gallus pretende discutir.
Não há trailer. Mas há um clip do filme no site do National Film Board (ou Office National du Film, pour les Canadiens francofones...), o órgão de estímulo ao audiovisual do Canadá.
Digam-me o que acham, e até lá.
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