23 julho, 2011

DA SÉRIA SÉRIE "FILMES QUE JAIR BESTEIRARO ET CATERVA A-DO-RA-RI-AM..." (X)

Antes de uma nova indicação para esta séria série - e se me permitir o coleguinha blogueiro Walter Hupsel, do Yahoo!, transcrevo parte de um de seus últimos artigos, O (in)visível preconceito:

Às vezes tem tanto assunto em uma semana que fica até difícil escolher um para comentar. No mínimo dois fatos reveladores do que (ainda) são o Brasil e os brasileiros. O primeiro aconteceu no fim de semana na cidade de São João da Boa Vista, interior de São Paulo, onde pai e filho foram brutalmente agredidos por um grupo de jovens que achou que formavam um casal homossexual . O pai perdeu um pedaço da orelha. A outra notícia, que não mais nos choca pela naturalidade com que é dita, são as patroas reclamando que não se acha mais bons serviçais no Brasil.

Na verdade nenhuma delas choca mais. Naturalizamos os crimes de ódio e a exploração. Podemos nos lamentar, alguns de nós, mas não nos indignamos . O fato é que, tal como as fazendas de cana do século 19, que tinham corredores entre as paredes para os escravos circularem na sede sem serem notados, queremos estar cercados de seres invisíveis
Toleramos os gays, desde que não sejam gays em público. Devem manter as aparências cobradas pela família branca heterossexual. Toleramos a alcova, mas reprimimos violentamente em público. O indesejado incomoda a ponto de alguns jovens – vejam bem, jovens, aqueles que esperamos que sejam mais liberais, menos preconceituosos – partirem para a barbárie contra dois homens que pensaram que eram um casal. Ou pior, assassinarem 128 gays em 2011 por serem… gays
(...)
Por que? Eu me atrevo a tentar responder. Porque agora querem ter direitos, querem ter jornada de trabalho, porque agora ousam dizer não. Não querem ser “boas empregadas”, aquelas que só dizem docilmente “sim”. Querem ser trabalhadores, como qualquer outro.
E os gays querem ser iguais, querem poder andar de mãos dadas com seu (sua) namorado(a), querem, inclusive, casar, coisa que ameaça não a tal família brasileira, mas o preconceito inculcado sobre a promiscuidade. A proibição do casamento homossexual é a trincheira a ser defendida porque nos mostra que os gays são iguais a nós.
E tudo isso assusta. Assusta quem foi criado num ambiente segregado, que tem seus parâmetros fixos que colocam cada macaco no seu galho, previamente estabelecido, claro.
Aí, quando se rompem os galhos, há séculos estabelecidos, a revolta é geral, pois mostram o quão iguais os diferentes são. Mas isso, para muitos, é intolerável.


E isso hoje, 2011. Imagine em 1986 - ano em que foi lançado o filme de hoje desta séria série: Vera, de Sérgio Toledo. É o chamado filme baseado em história real - mais especificamente, na primeira parte do livro A queda para o alto, de Sandra Mara Herzer - aliás, Anderson Herzer, ou Herzer, como assinou o livro – que é, basicamente, sua autobiografia.
Resumo da (triste) ópera.

Herzer nasceu Sandra Mara Herzer em Rolândia, PR, em 1962 (um ano mais velha do que eu, caramba!) – para variar (mas nem tanto), numa família pobre e desestruturada (mãe prostituta, que morreu cedo, pai assassinado quando ela tinha quatro anos, tios indiferentes etc.). Aos 13 anos teve um namorado chamado Bigode que morreu tragicamente em um acidente de moto. Também na adolescência encontrou um refúgio para a sua carência afetiva no álcool e nas drogas – o que levou seus tios a terem uma “brilhante” ideia para lidar com este problema: enviaram-na para a FEBEM, sem nunca ter cometido qualquer crime.
Herzer ficou lá na FEBEM dos 14 aos 17 anos, descontados pequenos períodos em que fugiu de lá para “respirar”. Foi lá que se descobriu homossexual. Mais do que isso, foi lá que assumiu uma personalidade masculina: Anderson “Bigode” Herzer – justamente, o apelido de seu namorado morto. (Também foi lá que, segundo fontes mais ou menos confiáveis, os médicos da FEBEM lhe injetaram hormônios masculinos, como forma de acalmar os hormônios de certas internas, o que contribuiu mais ainda para a criação de sua masculinidade. Mas isso nunca foi confirmado.) Não foi a única: haviam outras meninas que adotavam identidades masculinas e formavam “famílias” com outras meninas (a menina com identidade masculina era o “pai”, outra menina era a “mãe”, e uma menina mais nova era a “filha”). Mas Herzer seria a mais respeitada pelas outras internas. Claro, isso desagradou a direção da FEBEM. Mas não podiam fazer muita coisa para desfazer isso, salvo pelos métodos “sutis” que toda instituição que se diz de reeducação utiliza – o que levava a um resultado pífio.
Com tudo isso, o mais impressionante foi: como Herzer conseguiu desenvolver sua sensibilidade e talento literário num ambiente tão hostil, pois escrevia poemas (alguns publicados na segunda parte de A queda para o alto) e peças de teatro, encenadas (quando podia...) entre as internas. Isso chamou a atenção de um deputado estadual, chamado Eduardo Suplicy, que conseguiu retirá-la da FEBEM aos 17 anos, dando-lhe trabalho em seu gabinete na Assembleia Legislativa paulista.
Isso durou pouco tempo: Herzer não conseguiu ser efetivada no trabalho, nem conseguiu outro emprego. Menos ainda ser reconhecida como uma persona masculina, como homem, como queria. E, pior ainda, não se livrou dos traumas de infância e da adolescência na FEBEM. Em 10 de agosto de 1982 – pouco antes do lançamento de A queda para o alto – atirou-se do Viaduto 23 de Maio. Foi socorrida, mas os ferimentos eram graves, e ela morreu.
Vera conta esta história com alguns detalhes para despistar. No filme, Sandra Mara Herzer - ou Herzer - virou Vera Bauer (encarnada com garra e talento pela então jovem Ana Beatriz Nogueira). A instituição onde foi internada, de FEBEM, transformou-se num orfanato. O então deputado Suplicy transformou-se num sociólogo (Raul Cortez, que lhe consegue trabalho não na Assembleia Legislativa, mas num instituto. Meros detalhes num filme de talento e sensibilidade.
Não achei um trailer, mas trago-lhes aqui três cenas. Na primeira cena, o personagem de Raul Cortez leva Vera ao instituto onde vai trabalhar, apresentando-a à diretora (Norma Blum); na segunda cena, Vera... ops, Bauer afronta os outros funcionários do instituto indo trabalhar de terno e gravata (claro: afinal, Vera, aliás Bauer, não se achava como homem?); na terceira cena, somente Vera/Bauer e sua amada Clara (a bela e talentosa Aida Leiner).
Belíssimo filme. Já existe em DVD ou em Blu-Ray?


P.S.: Já tinha três ótimos motivos para não votar no DEM: o fato de ser um partido surgido da costela da falecida ARENA, o partido da situação da ditadura militar; a presença em seus quadros de psicopatas (como Cesar Maia, que negou obstinadamente a existência de um surto de dengue na cidade em que fingia governar - causando, com isso, a morte de centenas de pessoas - só para continuar oposicionista e não pedir socorro aos governo federal e municipal) e "valentes de plenária"; e a insistência numa plataforma de governo francamente reacionária, travestida de "liberal". Agora, achei mais um motivo: utilizar a desinformação das pessoas e o falso-moralismo de outras para restaurar a censura via liminar no Judiciário, contra um filme que nem sequer viram. Depois se perguntam por que perderam as últimas eleições...

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