Outro dia, um amigo, que costuma ler este blog, me mandou e-mail me dizendo que esta séria série era boa, mas inútil. Para ele, nenhum dos filmes que eu estava indicando para os distribuidores seria trazido para o Brasil por um motivo simples: nenhum distribuidor seria tão corajoso a ponto de afrontar o gosto conservador do público.
O argumento seria lógico, não fosse um pequeno detalhe, que meu amigo esquece: o público de cinema não é um bloco único, monolítico - tipo assim, o público só gosta de Harry Potter, de Capitão América etc., etc. e tal. O público de cinema, graças a Deus, é uma bela colcha de diferentes retalhos - em português mais claro ainda, são vários públicos de cinema. E estes diferentes públicos podem até convergir para um filme que fuja ao padrão comum. Ou, como esta indicação de hoje, que até subverta este mesmo padrão comum. Quando isso ocorre com um filme - e quando um distribuidor mais corajoso se atreve - ele é lançado nos cinemas tranquilamente.
É o caso da indicação de hoje desta séria série, que já esteve em nosso cinemas e pode ser encontrado em DVD: Plata quemada (2000) produção argentino-uruguaia, dirigida por Marcelo Piñeyro.
Para começar, Plata quemada é o caso de filme "baseado em fatos reais", pero no mucho. Vários bandidos portenhos realizaram um grande assalto no qual vários pessoas morreram em Buenos Aires; depois a quadrilha escapa para Montevideo, Uruguai. Numa noite de novembro de 1965 foram cercados pela polícia uruguaia, que após quatorze horas e milhares de balas atiradas no apartamento, terminou com um saldo de vários mortos, entre policiais e bandidos.
Simples assim? Sim e não.
Sim, Plata quemada é o clássico thriller de assalto, onde se descrevem as relações entre os bandidos (e destes, não tão amistosas, com a polícia), o planejamento do assalto, a ação e as consequências, quase sempre trágicas. E thriller de assalto bom é aquele cuja ação é tensa, vertiginosa, envolvente (tipo assim, que até nos faz torcer pelos bandidos).
Não, Plata quemada não é apenas um clássico thriller de assalto. Isso porque o assalto propriamente dito divide igualmente a ação com a relação entre dois dos bandidos, os protagonistas Nene (Leonardo Sbaraglia) e Ángel (Eduardo Noriega)
O quê? Os dois são gays?
Como diria o filósofo Aldir Blanc: "Ora, vá retumbar um editorial!" (De preferência, um editorial da Falha... digo, da Folha de S. Paulo, tão sensacionalista quanto a matéria burra sobre A serbian film, que resultou na inspiração para o golpe politiqueiro-falso-moralista do DEMagogos, que pediu e obteve a proibição do filme. Mas isso é outro assunto que vai dar panos pra manga. Voltemos à vaca fria.)
Nene e Ángel são contratados por um figurão para interceptarem um carro-forte que carregava 7 milhões de pesos, mas o roubo na verdade foi uma cilada e a dupla vê-se obrigada a matar para fugir.
O relacionamento entre os dois bandidos (Nene e Ángel) é conturbado. Nene é o lado inteligente e esperto da dupla; mesmo assim ele é apaixonado por Ángel. Por outro lado, Ángel é infantilizado. Fanático religioso, carrega a culpa pela sua vida (bandido e homossexual) e ouve vozes que o atormentam.
É entre estas duas linhas narrativas que Plata quemada se divide com talento e mais do que competência. Vale a pena revê-lo. Agora, o trailer, para dar água na boca de quem ainda não assistiu.
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