19 julho, 2011

"HÁ A CRETINICE DE UM REGIME IMPOSSÍVEL..."

Para entender toda esta birosca.
Em O Globo de 15 de julho último, a repórter Cláudia Amorim  fez uma reportagem para o caderno Rio Show. Título: Mocidade independente. Subtítulo bem explicativo: A nova produção indie nacional turbina o circuito alternativo carioca de salas de cinema. (Aliás, só achei esta reportagem na versão impressa do Rio Show: na internet, o destaque são Harry Potter, Anima Mundi e Cilada.com. Se alguém puder me mandar o link, tudo bem.) Por circuito alternativo de salas de cinema cariocas entenda-se: o recém-reformado e reaberto Cine Joia (Copacabana), o Cine Glória (porororororó... na Glória!...), o Ponto Cine (até agora, o único da zona oeste, em Guadalupe), o Cine Santa (Santa Teresa), a sala de cinema do Instituto Moreira Salles (Gávea) e, last but not least, o Unibanco Arteplex e o circuito Estação.
E por cinema indie brasileiro entenda-se: filmes dos mais diversos gêneros (ficção, documentário etc.) e tendências, realizados coletivamente com poucos recursos (leia-se: com R$ 1 milhão de reais ou menos), via editais ou mesmo por conta própria (bons exemplos: Meu nome é dindi, de Bruno Safadi; Belair, do mesmo Bruno Safadi e Noa Bressane; A fuga da mulher gorila e o recente A alegria, de Felipe Bragança e Marina Meliande; e o recém-premiado no Festival de Paulínia Trabalhar cansa, de Marco Dutra e Juliana Rojas).
Na mesma ocasião, o blog de Carlos Alberto Mattos, um dos melhores críticos de cinema brasileiro, publica um artigo sobre a Programadora Brasil e seus resultados. Com a sua permissão, um trecho: "A Programadora Brasil está comemorando. Chegaram a 1500 os pontos cadastrados para exibição de filmes brasileiros em DVD. Se 480 municípios brasileiros tem salas comerciais de cinema, são 800 os municípios que que hoje contam com algum espaço destinado a exibições de material da Programadora. Do Amapá ao Rio Grande do Sul. O número de espectadores nas sessões chega a 380.000, sem contar cerca de 200.000 que frequentaram as exibições nos espaços SESC pelo país afora. São números que de fato merecem comemoração."
Isso poderia deixar feliz alguém que buscasse a diferença no mercado cinematográfico - tipo assim, o dirigente de uma distribuidora e órgão de fomento de filmes brasileiros, como a Riofilme, por exemplo. Certo?
Errado.
Sérgio Sá Leitão - jornalista, ex-aspone... digo, ex-assessor de imprensa da Ancine e, mais tarde, diretor da mesma Ancine (sem ter feito sequer crítica de cinema, quanto mais uma assistência de produção ou de direção em cinema, nem que seja para dizer que conhece um pouco de cinema) - é o presidente da Riofilme. E já provou várias vezes que deveria estar trabalhando em outro lugar - de preferência, na Fox, na Warner ou em qualquer outra filial de uma major norteamericana no Brasil - tamanha a (o termo é meio de esquerda, mas vá lá) colonização de sua cabeça. A seguir, o que ele escreveu em seu twitter sobre a reportagem do Rio Show de O Globo:

@ssl_riofilme Sérgio Sá Leitão
E o RioShow? Apesar de publicado no Globo, parece um fanzine. Ação entre (poucos) amigos. Ignora o pop e celebra o obscuro. Inacreditável…

@ssl_riofilme Sérgio Sá Leitão

No dia em que estréia um filme-evento como Harry Potter 7... E começa um festival internacional de animação que atrai 100 mil pessoas...

@ssl_riofilme Sérgio Sá Leitão
O fenomenal RioShow celebra na capa o circuito alternativo de cinema do Rio! Depois os jornais não entendem pq perdem leitores...

@ssl_riofilme Sérgio Sá Leitão
De modo geral, o "alternativo" é o "mainstream" no RioShow e no Segundo Caderno...

15 Jul via Twitter for iPad


Tudo bem se a opinião fosse do presidente da Fox ou da Warner no Brasil - afinal, eles é que tem a obrigação de defender seu peixe, de dizer que a galinha Legorne de seus países é melhor que a nossa galinha caipira ou a galinha d'angola...
O problema é que Harry Potter não é (ou não deveria ser) o peixe (ou a galinha...) preferencial do presidente da Riofilme - que, até onde sei, é UMA DISTRIBUIDORA DE FILMES BRASILEIROS e UM ÓRGÃO DE FOMENTO DO CINEMA CARIOCA.
Sei não, mas se eu fosse o dr. (?) Sérgio Sá Leitão, deveria ter achado o circuito alternativo e independente do cinema carioca tão ou mais interessante quanto Harry Potter. Do jeito que ele fala, até parece que o Rio Show fala da cena cultural alternativa (ou de cinema indie brasileiro) todo dia. E eu nem sei se ele sabe, mas é o contrário que se dá: geralmente o Rio Show se dedica mais ao mainstream do que ao alternativo, e talvez seja por isso que esteja perdendo leitores - especialmente os mais jovens e os que não estão tão aferrados ao mainstream. (Claro que a opção de ler notícias e artigos pela internet também colabora para isso.) E talvez seja por isso (sem querer defender O Globo, que ele não precisa e nem merece) que o Rio Show esteja fazendo o que qualquer órgão de mídia decente que trata de cultura deveria fazer: se interessar, até o seu alcance, por todos os assuntos ligados a ela, que interessam a todos os tipos de pessoas - os alternativos, os aferrados ao mainstream, os colonizados (como você), os não colonizados etc., etc.
(Ah, em tempo: Cinética e Contracampo não são blogs de cinema: são sites, revistas eletrônicas de cinema. Portanto, "crítica blogueira" é a p*#% que p@#&*!)
E filme não é só evento. Mas isso o dr.(?) Sérgio, mesmo não gostando, deveria ter obrigação de saber.
Ou será que a Riofilme não é mais uma distribuidora de filmes brasileiros, tamanha a preocupação dele e de outras "otoridades" em fazer do Rio de Janeiro uma ótima locação para filmes internacionais a qualquer custo, e não me avisaram?
Ou será que a Riofilme não é mais um órgão de fomento do cinema carioca, tamanho o desleixo com que trataram uma de suas próprias realizações, a Chamada Pública de Audiovisual - onde, se dependesse do dr. (?) Sérgio, todos os produtores cariocas de audiovisual que inscreveram algum projeto em suas linhas de ação (Desenvolvimento de projetos de longa-metragem; projetos de séries para TV; projetos de jogos eletrônicos; produção de Documentários para TV; produção de Pilotos e de Série de TV; produção de Curta Metragem; de mostras e festivais de audiovisual; e finalização de longa-metragem, mais o prêmio adicional para desenvolvimento de projeto multiplataforma) ficariam esperando Godot pelo resultado atrasado em todos os editais durante o resto do ano, porque estavam pensando em esperar a MTV se decidir no edital de pilotos de séries para TV, e só não o fizeram porque a galera chiou - e não me avisaram?
Falando sério, o dr. (?) Sérgio deveria mudar de emprego. Vai lá, dr. (?) Sérgio, manda seu currículo para Fox, para a Warner, para a Paramount... 


Ou fica aí, que dá no mesmo. O cargo de presidente da Riofilme não é eleito, é nomeado por quem realmente é eleito por voto dos cariocas - o prefeito do Rio, que só vê a cidade pela ótica (e a ideologia colonizada) da Barra da Tijuca, onde mora...
E não adianta muito esta história de "deixa estar, tem eleições no ano que vem": há sérias dúvidas se eleger um novo prefeito vai adiantar alguma coisa.
Além do atual prefeito (o chefe do dr. (?) Sérgio Sá Leitão), a mais forte candidatura da oposição em andamento nasce como fruto de uma aliança espúria entre (me desculpe, tá, Ziraldo?) um "menininho" e um "maluquinho". O "menininho" é o narcisista truculento Anthony Gargantinho; o "maluquinho" (que, na verdade, acho que é um psicopata) é Cesar Mala Sem Alça (o homem que quase matou a Riofilme de fome e os cariocas de dengue, durante um surto que ele se recusou obstinadamente a admitir que houve, senão teria de tirar recursos da Cidade da Música e pedir ajuda aos governos federal e estadual - do qual ele era opositor ferrenho - para combater o surto), e a tal candidatura promete juntar o filho de Cesar Mala Sem Alça, para prefeito, e a filha de Gargantinho, para vice. 
E o interesse deles e de seus filhos pelo cinema brasileiro e carioca é o mesmo interesse que eu tenho pela proctologia: nenhum. Ou seja, ruim do jeito que está, pior se mudar.

Tudo isso me traz à memória algo que um francês chamado François Truffaut disse em carta a Louis Marcorelles, durante a crise na Cinemateca Francesa.
(A crise foi assim: no início de 1968, gente do governo De Gaulle - mais propriamente, ligada ao ministro da Cultura, André Malraux - tentou manobrar para tirar Henri Langlois de lá e assumir o seu controle, mas a reação de todos os profissionais de cinema franceses foi tão forte que eles voltaram atrás. Maiores detalhes sobre como eles combateram este bom combate, ver o excelente livro Antoine de Baecque e Serge Toubiana, François Truffaut, uma biografia - Rio de Janeiro, Record, 1998)
Fala m. Truffaut:
Há a cretinice de um regime impossível, mas também o fato de que, de De Gaulle a Mitterrand e Deferre, e com a exceção do modesto Mendès-France, são muitos os supostos membros das 'elites' que nada entendem e jamais entenderão de cinema.
Basta mudar os nomes de De Gaulle, Mitterrand e Deferre por nomes de políticos brasileiros - e cariocas, em particular - e vai ver que é a mesma coisa. Há a cretinice de um sistema impossível, mas também o fato de que, de Dilma Rousseff a José Serra, passando por Sérgio Cabral, Eduardo Paes, Anthony Garotinho, Cesar Maia, Jandira Feghali, Marcelo Freixo etc., etc., etc., são muitos os supostos membros das 'elites políticas' (SIC) que nada entendem e jamais entenderão de cultura, quanto mais de cinema.
E o pior é que eles podem falar e fazer todas as m%*&@$ que bem entendem, porque sabem que nós, profissionais de cinema cariocas (e brasileiros, por que não dizê-lo?), não vamos imitar os cineastas franceses em 1968 e reagir fortemente a isso: vamos ficar na nossa, alguns só esperando o próximo edital (lá pelo ano de 2014, por aí), outros só seguindo a lei de muricy (cada um cuida de si).
Precisamos ser tão conformistas, tão capachildos assim?
Aguardo respostas - se houverem.

(Ah, em tempo 2: o acervo de Augusto Boal, um dos criadores do Teatro de Arena e criador do Teatro do Oprimido, vai deixar o Brasil - direto para New York University (EUA). Motivo: sua viúva, Cecília Boal, não conseguiu nenhum - repetindo: NENHUM - apoio das "otoridades" públicas brasileiras e da iniciativa privada brasileira para manter e cuidear de seu acervo aqui no Brasil.

Ou seja: há a cretinice de um sistema impossível, etc., etc.,...)

3 comentários:

  1. oi, tenta colocar o gadget pro twitter e pro facebook, pra gente poder divulgar esse texto excelente. Abraço.. http://lucamartins.blogspot.com/

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  2. Parabéns pelo texto. Sinto falta de reflexões realmente críticas, e menos comportadas, no cinema. "E o pior é que eles podem falar e fazer todas as m%*&@$ que bem entendem, porque sabem que nós, profissionais de cinema cariocas (e brasileiros, por que não dizê-lo?), não vamos imitar os cineastas franceses em 1968 e reagir fortemente a isso: vamos ficar na nossa, alguns só esperando o próximo edital (lá pelo ano de 2014, por aí)..." Este trecho é ótimo. É exatamente este o movimento do cinema brasileiro atual (aqui, em São Paulo, isso é latente)passa. De escravinhos catando migalhas do governo à não-reação de uma categoria que se conforma quando cinco ou seis iluminados conseguem fazer seus filmes "fora dos padrões".

    Já agora, convido-o para continuar o debate http://cinefusao.blogspot.com/2011/07/multidao-domesticada.html : " Em sua própria formação o cinema já era baseado na divisão de funções, grau de importância e hierarquia, deixando claro o lugar dos patrões e de seus subalternos. As massas de expectadores narcotizados, e não o filme em si mesmo, é o verdadeiro “produto final” deste processo..."

    abs
    cinefusao.blogspot.com

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  3. Lamentável o comentário do Sérgio Sá, mais falado que a saga impossível. E, os enlatados vai se colocando cada vez mais no país e deixando a cultura do país de fora. Tudo bem tem espaço para tudo, mas eles de fora, já até demais. E, quando se dar valor ao que é nosso, acham que estão deixando os outros de fora. E OS OUTROS, os estrangeiros. Eles não dão tanto valor a nós, como alguns aqui dão a eles. Em meu blog/site já citei o joia, que bom que ele voltou a funcionar.
    Vamos valorizar as nossas estações de cinema, mais e mais...
    http://www.conectandorionatal.com.br/index.php/component/content/article/62-cinema/268-jose-e-pilar-e-joia-cine-joia.html

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