11 fevereiro, 2019

DA SÉRIA SÉRIE "FILMES QUE JAIR BESTEIRARO ET CATERVA A-DO-RA-RI-AM..." (XCI)

Diário do Bolso – 12
(José Roberto Torero)

Amigo Diário, neste fim de semana o Flavinho veio aqui conversar. Não vou lembrar de tudo, mas uma parte foi assim:
- Seja homem e pare de chorar!
- Desculpa, pai.
- Você imagina o que eu tô aguentando por tua causa? Hoje mesmo eu li no meu Face: “Vocês não são a favor da tortura? Tortura o Queiroz para ele falar a verdade”. Ou então: “Vocês não reclamavam que Cuba ficava com parte do salário dos médicos? Como é que o Flávio fica com os salários dos funcionários?”. É foda.
- Eu sei que eu errei, pai...
- Errou. E errou muito! Como é que você me dá uma dessas? Que decepção! Depósito em conta? Porra, põe o dinheiro na cueca, na meia, ou na mala, que nem o Geddel, mas não na conta.
- Pisei na bola...
- Na minha e na de todo mundo. Você vai ficar sozinho nessa. O Partido do Suco de Laranja já te abandonou.
- O PSL?
- Caraca, até eu já estou chamando o partido assim. Vamos ter que mudar de nome.
- A Globo está de marcação comigo, pai. É coisa pessoal. Nos últimos quatro anos o patrimônio do Eduardo aumentou 432% e ninguém fala nada.
- Não põe o Dudu o meio. Alguém pegou ele? Não. Então fica quieto. E vou te falar a mesma coisa que eu escrevi pro seu irmão: “Se você for preso, não vou te visitar na Papuda.”
- Nem no meu aniversário...?
- Nem. E a coisa só tá piorando. Antes era um milhão e duzentos. Agora já são sete! Vai esmerdear tudo!
- Sete milhões não é tanto assim. Vamos manter a história que ele ganhou isso vendendo carro.
- Porra, mas quem vai acreditar? Sete milhões em três anos, se cada carro custa uns vinte mil, quantos carros ele tem que ter vendido?
- Pô, pai, essa conta é difícil. Coisa de Enem. Tem calculadora aí?
- Deixa pra lá. Ninguém vai acreditar nisso! O negócio é que você botou um fuzil no meu cu e apertou o gatilho.
- Pai! Olha o palavreado.
- A gente conversa com o Olavo de Carvalho e fica falando essas baixarias. Mas não foge do assunto! Por sua causa tive que desmarcar a coletiva em Davos. Eu ia falar para o mundo inteiro e agora vou ter que ficar caladinho.
- O Moro não pode dar um jeito na coisa? Tem que despedir o comunista que vazou isso aí, pai.
- Se tem alguém que entende de vazamento é o Moro. Ele é melhor que encanador.
- Rarrarrá! Boa!
- Fecha o bico, palhaço! Só eu que posso dar risada aqui. E não vamos confiar muito no Moro, que o cara já deve estar arrependido. Aposto que tá pensando: “Pô, se eu tivesse ficado na minha, agora ia investigar os Bolsonaro e era eleito presidente em 2022.”
- O que a gente pode fazer, pai?
- Agora que o Fux parou a investigação, vamos aproveitar o tempo para descobrir o que eles sabem. Tem que ver isso daí. Depois, a saída é fazer aquela confusão com advogado, juiz, anular prova, o escambau.
- No final vai dar tudo certo, pai. Eu tenho certeza. Vamos fazer as pazes?
Aí ele me estendeu o dedinho, que nem fazia quando criança.
Eu respondi o que o Olavo de Carvalho responderia.

*********

Uma breve historinha.
Ciro Monteiro (1913-1973) – grande cantor com uma bossa incomparável – e Sergio Cabral – o pai, jornalista, crítico e pesquisador de MPB e escritor, não o filho (da p...) que está na cadeia por roubar tanto o RJ que o levou à falência – eram grandes amigos. Isso apesar de uma pequena diferença: torciam para times diferentes. Ciro Monteiro era Flamengo doente. Cabral Pai é Vasco – e se orgulhava do time de São Januário ter sido o primeiro time de futebol carioca (ou do Brasil?) a abrir as suas portas para jogadores negros.
Um dia, Ciro, Cabral Pai e seus respectivos filhos foram ao Maracanã ver um Vasco e Flamengo. O rubro negro venceu, e Ciro ficou mais feliz do que pinto (o filhote da galinha – não sejam maldosos...) no lixo... até olhar para o lado e ver Cabral Pai e seu filho tristíssimos pela derrota de seu time. Aí Ciro foi ficando triste, murcho...
De noite, a mulher de Ciro Monteiro telefonou para Cabral Pai, dizendo que não vai mais deixar seu marido ir a jogos de futebol com ele: "Puxa, o Flamengo ganhou e ele está tristíssimo por causa de vocês!"
Sim, a rivalidade no futebol era grande. Mas a amizade e a empatia de Ciro Monteiro para com os outros era muito maior.
Por isso, quando Vinicius de Moraes foi convidado a escrever um texto para a contracapa do LP "Senhor samba" (Columbia, 1961), não fez economia: disse, sem pestanejar, que Ciro era

não só o maior cantor popular brasileiro de todos os tempos – emparelhado apenas, na nova fase, com João Gilberto -, mas uma criatura humana de qualidades tão raras que eu acho improvável qualquer de seus amigos não se haver dito, num dia de humildade, que gostaria de ser Cyro Monteiro. Pois Cyro, pra lá de cantor e do homem excepcional, é um grande abraço em toda a humanidade.

(O grifo é meu.)
Bem, o tempo passou, Cabral Pai está fechado em casa (triste pelo filho), Ciro Monteiro "viajou fora do cumbinado" (copyright Rolando Boldrin).
E, pelo visto, parece que o bicho homem, pouco a pouco, se torna uma bolsa de colostomia falante e ambulante, sem empatia para com o outro.
A esta altura do campeonato, todo mundo está careca de saber do incêndio no Centro de Treinamento do Flamengo – melhor dizendo, no alojamento das categorias de base, que matou 10 garotos.
Pois bem: a rivalidade no futebol é grande. Mas a empatia dos times adversários, quando acontece uma tragédia destas, é bem maior – como provam as mensagens de solidariedade dos outros clubes, os minutos de silêncio antes das partidas dos campeonatos estaduais e o cancelamento da semifinal da Raça Guanabara.
Com desonrosas exceções.
A turma que, possivelmente, reza pela revogação da Lei Áurea (possivelmente bolsas de colostomia andantes e falantes) respondeu à tragédia com comentários racistas nas redes sociais – afinal, a maioria dos jovens mortos era negra, e treinava no Flamengo. Leiam alguns – de preferência, com um saco de vômito junto a si:

"Já ouvi falar em churrasquinho de gato, agora de urubu é a primeira vez".

(Nota: quem disser que nunca houve racismo no futebol está mentindo ou com m... na cabeça. "Urubu" era como, em tempos idos, os torcedores de outros times chamavam os torcedores do Flamengo... que, espertamente, incorporou o apelido para neutralizar a sua carga agressiva de racismo. Não é a toa, aliás, que o CT do Flamengo é chamado de "Ninho do Urubu".)

"Os mulambento amanheceu pegando fogo"

("Mulambento" é o apelido mais depreciativo que outros torcedores deram à torcida do Flamengo, depois que "urubu" não adiantava mais.)

"Dizem que esse jogador teve 40% do corpo queimado. Acho que é 100%” 




Dá nojo.
Como diria Maria Frô, em seu Twitter (o grifo, mais uma vez, é meu):

Imagine, o Brasil não é um país racista. É só a escória do mundo que não consegue parar de vomitar o lixo de sua alma até mesmo diante de adolescentes vítimas de um incêndio. Racista não é…

Aliás, lembra muito aquela historinha (ou piada?) em que Jesus comenta com seu Pai: "Eu ainda acho que você não devia ter mandado aquele meteoro para acabar com os dinossauros. Devia mandar é agora, pois Tua criação não tem mais jeito..."

*********

E agora, mais uma indicação (de Taiwan, para variar um pouquinho…) para esta séria série: Ti Shen (A Substituta - Taiwan, 2017), de Zero Chou.
(Notaram que o cinema de Taiwan aborda muito a questão LGBT em muitos de seus filmes? Pois é. Fico pensando o que aconteceria se a ilha fosse incorporada à China – por bem ou por mal. Mas vamos à sinopse.)
Mestra em judô, Han Lu (Jie Lu) foi criada por sua mãe quando criança, como se fosse um menino, substituindo seu falecido irmão. Por isso, ainda está tentando descobrir sua identidade pessoal. De qualquer forma, Lu é atraída por Ni Ke (Aviis Zhong), uma celebridade da internet taiwanesa mimada e insolente.
É quando seus destinos se cruzam em uma competição de judô. A vencedora se tornará a principal atriz de um filme de Kung Fu, e a perdedora, em sua dublê. 
É aí que se dá a melódia (assim mesmo, sr. revisor, obrigado), porque enquanto trabalham juntas, Lu e Ni Ke desenvolvem sentimentos uma pelo outra que nunca imaginaram ser possíveis, não tendo certeza de como rotular seu relacionamento.
Han Lu e Ni Ke lutam para descobrir quem são, quando percebem que não há substituto para o amor.
O trailer está aqui. Inté.


Nenhum comentário:

Postar um comentário