Diário do
Bolso – 12
(José Roberto Torero)
Amigo Diário, neste fim de semana o Flavinho veio aqui conversar. Não
vou lembrar de tudo, mas uma parte foi assim:
- Seja homem e pare de chorar!
- Desculpa, pai.
- Você imagina o que eu tô aguentando por tua causa? Hoje mesmo eu li no
meu Face: “Vocês não são a favor da tortura? Tortura o Queiroz para ele falar a
verdade”. Ou então: “Vocês não reclamavam que Cuba ficava com parte do salário
dos médicos? Como é que o Flávio fica com os salários dos funcionários?”. É
foda.
- Eu sei que eu errei, pai...
- Errou. E errou muito! Como é que você me dá uma dessas? Que decepção!
Depósito em conta? Porra, põe o dinheiro na cueca, na meia, ou na mala, que nem
o Geddel, mas não na conta.
- Pisei na bola...
- Na minha e na de todo mundo. Você vai ficar sozinho nessa. O Partido
do Suco de Laranja já te abandonou.
- O PSL?
- Caraca, até eu já estou chamando o partido assim. Vamos ter que mudar
de nome.
- A Globo está de marcação comigo, pai. É coisa pessoal. Nos últimos
quatro anos o patrimônio do Eduardo aumentou 432% e ninguém fala nada.
- Não põe o Dudu o meio. Alguém pegou ele? Não. Então fica quieto. E vou
te falar a mesma coisa que eu escrevi pro seu irmão: “Se você for preso, não
vou te visitar na Papuda.”
- Nem no meu aniversário...?
- Nem. E a coisa só tá piorando. Antes era um milhão e duzentos. Agora
já são sete! Vai esmerdear tudo!
- Sete milhões não é tanto assim. Vamos manter a história que ele ganhou
isso vendendo carro.
- Porra, mas quem vai acreditar? Sete milhões em três anos, se cada
carro custa uns vinte mil, quantos carros ele tem que ter vendido?
- Pô, pai, essa conta é difícil. Coisa de Enem. Tem calculadora aí?
- Deixa pra lá. Ninguém vai acreditar nisso! O negócio é que você botou
um fuzil no meu cu e apertou o gatilho.
- Pai! Olha o palavreado.
- A gente conversa com o Olavo de Carvalho e fica falando essas
baixarias. Mas não foge do assunto! Por sua causa tive que desmarcar a coletiva
em Davos. Eu ia falar para o mundo inteiro e agora vou ter que ficar caladinho.
- O Moro não pode dar um jeito na coisa? Tem que despedir o comunista
que vazou isso aí, pai.
- Se tem alguém que entende de vazamento é o Moro. Ele é melhor que
encanador.
- Rarrarrá! Boa!
- Fecha o bico, palhaço! Só eu que posso dar risada aqui. E não vamos
confiar muito no Moro, que o cara já deve estar arrependido. Aposto que tá
pensando: “Pô, se eu tivesse ficado na minha, agora ia investigar os Bolsonaro
e era eleito presidente em 2022.”
- O que a gente pode fazer, pai?
- Agora que o Fux parou a investigação, vamos aproveitar o tempo para
descobrir o que eles sabem. Tem que ver isso daí. Depois, a saída é fazer
aquela confusão com advogado, juiz, anular prova, o escambau.
- No final vai dar tudo certo, pai. Eu tenho certeza. Vamos fazer as
pazes?
Aí ele me estendeu o dedinho, que nem fazia quando criança.
Eu respondi o que o Olavo de Carvalho responderia.
*********
Uma breve
historinha.
Ciro
Monteiro (1913-1973) – grande cantor com uma bossa incomparável – e Sergio
Cabral – o pai, jornalista, crítico e pesquisador de MPB e escritor, não o
filho (da p...) que está na cadeia por roubar tanto o RJ que o levou à falência
– eram grandes amigos. Isso apesar de uma pequena diferença: torciam para times
diferentes. Ciro Monteiro era Flamengo doente. Cabral Pai é Vasco – e se
orgulhava do time de São Januário ter sido o primeiro time de futebol carioca
(ou do Brasil?) a abrir as suas portas para jogadores negros.
Um dia,
Ciro, Cabral Pai e seus respectivos filhos foram ao Maracanã ver um Vasco e
Flamengo. O rubro negro venceu, e Ciro ficou mais feliz do que pinto (o filhote
da galinha – não sejam maldosos...) no lixo... até olhar para o lado e ver
Cabral Pai e seu filho tristíssimos pela derrota de seu time. Aí Ciro foi
ficando triste, murcho...
De noite, a
mulher de Ciro Monteiro telefonou para Cabral Pai, dizendo que não vai mais
deixar seu marido ir a jogos de futebol com ele: "Puxa, o Flamengo ganhou
e ele está tristíssimo por causa de vocês!"
Sim, a rivalidade
no futebol era grande. Mas a amizade e a empatia de Ciro Monteiro para com os
outros era muito maior.
Por isso,
quando Vinicius de Moraes foi convidado a escrever um texto para a contracapa do LP "Senhor samba" (Columbia, 1961),
não fez economia: disse, sem pestanejar, que Ciro era
não
só o maior cantor popular brasileiro de todos os tempos – emparelhado apenas,
na nova fase, com João Gilberto -, mas uma criatura humana de qualidades tão
raras que eu acho improvável qualquer de seus amigos não se haver dito, num dia
de humildade, que gostaria de ser Cyro Monteiro. Pois Cyro, pra lá de cantor e
do homem excepcional, é um grande abraço
em toda a humanidade.
(O grifo é meu.)
Bem, o
tempo passou, Cabral Pai está fechado em casa (triste pelo filho), Ciro
Monteiro "viajou fora do cumbinado"
(copyright Rolando Boldrin).
E, pelo
visto, parece que o bicho homem, pouco a pouco, se torna uma bolsa de
colostomia falante e ambulante, sem empatia para com o outro.
A esta
altura do campeonato, todo mundo está careca de saber do incêndio no Centro de
Treinamento do Flamengo – melhor dizendo, no alojamento das categorias de base,
que matou 10 garotos.
Pois bem: a
rivalidade no futebol é grande. Mas a empatia dos times adversários, quando
acontece uma tragédia destas, é bem maior – como provam as mensagens de
solidariedade dos outros clubes, os minutos de silêncio antes das partidas dos
campeonatos estaduais e o cancelamento da semifinal da Raça Guanabara.
Com desonrosas
exceções.
A turma que, possivelmente, reza pela revogação da Lei Áurea (possivelmente bolsas de colostomia andantes e falantes) respondeu à tragédia com comentários racistas nas redes sociais – afinal, a maioria dos jovens mortos era
negra, e treinava no Flamengo. Leiam alguns – de preferência, com um saco de
vômito junto a si:
"Já ouvi falar
em churrasquinho de gato, agora de urubu é a primeira vez".
(Nota: quem disser que nunca houve racismo no futebol está mentindo ou
com m... na cabeça. "Urubu" era como, em tempos idos, os torcedores
de outros times chamavam os torcedores do Flamengo... que, espertamente,
incorporou o apelido para neutralizar a sua carga agressiva de racismo. Não é a
toa, aliás, que o CT do Flamengo é chamado de "Ninho do Urubu".)
"Os mulambento
amanheceu pegando fogo"
("Mulambento" é o apelido mais depreciativo que outros
torcedores deram à torcida do Flamengo, depois que "urubu" não
adiantava mais.)
"Dizem que esse
jogador teve 40% do corpo queimado. Acho que é 100%”
Dá nojo.
Como diria Maria Frô, em seu Twitter (o grifo,
mais uma vez, é meu):
Imagine, o Brasil não é um país racista. É só a escória do mundo que não consegue parar de vomitar o lixo de sua
alma até mesmo diante de adolescentes vítimas de um incêndio. Racista não
é…
Aliás, lembra muito aquela historinha (ou piada?) em que Jesus comenta
com seu Pai: "Eu ainda acho que você não devia ter mandado aquele meteoro
para acabar com os dinossauros. Devia mandar é agora, pois Tua criação não tem mais
jeito..."
*********
E agora,
mais uma indicação (de Taiwan, para variar um pouquinho…) para esta séria
série: Ti Shen (A Substituta - Taiwan, 2017), de Zero Chou.
(Notaram
que o cinema de Taiwan aborda muito a questão LGBT em muitos de seus filmes?
Pois é. Fico pensando o que aconteceria se a ilha fosse incorporada à China –
por bem ou por mal. Mas vamos à sinopse.)
Mestra em judô, Han Lu (Jie Lu) foi criada por sua mãe quando criança,
como se fosse um menino, substituindo seu falecido irmão. Por isso, ainda está
tentando descobrir sua identidade pessoal. De qualquer forma, Lu é atraída por
Ni Ke (Aviis Zhong), uma celebridade da internet taiwanesa mimada e insolente.
É quando seus destinos se cruzam em uma competição de judô. A vencedora
se tornará a principal atriz de um filme de Kung Fu, e a perdedora, em sua dublê.
É aí que se dá a melódia (assim mesmo, sr. revisor, obrigado), porque enquanto
trabalham juntas, Lu e Ni Ke desenvolvem sentimentos uma pelo outra que nunca
imaginaram ser possíveis, não tendo certeza de como rotular seu relacionamento.
Han Lu e Ni Ke lutam para descobrir quem são, quando percebem que não há
substituto para o amor.
O trailer
está aqui. Inté.
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