Diário do Bolso – 2
Poxa, eu disse que ia fazer um diário, mas não consigo nem fazer o
diário ser diário. Ontem já furei. Presidente trabalha mais do que eu
imaginava. Até me deu uma saudade do meu tempo de deputado. Aquilo sim era
moleza.
Bom, hoje vou contar como é que foi a primeira reunião com os ministros.
Na verdade nem foi uma reunião-reunião. A gente deu só uma conversadinha,
porque o importante mesmo era foto. Mas mesmo assim foi um papo interessante.
O primeiro a falar foi o Ricardo Salles, do Meio Ambiente. Ele agora é
“ficha suja”, mas com aquele penteado moderno e aqueles óculos coloridos, já,
já fica com a ficha limpa. Ele começou dizendo que acabou com a Secretaria de
Mudança do Clima. E nem continuou. É que foi interrompido por umas palmas.
Quem ficou de pé e bateu palmas foi o Ernesto Araújo, de Relações
Exteriores. Ele falou que essa história de mudança de clima é “uma tática
globalista de instilar o medo para obter mais poder”. Achei a frase tão chique
que até anotei para escrever aqui.
E ele não parou por aí. Continuou dizendo que o aquecimento global era
balela e que não tinha nada disso aí. Então eu mandei essa:
- Ernesto, pode ser balela, mas o ar condicionado vai continuar ligado!
Pô, o pessoal caiu na gargalhada. Me senti mais engraçado que o
Costinha.
Depois a Damares pediu a palavra e disse: “O que vocês estão achando do
meu trabalho? A história do rosa e azul ficou sete horas nos trend topics do
twitter. Mas eu tenho medo de estar exagerando.”
Eu falei para ela dar uma maneirada. Mas o Mourão me cortou e disse que
a Damares era uma gênia. “Menina, você tem que continuar com essas suas coisas.
Aí ninguém vai falar da reforma da Previdência, da demarcação de terras, da
liberação de armas e o escambau. Durante o regime militar, todo mundo ria das
burradas do Costa e Silva enquanto ele preparava o AI-5. Tem que dar uma coisa
para a esquerda se divertir enquanto a gente faz o ataque pesado. É a tática da
distração. Qualquer major sabe disso.”
Pô, aquela história de major foi pra me acertar. Eles quis dizer que eu
não tinha percebido a jogada. Claro que tinha. O Mourão vai ser um cara
difícil. General obedecer capitão é complicado. Tenho que tomar cuidado com
ele. Pena que não existe mais aquele sujeito que provava a comida antes do rei.
Bom, pra minha sorte o Paulo Guedes começou a falar uns números da
reforma da Previdência. Nessas horas eu tenho vontade de fazer que nem eu fazia
na escola: pedir para ir no banheiro e só voltar na hora do sinal. Mas não dá.
Então eu soltava um “taoquei” de vez em quando, só para parecer que estava
entendo tudo.
Mas na hora que ele falou na idade mínima eu mandei essa:
- Pô, Guedes, não estraga a minha pensão! Deixa 62 anos, cacete!
Era uma piada, mas dessa vez ninguém riu. Levaram a sério. E agora a
idade mínima vai ser isso aí.
Ser presidente dá trabalho mas é bom. Os caras riem das minhas piadas e
quando não riem, elas viram lei.
Esses quatro anos vão ser do cacete!
PS: Na hora da foto deu aquela vontade de fazer revolvinho com os dedos,
mas eu me segurei.
********
Uma destas
coisas (e por isso abro uma exceção ao que disse agora) é uma Medida Provisória
que a própria Damares pretende mandar ao Congresso, que permite o ensino
domiciliar – em português claro: permite que os pais possam educar seus filhos
em casa.
"O que
pretendemos é dar uma oportunidade para que a família escolha a opção que achar
mais conveniente para os filhos. Ninguém vai obrigar as crianças a deixar as
escolas. Simplesmente vamos atender aos anseios de milhares de pessoas que preferem
essa modalidade de ensino e que, hoje, não têm respaldo legal para isso",
disse Damares ao Valor Econômico.
Se "Ninguém
vai obrigar as crianças a deixar as escolas", então por que insistir no
ensino em casa? Será que a ministra ainda não entendeu que faz parte de uma
educação completa de uma criança a socialização com outras crianças?
Ou será que a ideia da
ministra da goiabeira, como bem comentou o ministro do STF RicardoLewandovki, é fazer "com que a criança seja criada dentro de uma 'bolha', não tendo contato com opiniões divergentes das suas e outras realidades, o quecontribuiria 'para a fragmentação da sociedade, para a polarização e para o extremismo' "?
As famílias
que, por exemplo, cultuam o racismo e a homofobia em casa, penhoradas,
agradecem essa MP da Damares. Assim, seus filhos tem menos chances de conhecer
o mundo fora da bolha de casa e mudar de ideia.
********
Pela mesma
razão, não peçam a esta séria série para comentar sobre a moderação do general
Mourão, o vice do Coiso.
Por uma
simples razão: essa moderação pode ser (e é) tão fake como as fake news da
campanha do Coiso – ainda mais quando vem do mesmo general que propôs, antes e
durante a campanha eleitoral, um "autogolpe" (à la Fujimori no Peru)
e "uma nova Constituição elaborada por um grupo de 'notáveis' ". Até
porque tais ideias não foram definitivamente deixadas de lado.
(Para
registro: das sete Constituições brasileiras – contando com a atual – três foram
outorgadas: a do Império, outorgada por D. Pedro I em 1824; a da ditadura do
Estado Novo, em 1937; e a do regime militar, em 1967. Destas, só uma – a imperial,
de 1824 – foi realmente escrita por uma comissão de notáveis, e realmente foi
uma das mais liberais – ainda que de fancaria, com seu voto censitário, de
acordo com a renda do eleitor: quem era pobre de marré de si não votava. Já a "polaca",
de 1937, foi escrita por uma "comissão de notáveis" de uma pessoa só:
Francisco Campos. E a de 1967, por outra comissão de notáveis juristas: Levi Carneiro, Miguel
Seabra Fagundes, Orosimbo Nonato e Themístocles Brandão Cavalcanti. E tanto a Carta
de 1937 quanto a de 1967 foram feitas para regimes autoritários – sendo que a
de 1967 ganhou uma Emenda outorgada em 1969 pela Junta Militar dos "Três
Patetas" que a tornou mais autoritária ainda.)
********
Dito isso,
neste momento (nada) solene em que indico mais um filme para esta séria série, nada
mais natural comentar a desistência da Universal em lançar aqui em Terra
Papagalli o filme Boy Erased: Uma verdade anulada (Boy Erased – EUA, 2018), de Joel Edgerton. De
acordo com a Universal,
a
decisão foi tomada "única e
exclusivamente por uma questão comercial baseada no custo de campanha de
lançamento versus estimativa de bilheteria".
E, de fato,
entre os dias 6 de novembro de 2018 e 6 de janeiro de 2019, o filme arrecadou só
uns míseros (SIC) US$ 7.928.149,00.
Tem gente que não acreditou
que essa foi a razão – como um dos atores do filme, Kevin McHale, que acusou o Coiso de proibir o lançamento do filme no Brasil.
Tradução:
"Além disso, Bolsonaro não precisa tomar pessoalmente a decisão, mas por
causa do ambiente anti-LGBT que ele criou e cultivou, isso se traduzirá em
decisões como essa. Além disso, está sendo investigado."
Ao que o
Coiso respondeu:
Quem está
certo nesta história? Por increça que parível, eu acredito no Coiso – afinal,
ele realmente tem mais o que fazer (como nunca fez na Câmara dos Deputados...).
O problema é que alguns de seus aliados não tem nada o que fazer além de rosnar
ameaças – como a bancada evangelicuzinha, de Silas Mala-Sem-Alça-Faia e
catervada, que precisam mostrar força no novo regime.
Ou defender
seus negócios. Boy Erased fala de uma coisa muito cara à bancada
evangelicuzinha: a "cura gay" – troço muito difícil de engolir,
porque não se cura o que não é doença, mas que pode ser um excelente negócio
para Silas Mala-Sem-Alça-Faia, entre outros líderes evangelicuzinhos. Sabiam
que, desde 2011, Silas
Mala-Sem-Alça-Faia investe
numa rede de clínicas de recuperação?
Tá, as tais clínicas podem ser para
recuperação de viciados em drogas. Mas sabia que elas também são direcionadas
para "reorientação sexual" – eufemismo para "cura gay"?
Com sua permissão, um trecho de artigo do Diário do Centro do Mundo sobre o assunto, para que se entenda o porquê (os
colchetes e os grifos são meus):
Vocês
lembram no começo do ano [de 2017] quando
o Dória [então prefeito de São Paulo] queria
levar a Cracolândia inteira pra clínicas de recuperação pagando diária para as
clínicas? Isso geralmente ocorre com o conveniamento de clínicas para
recuperação de dependentes junto à prefeitura ou ao estado. A clínica apresenta
documentação, é conveniada e o estado paga mensalmente a quantidade de diárias
de internação estabelecidas em contrato.
Pois bem,
qual é o pulo do gato? Com a cura gay,
pessoas poderão ser levadas pelos pais ou parentes num Centro de Referência de
Assistência Social (Cras) ou num Centro de Referência Especializado de
Assistência Social (Creas) buscando tratamento de reversão sexual. Daí o
governo vai ter que credenciar clínicas
que façam esses tratamentos, afinal é um direito de todos e dever do
Estado.
Na hora
de credenciar essas clínicas, quem
estará lá todo feliz credenciando suas clínicas em busca de grana pública pra
cura gay?
Ganha uma
passagem só de ida para o Arkansas (estado onde fica a pequena cidade em que se
passa o filme) quem adivinhar...
Em suma:
desta vez, o Coiso tem razão, ele tem mais o que fazer. Mas Kevin McHale
também tem.
Follow the Money, galera!
Daí, uma
das minhas indicações para esta séria série é, justamente, Boy Erased.
Prove, Universal, que não tem medo da bancada evangelicuzinha brasileira.
********
Ainda
assim, por dúvida das vias, indico mais um filme para esta séria série: Adam (EUA, 2019), de Rhys Ernst, Baseado no romance de Ariel Schrag.
A história
é bem simples: Adam (Nicholas Alexander), um adolescente
desajeitado, passa seu último verão do ensino médio com sua irmã mais velha, Casey
(Margaret Qualley), que se lança na cena lésbica e transativista de Nova York. Nesta
comédia de amadurecimento, Adam e os que o rodeiam encontram amor, amizade e
verdades difíceis.
Não tem
trailer, gente. Mas tem uma entrevista com o diretor.
Inté.
Nenhum comentário:
Postar um comentário